19.4.06

Re-localizar a Economia


Pela Soberania Alimentar

A ideia de alimentos de alimentos frescos e locais é um sonho que une tanto os defensores da segurança alimentar e do meio ambiente como os entusiastas da «slow food» e dos pequenos agricultores.

Apoiar e reconstruir os sistemas de produção locais com o objectivo de levar, para os mercados, alimentos frescos, directamente dos produtores para os consumidores locais…é, sem dúvida, uma maneira de fomentar o desenvolvimento quer no âmbito de uma comunidade quer à escala regional no contexto do mercado global do Norte e do Sul.
Com efeito, produzir e promover os produtos locais pode ajudar a atenuar e aliviar problemas como a mudança climática global e a pobreza rural. Construir tais sistemas de mercado exige uma nova forma de abordar a indústria e as instituições que a fomentam.

Comércio e Mudança Climática


Defender os produtos locais pressupõe rever e reexaminar a teoria económica, que se encontra tão fortemente arraigada, sobre as vantagens da competitividade, e que se baseia na ideia de que cada região deveria especializar-se em produzir só o que pode produzir mais barato ou ao menor custo, e negociar com as outras regiões tudo aquilo que carece e que necessita de adquirir. Acontece que os cálculos económicos tradicionais não levam em linha de conta os verdadeiros custos ambientais desse tipo de comércio. Mais concretamente, os custos ambientais do transporte de mercadorias em distâncias longas é muitíssimo maior do que julgava até agora, e que têm, de resto, um impacte evidente nas mudanças climáticas.
A maioria dos alimentos viajam centenas senão mesmo milhares de quilómetros, desde o produtor até ao nosso prato, e a infra-estrutura de transportes que é utilizada para essa finalidade consome combustíveis fósseis que geram gazes com efeito de estufa e que contribuem para as mudanças do clima. Estas mudanças estão a fazer subir a temperatura dos mares, a conduzir à inundação das zonas costeiras, e potencialmente, pode levar à perda de colheitas, assim como ser a causa de extinções maciças, e levar ao reforço de factores meteorológicos destrutivos como os furacões. Ora todas essas alterações têm profundas implicações para a agricultura e a população. Ainda que seja difícil prever todas as consequências dos danos provocados pelas emissões destes gazes com efeito de estufa, a verdade é que eles são indesmentíveis e importa inclui-los nos custos energéticos das transacções mercantis do comércio mundial.
Ajustar os preços para baixar os custos energéticos, ou cobrar «pequenos impostos ambientais» às empresas não são indicadores nem muito menos soluções fiáveis para o alto preço social e ecológico que representa o constante aumento do comércio na actual economia global. O consumo de produtos locais pode constituir, assim, uma enorme benefício para o meio ambiente. Um exemplo concreto basta para ilustrar a diferença que haveria com uma tal opção: em 1920, o Estado do Iowa, nos Estados Unidos, produzia uma grande variedade de frutas e verduras, mas na actualidade a maior parte desses produtos que são consumidos nesse Estado vêm de outras regiões. Ora, se os habitantes do Estado do Iowa optassem por consumir uns 10% mais da produção local, estima-se que se poderia poupar até 7,9 milhões de toneladas anuais de emissões de dióxido de carbono.

Exemplos


A organização ambientalista japonesa Daichi-o-Mamoru concluiu que, se as famílias japonesas consumissem produtos locais em vez de produtos importados, o impacto seria equivalente a reduzir-se em 20% da energia doméstica; o mesmo resultado se chegaria se em vez de se consumirem os produtos de soja, importados dos Estados Unidos, se optasse pelos produtos de soja cultivados no Japão.
Sendo certo que a importação de alguns produtos é inevitável, como é o caso do café, proveniente de países tropicais, e que se tornou um bem essencial nos países frios, a verdade é que existe uma infindável quantidade de produtos que podem ser localmente produzidos, já para não falar de muitos outros cuja existência é altamente discutível porque mostram ser antieconómicos e anti-ecológicos e que são até sucedâneos de outros, já existentes.
Por exemplo: o ketchup Heinz que se consome na Califórnia é feito de tomates cultivados na Califórnia que são enviados para o Canadá a fim de serem processados e embalados e são, de seguida, reenviados novamente para a Califórnia. Outro exemplo: o porto de Nova Iorque exportou 431.000 dólares de amêndoas para a Itália, e importou 397.000 dólares de amêndoas da Itália para o mercado interno norte-americano. Ora este tipo de comércio revela-se completamente desnecessário e mostra até que ponto estamos a hipotecar a herança que iremos deixar para as gerações futuras.

A ruína dos comércios locais

Para os que pensam que a falta de alimentos produz a fome no mundo há que dizer-lhes que actualmente se regista uma superprodução mundial no que se refere a bens básicos, o que tem, aliás, uma repercussão negativa nos pequenos e médios agricultores, já que ao haver um excesso de produção, os preços baixam, e com eles os rendimentos dos produtores rurais.
O excesso de produção pode também ser mostrado se repararmos que o preço dos produtos importados é menor do que aquele que é gasto para os produzir. Não por acaso, os países em desenvolvimento denunciam frequentemente a injustiça em que se transformou o mercado global. Na verdade, e como resposta aos baixos preços, muitos dos agricultores dos países do primeiro mundo recebem subsídios, permitindo-lhes assim vender os seus produtos a um preço mais baixo do seu custo de produção. As leis do mercado permitem uma invasão de produtos que provocam a destruição das explorações dos agricultores não-subvencionados. Por exemplo: o arroz, que é um produto muito vulgar em todo o mundo, é exportado pelos Estados Unidos, e é vendido no mercado mundial a um preço entre 20 a 30% mais baixo que o seu custo de produção pelos agricultores norte-americanos, graças aos subsídios estatais por estes recebidos, destruindo assim qualquer leal concorrência entre os agricultores a nível mundial. Este facto levou em 2004 a Indonésia a proibir todas as importações de arroz, protegendo os agricultores indonésios, ao garantir a sua sobrevivência, uma vez que produziam arroz suficiente para alimentar toda a população do país.

Pobreza rural

Mas se os agricultores sofrem, será que, porventura, as camadas mais pobres da população beneficiam com isso? A realidade nua e crua é que a maioria das pessoas pobres no mundo vivem na agricultura, e 50% das pessoas que sofrem com as calamidades são pequenos agricultores. A superprodução global de alimentos é a principal causa para a constante diminuição dos rendimentos dos rurais e o empobrecimento crescente das áreas rurais. Note-se ainda que a pobreza rural provoca por sua vez a pobreza urbana, uma vez que a impossibilidade de sobrevivência dos camponeses força-os a migrar para as cidades, convertendo-se em mão-de-obra barata no mercado de trabalho.
Ora as políticas de desenvolvimento deveriam preocupar-se em aumentar os rendimentos dos pequenos agricultores, de forma a não forçá-los a abandonarem as sua regiões rurais.
Restabelecer o acesso dos pequenos agricultores aos mercados locais para que possam vender os seus produtos é um dos principais objectivos ( e propostas) da Via Campesina, uma rede de mais de 100 organizações de pequenos agricultores, espalhada por todo o mundo.
A expansão das grandes cadeias de hipermercados nas regiões, que sempre foram abastecidas por agricultores locais ou da região através dos circuitos tradicionais, está a prejudicar gravemente os pequenos agricultores e os produtos locais. De 1992 a 2002, os hipermercados aumentaram as suas vendas em 30% no mercado asiático ( excluindo a China) e em 45% no sul do continente africano. A agravar isto está a circunstância dos hipermercados estarem a ficar nas mãos de um número cada vez mais reduzido de grupos económicos empresariais.

A centralização


Tais grupos e cadeias de hipermercados tendem por sua vez a centralizar o abastecimento em determinados centros de distribuição, que compram a por junto a muito poucos produtores, quase sempre a grandes agricultores ou a grandes importadores, com claro prejuízo para os pequenos agricultores.
Além disso, o facto de se trazer produtos de longe, e de os comprar a grandes empresas produtoras, faz com que se assista a uma estandardização dos alimentos que prejudica a diversidade de sabores, a herança cultural de cada região, e até mesmo a qualidade da nossa nutrição. A concentração dos supermercados obriga os pequenos agricultores a baixar os preços para serem mais competitivos, obrigando ainda ao fecho e declínio do comércio local, que assim não contribui para a a circulação do dinheiro nem para o desenvolvimento da comunidade local.
Um estudo realizado em Chicago mostra que, em cada 100 dólares gastos em produtos de um estabelecimento local, 68 dólares mantêm-se na economia daquela área geográfica, enquanto que aí só ficarão 48 dólares, caso o comércio local seja realizado por intermédio de uma grande superfície. Outro dado interessante é saber que por cada metro quadrado ocupado por uma empresa local o seu impacto na economia da zona é de 179 dólares, ao passo que com uma grande superfície esse impacto diminui para os 105 dólares..
Outro estudo demonstrou que as grandes superfícies comerciais, como a Wal-Mart, reforça a pobreza nos municípios onde se instala, uma vez que absorve as ajudas estatais concedidas às famílias mais carenciadas
Se os seus trabalhadores ganhassem um salário justo e digno não ficariam dependentes dos bens alimentares, baratos e artificiais, que são vendidos na Wal-Mart, e poderiam ajudar os pequenos agricultores locais e o comércio local.

O comércio é um grande negócio

Promover os sistemas alimentares locais requer uma transformação das políticas e das instituições. As políticas que promovem o livre mercado e que o apresentam como a panaceia global para a erradicação da fome, da pobreza e das desigualdades, acabam por beneficiar somente as grandes empresas que não cessam em procurara novos mercados para obterem ainda mais lucros.
O Fundo monetário internacional (FMI) e o Banco Mundial defendem a rápida liberalização do mercado sem qualquer prova, bem pelo contrário, de que uma tal orientação ajude a retirar as populações da situação em que vivem.
As agências de crédito para exportação gastam mais de 100 biliões de dólares anuais em empréstimos que visam ajudar os países a importarem alimentos das grandes empresas dos países industrializados, aumentando assim a dívida daqueles países. Os países mais poderosos impõem as normas que muito bem lhes interessam nos acordos, tratados e nas organizações internacionais, impedindo assim que as nações e os países façam valer a sua soberania alimentar e favoreçam a produção local e os interesses dos cidadãos.
O governo dos Estados Unidos, devidamente assessorado por um grupo de «homens de negócios», demonstrou nos últimos anos a capacidade de um governo para criar uma guerra ( no Iraque) com a óbvia intenção de proteger o livre acesso das empresas norte-americanos aos recursos e aos mercados mundiais. São políticas deste género que explicam como é que uma empresa como a Cargill, uma mais maiores empresas de alimentação em todo o mundo, tenham apresentado lucros que ultrapassam os 1,3 biliões de dólares em 2003, quase 3 vezes mais que no ano 2000.

Movimento globais, alimentos locais

Os defensores da produção local estão aos poucos a unirem-se um pouco por toda a parte. Alguns munícipios da Pensilvânia ( USA) já adoptaram medidas no sentido de interditar a compra de propriedades rurais por parte das grandes empresas.
Também um número cada vez maior de cidadãos começam a consciencializarem-se sobre o assunto, e não esperam que os hipermercados invadam as suas vilas e cidades, preferindo começar a cultivar eles próprios os legumes em hortas urbanas, algumas delas de carácter comunitário ou de bairro, ou então optam deliberadamente por comprar no comércio tradicional.
Organizações como a Community Food Security Coalition desenvolvem determinados projectos para as escolas e hospitais com o objectivo de abastece-las em produtos alimentares frescos, produzidos pelos produtores locais.
Por seu turno, ambientalistas e grupos ecologistas estão a organizarem-se para fomentar o consumo de produtos locais. É o caso da BALLE (Business Aliance for Local Living Economics) que criou uma rede de pequenos agricultores a fim de promover o consumo de produtos locais, e da National Farm Colation que preconiza a revitalização das explorações familiares e da chamada agricultura familiar.

Texto de Kirsten Schwind,
in The Ecologist, nº 25 ( Abril, Maio, Junho de 2006), em castelhano

O que podes fazer:
-Compra no mercado produtos que tenham sido cultivados na tua área
-Pede na escola que consumam produtos da região
-Opõe-te e mostra a tua oposição aos Acordos coercivos impostos pelos arautos do neoliberalismo
-Ajuda a construir redes entre organizações locais e os agricultores de outros países de forma a juntos transformarem o sistema de mercado alimentar.



Consultar:

www.viacampesina.org

www.nffc.net

www.foodfirst.org

www.foodsecurity.org

A Wal-Mart é o melhor amigo da China!!!



Em 2005 o défice comercial dos Estados Unidos atingiu um recorde absoluto: 726 mil milhões de dólares. O que constitui um aumento de 17% relativamente ao ano de 2004.
O valor do défice comercial representa qualquer coisa como 5,8% do Produto Interior Bruto dos Estados Unidos da América, o que constitui também um recorde jamais atingido desde 1929.
O défice comercial deve-se principalmente à chamada factura petrolífera ( 229 mil milhões de dólares), assim como das importações provenientes da China ( 200 mil milhões, mais 25% do valor registado no ano anterior).

A Wal-Mart, a conhecida cadeia de distribuição norte-americana, aonde 8 em 10 norte-americanos se abastecem regularmente, abastece-se hoje em dia massivamente no mercado chinês, o que leva os seus críticos a consideraram a Wal-Mart – empresa de um poderoso grupo económico de origem americana e presente já em vários países, em todo o mundo – como o melhor amigo da China, uma vez que se calcula que 70% dos seus produtos contêm algum componente de origem chinesa, dado que em 2005 a mesma Wal-Mart adquiriu produtos chineses no valor de 18 mil milhões de dólares.

Esta política comercial da Wal-Mart – compras no mercado chinês - significa a deslocalização de um milhão de empregos americanos para a China!!!

Fonte:
www.walmartwatch.org

17.4.06

Dia Internacional das lutas camponesas (17 de Abril)


Em 17 de Abril de 1996 polícias e militares do exército brasileiro abriram fogo contra famílias inteiras de camponeses sem terra que ocupavam uma parcela não cultivada de uma grande propriedade fundiária, vulgo latifúndio. O massacre de Carajás, no estado do Pará, Brasil, fez 21 mortos e um número indeterminado de órfãos e feridos. Chocados com este acontecimento os elementos da Via Ca,pesina, Organização internacional que luta pela defesa dos interesses dos camponeses e da agricultura não-industrial reuniram-se nesse mesmo dia no México e, Assembleia Geral e decidiram fazer do dia 17 de Abril uma jornada anual de informação sobra as lutas camponesas.
Desgraçadamente decorridos 10 anos ainda não estão totalmente esclarecidas as circunstâncias em que se deram aqueles acontecimento, e nenhum militar ou polícia foi sequer detido ou condenado por causa das mortes.
Mais uma vez, este ano, 172 organizações camponesas de todo o mundo denunciam esta impunidade e exigem ao governo brasileiro a reabertura de um inquérito rigoroso sobre a tragédia, e recordam a necessidade de levar por diante lutas não-violentas a favor da melhoria das condições de vida dos camponeses, uma reforma agrária que contemple os interesses da agricultura local, um acesso equitativo às fontes e recursos, única maneira de garantir a soberania alimentar, enquanto verdadeira alternativa à liberalização do comércio dos produtos agrícolas preconizada – e imposta – pela OMC ( Organização Mundial do Comércio).
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Consultar:

Vegetarianismo


Vegetarianismo previne cancro e doenças cardiovasculares
(texto da jornalista Helena Norte)
Fonte: JN
Os vegetarianos que seguem um regime alimentar equilibrado e variado apresentam uma menor incidência de cancro e doenças cardiovasculares, bem como níveis mais baixos de obesidade e hipertensão arterial em relação à restante população. Vários estudos comprovam que a alimentação à base de produtos vegetais promove uma maior qualidade de vida e protege de diversas patologias degenerativas. Desde que se observem certos cuidados. Mitos e verdades sobre a carne e a necessidade de proteína animal.
A Associação Americana de Dietética conclui, num estudo alargado publicado em 2003, que a alimentação vegetariana bem planeada, mesmo a mais radical - como a vegan, que exclui todo o tipo de produto de origem animal -, é apropriada para todas as idades, incluindo bebés e idosos, mulheres grávidas e lactantes. Mais apresenta níveis baixos de colesterol, gorduras saturadas e teores elevados de carbohidratos, fibras, magnésio, potássio, antioxidantes e várias vitaminas.
Pedro Graça, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, afirma que há uma relação estatisticamente comprovada entre a alimentação vegetariana e índices mais baixos de cancro do pulmão e do tracto digestivo, doenças cardiovasculares e obesidade. Estudos que compararam vários indicadores de saúde entre grupos vegetarianos e a população omnívora são bastante conclusivos quanto aos benefícios desse tipo de regime alimentar. Pedro Graça sublinha, contudo, que, embora a importância da alimentação seja inquestionável, existem outros factores que influenciam decisivamente o estado de saúde. "Verifica-se que os vegetarianos, em regra, praticam mais exercício físico, evitam o álcool e consomem menos tabaco do que a população em geral, o que contribui para prevenir diversas doenças".
Por outro, diversas investigações revelam que os défices proteicos são relativamente raros entre as pessoas que não comem carne nem peixe. A necessidade de proteínas animais é um mito? "É e não é", responde o especialista. É preciso distinguir carne de proteínas de origem animal e perceber as reais necessidades proteicas cerca de 10 a 15% do total de calorias ingeridas diariamente. Os produtos de origem animal - como a carne e o peixe, mas também o leite e os ovos - são ricos em proteínas de alta qualidade, porque têm os aminoácidos essenciais nas quantidades e proporções certas.Há muitos vegetais que também têm aminoácidos.
O problema reside nas proporções se não forem as correctas, a absorção de proteínas é reduzida. Por essa razão, é preciso saber combinar cereais com leguminosas e produtos hortícolas, por exemplo. Ou seja, é possível suprir a necessidade de proteína, recorrendo apenas a vegetais, mas é preciso alguns cuidados. Esta questão não coloca para os ovolactovegetarianos, uma vez que os produtos lácteos e os ovos são completos do ponto de vista proteico.As proteínas não são o único nutriente que pode faltar num regime vegetariano mal balanceado.
A vitamina B12 encontra-se quase exclusivamente nos alimentos de origem animal e a sua carência prolongada provoca anemia e problemas digestivos e nervosos. Algas, sementes germinadas e levedura de cerveja são alguns dos produtos com um bom teor de B12.A alimentação vegetariana durante a infância é um assunto quase tabu. É verdade que as crianças têm exigências nutricionais específicas, pelo que convém observar cuidados especiais, o que não significa, porém, que seja imprescindível comer carne e peixe.
Pedro Graça cita vários estudos realizados com crianças vegetarianas puras que apontam para um crescimento mais lento, entre o primeiro e o terceiro ano de vida, que se esbate, contudo, a partir dos cinco anos e já não é perceptível aos dez.
Há também algumas investigações que apontam para alguns défices de ferro, vitaminas B e B12, cálcio e zinco nas crianças antes da adolescência. Por essas razões, o nutricionista aconselha a que, até essa idade, o regime alimentar contemple leite e ovos para evitar carências de nutrientes essenciais.
Vegetarianismo e macrobiótica são estilos de alimentação que ainda são facilmente confundidos, embora haja diferenças substanciais. A começar pelo uso de animais. O vegetarianismo exclui carne e peixe, podendo recorrer a ovos e lacticínios, no caso dos ovolactovegetarianos. A macrobiótica defende um regime adaptado a cada pessoa, podendo incluir carnes brancas e peixe em doses baixas. Em contrapartida, evita ovos, leite e seus derivados, açúcar, chá, café e produtos refinados e também frutos e vegetais tropicais.
O princípio orientador não é tanto a origem mas se é equilibrado e sustentável, tanto para cada pessoa como para o meio ambiente. Francisco Varatojo, precursor da filosofia de vida macrobiótica em Portugal, desmistifica alguns dos preconceitos que ainda rodeiam a comida macrobiótica. "A ideia da monodieta de arroz integral é incorrecta. Defendemos uma alimentação variada, com destaque para os cereais integrais, mas também vegetais, leguminosas e algas. Não é um modelo rígido ou um dogma alimentar". A macrobiótica - palavra de origem grega composta por "macro" (grande) e "bio" (vida) - defende um estilo de vida em harmonia, tanto quanto possível, com a Natureza. Isso significa comer alimentos biológicos e naturais, preferencialmente da época e da região em que são consumidos. Propõe um padrão, um modelo, que deve ser adaptado à idade, condição e actividade física de cada pessoa, explica o director do Instituto Macrobiótico de Portugal. Razões para se ser macrobiótico, no século XXI, são variadas, garante Varatojo. Porque é benéfico para a saúde. Porque contribui para o equilíbrio do ecossistema.
fonte: aqui

14.4.06

Perseguição a professores progressistas e pacifistas nos Estados Unidos


O jornal inglês The Guardian publicou na passada semana uma reportagem que denunciava as perseguições que estavam a ser alvo os professores progressistas, muito particularmente aqueles que se manifestavam pela paz e regresso das tropas norte-americanas do Iraque. O articulista referia-se ainda ao ambiente de «caça às bruxas» e de «lei da rolha» que se vive actualmente em muitas senão todas as Universidades norte-americanas (Yale, Califórnia, Columbia, Berkeley, Stanford, etc,etc), e ainda em muitas outras escolas dos mais variados graus de ensino, ao ponto dos alunos serem convidados a denunciar os professores que se mostrarem ser progressistas, defenderem a retirada das tropas norte-americanas do Iraque ou, simplesmente, ensinarem autores ou matérias consideradas como «anti-americanas». Chegou-se mesmo ao ponto de se elaborar uma lista dos 101 mais perigosos professores de todo o país!!!
Tudo isto revela bem o que actualmente se passa nos Estados Unidos e os «progroms» que lá já se começam a viver…

Ler: aqui

Para um anarquismo sem dogmas, um novo livro de Tomás Ibáñez


Porquê o A ?
Fragmentos dispersos para un anarquismo sin dogmas.
Livro de Tomás Ibáñez
Anthropos editorial


«Podem criar-se condições de vida nas quais não exista dominação? Pergunta sem resposta segura, mas da qual decorre sem dúvida a ideia de que lá onde haja dominação sempre estará em aberto um espaço para a reinvenção do anarquismo.
Insubmissão radical da sensibilidade e do pensamento face a qualquer forma de dominação,o anarquismo é tão polimorfo e tão variável como podem ser as próprias formas de dominação.. É assim porque ele brota contínua e directamente das infinitas redes de poder que condicionam as nossas condições de vida, pelo que não se pode aprender o ainarquismo nos livros, ou encerra-lo em fórmulas definitivas, pois o que há a fazer é inventá-lo incessantemente, a partir do anatagonismo social e a partir das práticas de resistência.
Fluído e tumultuoso, o anarquismo corre os mais riscos quando se imobiliza, quando se petrifica, e quando esquece de se questionar a si mesmo. »


Este é o texto que se pode encontrar na contracapa do novo livro em castelhano, acabado de ser lançado pelas edições Anthropos, de Tomáz Ibáñez Gracia (n. Zaragoza, 1944), militante libertário de há longa data, que residiu em França entre 1947 até 1973, tendo participado em várias acções o grupos anarquistas ao longo desse tempo. É apontado geralmente como o autor da ideia do «A-em-círculo», no início dos anos 60, que rapidamente se difundiu ao ponto de ser hoje o símbolo característico dos anarquistas. Participou também activamente na revolta de Maio de 68 em Paris, assim como na luta antifranquista. Hoje em dia é professor catedrático da Universidade Autónoma de Barcelona, e autor de inúmeras obras e artigos quer sobre Psicologia e Ciências Humanas, quer sobre as ideias libertárias e a sua prática actualizada. Muitos dos seus textos encontram-se na imprensa libertária europeia.

Revista Crítica das Ciências Sociais, os dois últimos números já saíram ( nº 72 e 73)

O nº 72 e o nº 73 da Revista Crítica das Ciências Sociais já se encontram ao dispor dos interessados quer nas bibliotecas quer no circuito comercial.
O Nº 72 tem como tema de fundo a «A Acção Colectiva e o Protesto» e o seu sumário é o seguinte:


A crítica da governação neoliberal: O Fórum Social Mundial como política e legalidade cosmopolita subalterna , por Boaventura Sousa Santos.
Resumo: A governação é hoje apresentada como um novo paradigma de regulação social que veio suplantar o paradigma anteriormente em vigor assente no conflito social e no papel privilegiado do Estado, enquanto ente soberano, para regular esse conflito por via do poder de comando e de coerção ao seu dispor. Neste artigo faço uma crítica radical do novo paradigma, concebendo-o como a matriz regulatória do neoliberalismo, entendido como a nova versão do capitalismo de laissez faire. Centrada na questão da governabilidade, esta matriz regulatória pressupõe uma política de direito e de direitos que tende a agravar a crise da legitimidade do Estado. Algumas das facetas da governação podem ser encontradas no movimento global de resistência contra a globalização neoliberal que tem hoje a sua melhor expressão no Fórum Social Mundial. Ao contrário da governação hegemónica, este movimento assenta na ideia de conflito e da luta contra a exclusão social, o que se torna manifesto nas concepções e políticas de direito que adopta.


A questão da relevância nos estudos dos movimentos sociais, por Dick Flacks
Resumo: A colaboração entre Charles Tilly, Sidney Tarrow e Doug McAdam traduziu-se num quadro conceptual que hoje domina os estudos dos movimentos sociais. O trabalho destes autores teve a utilidade de dirigir a atenção para as determinações estruturais das acções de protesto, ao acentuar as oportunidades externas, as ameaças e os constrangimentos que explicam a emergência e evolução dos movimentos. Sucede, no entanto, que os estudos dos movimentos sociais se foram tornando cada vez mais "académicos", apontando sobretudo para o apuramento dos conceitos e o testar das hipóteses. Nesse sentido, o trabalho realizado nesta área não só tem perdido relevância social como tem vindo a descurar questões intelectuais que são fundamentais. Entre estas contam-se os esforços no sentido de compreender as origens do poder dos movimentos e da motivação dos activistas. Uma forma de restaurar aquilo que é relevante e substancial será fazer com que os académicos vocacionados para a questão dos movimentos retomem o diálogo com os activistas desses mesmos movimentos.


Movimientos sociales, espacio público y ciudadanía: Los caminos de la utopia, por Benjamin Tejerina
Resumo: El objeto de este artículo son las relaciones que se establecen entre los movimientos sociales y los procesos de construcción de la ciudadanía mediante la reapropiación y resignificación tanto física como simbólica del espacio público. Desde los estudios de la acción colectiva el espacio público se ha comprendido tradicionalmente como el escenario en el que tienen lugar las disputas por la legitimidad de las demandas colectivas. Pero lo que sucede en el espacio público tiene una conexión directa con los espacios de la privacidad, con los intereses privados y con la agregación de estos intereses en redes de socialidad que conectan diversas individualidades. Una especie de privacidad compartida que se hará visible cuando la movilización política ocupe el espacio público. La cristalización de las demandas que se formulan en la privacidad compartida produce la modificación del ámbito de derechos y responsabilidades de ciudadanía que cuestiona y pone en crisis los límites de la política institucional(izada).



Acção colectiva e protesto em Portugal: Os movimentos sociais ao espelho dos media (1992-2002), por José Manuel de Oliveira Mendes, e Ana Maria Seixas
Resumo: Neste artigo apresentamos uma análise das acções colectivas e de protesto ocorridas em Portugal entre 1992 e 2002. O objectivo principal é apreender de forma mais precisa a configuração social e política das acções de protesto, a sua evolução no tempo, as suas características definidoras e o reportório de tecnologias utilizado. A efervescência política e o elevado grau de mobilização detectados contrastam com as habituais afirmações da debilidade da sociedade civil em Portugal. Sendo as acções de protesto marcadas por um localismo acentuado, argumentamos que este localismo pode potenciar uma renovação da vivência política, assente na participação e na proximidade dos poderes aos cidadãos, numa democratização radical da vida social e política. A violência que perpassa muitas das acções analisadas não pode ser lida como a reminiscência de uma qualquer violência primordial ou de lógicas atávicas de actuação política, mas sim como um indicador da maturidade democrática da sociedade portuguesa. A centralidade da escola, a todos os seus níveis de ensino, nas acções de protesto revelam quão importante é a educação e o capital escolar nas estratégias familiares de reprodução e de mobilidade sociais na sociedade portuguesa.


Os novos movimentos de protesto em França. A articulação de novas arenas públicas, por Daniel Cefai
Resumo: Este artigo traça um panorama crítico da emergência dos novos movimentos de protesto (NMP) em França, nas últimas décadas. Argumenta-se que desde meados dos anos oitenta, novas arenas públicas foram abertas pelos NMPs, seguindo as transformações da sociedade salarial e da política pública, e respondendo à mundialização crescente dos mecanismos económicos, estratégicos e sociais. Para quem investe politicamente nos NMPs, a importância da sua emergência reside no rearmamento da crítica social e na reconstituição de uma esquerda radical. Novos problemas públicos se impuseram aos cidadãos, aos especialistas e aos decisores políticos, em particular em torno da questão dos "sem documentos", dos "sem trabalho" e dos "sem abrigo" mas também da saúde pública, da ecologia ou do consumo. Novos actores colectivos, ONGs, movimentos e coordenações tornaram-se os parceiros e os adversários incontornáveis dos poderes públicos. Contudo, alerta-se para o perigo destes movimentos resvalarem para uma acção político-partidária institucional, que poria em causa a acção concertada da esquerda política e a eficácia da sua actuação quer no contexto nacional quer no contexto europeu.

"Só é vencido quem deixa de lutar": Protesto e Estado democrático em Portugal, por José Manuel de Oliveira Mendes
Resumo: Procuro neste artigo apreender como se constrói a cidadania a partir do estudo de um espaço local fortemente marcado por uma lógica de mobilização colectiva. O estudo de caso é usado para perceber as dinâmicas de intersecção da comunidade em análise com as lógicas de controlo e de poder do Estado central. Argumento também que os conceitos de populismo, caciquismo, cesarismo, etc. reconfigurados pelas elites políticas e mediáticas às exigências do jogo democrático, remetem para comportamentos irracionais e desqualificam a capacidade de subjectivação política das pessoas e das populações, elidindo os processos sociopolíticos que poderão explicar determinadas acções ou representações no campo da política.


Aprender a democracia: Jovens e protesto no ensino secundário em Portugal, por Ana Maria Seixas
Resumo: A partir, fundamentalmente de relatos na imprensa e de entrevistas a alunos do ensino secundário, pretende-se, neste artigo, analisar as três principais mobilizações de protesto dos alunos do ensino secundário em Portugal desde os anos 90: a contestação à Prova Geral de Acesso ao Ensino Superior em 1992 e às Provas Globais em 1994, bem como o movimento contra a Política Educativa e Revisão Curricular no final da década de 90 e início da primeira década de 2000. Procura-se compreender porque protestam os alunos do ensino secundário, quais os motivos e lógicas de justificação invocados, como se organizam e como vêem a sua participação, numa época em que a educação para a cidadania, visando a formação de cidadãos conscientes e participativos, é por demais salientada.



Por seu turno o nº 73, correspondente ao passado mês de Dezembro, tem o seguinte sumário:

Da construção identitária a uma trama de diferenças — Um olhar sobre as literaturas de língua portuguesa (p. 3-28)Laura Cavalcante Padilha

Política de imigração: A regulação dos fluxos (p. 29-44)Maria Ioannis Baganha

A sociologia de Marcel Mauss: Dádiva, simbolismo e associação (p. 45-66)Paulo Henrique Martins

Fazer o bem compensa?Uma reflexão sobre a responsabilidade social empresarial (p. 67-89)Maria Alice Nunes Costa

Novos espaços produtivos e novas-velhas formas de organização do trabalho:As experiências com cooperativas de trabalho no Nordeste brasileiro (p. 91-110)Jacob Carlos Lima

Afinal, o que é mesmo a Nova Sociologia Económica? (p. 111-129)João Carlos Graça

Médico que se recusou a ir para o Iraque é condenado a 8 meses de detenção!


O médico inglês Malcolm Kendall-Smith, da Força Aérea Britânica (RAF), foi condenado nesta quinta-feira por um tribunal militar a oito meses de prisão por se ter recusado a servir o exército inglês no Iraque.
O tenente Kendall-Smith, que também foi exonerado da RAF, alegou inocência, dizendo que a guerra é ilegal e comparando as acções das forças norte-americanas às da Alemanha nazista.
Chris Nineham, líder da organização contra a guerra Stop the War, chamou a decisão de “caricatura de justiça”, dizendo que Kendall-Smith tomou uma posição “muito corajosa” e “pagou um preço pessoal muito alto pelas mentiras de Tony Blair e do seu governo”.
Kendall-Smith foi considerado culpado pelas cinco acusações de desobediência de ordens da Força Aérea. Recorde-se que ele recebeu ordens para voltar ao seu posto em Basra, no sul do Iraque, onde já esteve por duas vezes, mas negou-se a cumprir tais ordens.
Um porta-voz da RAF disse que a Força Aérea está “a operar no Iraque com a anuência das Nações Unidas e por convite do governo iraquiano”.
Kendall-Smith, que também tem nacionalidade neo-zelandesa, diz ter concluído que a invasão do Iraque é ilegal depois de estudar o caso.
Além da prisão, Kendall-Smith foi condenado a pagar 20 mil libras relativas às custas do processo.
Os advogados do médico disseram que pretendem apelar.

Fonte:BBC

13.4.06

Centenário de Samuel Beckett


Samuel Beckett faria hoje cem anos se ainda vivesse. Nasceu em Foxrock, perto de Dublin, na Irlanda (n. 1906 - m. 22 de Dezembro de 1989) mas passou grande parte da sua vida no estrangeiro, especialmente em Paris. É conhecido pela sua faceta de dramaturgo, mas a verdade é que também escreveu vários romances e múltiplos textos ( ensaios,novelas, peças de teatro).
Normalmente associa-se o seu nome ao chamado teatro do absurdo que, de alguma maneira, espelharia a dimensão paroxística e indefinida em que se tornou a modernidade. A sua peça mais conhecida é «À espera de Godot», mas várias outras não desmerecem o prestígio e o significado daquela.
Depois de ir viver para Paris torna-se amigo próximo e profundo admirador do seu conterrâneo, James Joyce. Durante a Grande Guerra envolve-se na resistência francês anti-nazi.
Como escritor irlandês tem obras escritas quer em inglês, mas parte da sua obra foi escrita em francês, num estilo depurado e minimalista em que o silêncio e a palavra ironicamente pensada marcam presença.
A sua obra literária é, no entanto, mundialmente conhecida e está traduzida em múltiplas línguas, inclusive o português( a Assírio Alvim lançou recentemente um livro seu). Chegou a ganhar o Prémio Nobel em 1969.
Dada a sua dimensão, o centenário do escritor vai ser recordado com um conjunto muito variado de iniciativas, um pouco por todo o mundo, em especial na sua Irlanda natal, onde se montou um Festival comemorativo:
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Em Portugal vão-se também realizar sessões para recordar principalmente o dramaturgo, e prevê-se que uma editora portuguesa possa editar até ao final do ano toda a obra tetaral de Beckett.
Em França, seu país de acolhimento, também não se esquecerá o escritor, tanto mais que algumas das suas melhores, e mais conhecidas, obras foram escritas em francês, e por todas elas perpassa um forte existencialismo que, como se sabe, teve na filosofia e na cultura francesa grandes figuras exponenciais.
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Obras em francês:

1951 : Molloy (romance)
1951 : Malone meurt (romance)
1952 : En attendant Godot (peça em dois actos)
1953 : L'Innommable (romance)
1955 : Novelas e textos para nada
1957 : Fin de partie (peça em um acto)
1961 : Comment c'est (romance)
1967 : Têtes-mortes (escritos breves)
1970 : Premier Amour (novela escrita em 1946)
1970 : Mercier et Camier (romance escrito em 1946)
1978 : Pas, suivi de Quatre esquisses (peça)
1979 : Poèmes
1982 : Catastrophe (peça)
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Obras em inglês:
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1930 : Whoroscope (poema)
1934 : More Pricks than Kicks (novelas)
1935 : Echo's Bones and Other Precipitates (poemas)
1938 : Murphy (romance)
1953 : Watt (romance)
1957 : All That Fall ( Aos que caem)
1957 : From an Abandoned Work
1958 : Krapp's Last Tape (peça)
1959 : Embers
1961 : Happy Days (peça)
1962 : Words and Music
1963 : Play (peça de comédia)
1967 : Eh Joe (peça para tv)
1969 : Breath (peça)
1973 : Not I (peça escrita em 1972)
1976 : That Time (peça escrita entre 1974 e A1975)
1976 : Footfalls (peça)
1976 : Ghost Trio (peça para tv)
1977 : ...But the Clouds... (peça para tv)
1982 : A Piece of Monologue (peça escrita em 1979 para David Warrilow)
1981 : Ohio Impromptu
1981 : Rockaby (peça)
1984 : Quad (peça)
1984 : Nacht und Traüme (peça, acompanhada com os Lied de Schubert Nacht und Traüme)
1984 : What Where (peça)
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Consultar, entre muitas outras fontes de informação,

12.4.06

Para acabar de vez com os castigos corporais às crianças!



Ver:
http://www.endcorporalpunishment.org/

Existe uma associação internacional que tem como seu objectivo principal, o fim de todos os castigos corporais sobre as crianças e jovens. Trata-se da Iniciativa Global para Acabar com o Castigo Corporal de que é coordenador o jornalista Peter Newell.
O lançamento desta iniciativa deve-se ao facto das crianças ainda serem vistas como propriedade dos adultos que se arrogam no privilégio de lhes infligir sanções de carácter físico, e à falta de protecção legal que ainda gozam, em pleno século XXI, as crianças menores face aos seus familiares e educadores.
A ideia dos seus promotores é sensibilizar as sociedades para estes problemas e mudar as mentalidades dominantes sobre a matéria de forma a melhorar e pôr a salvo as crianças das arbitrariedades e violência físicas dos adultos.

«As Rolas de Bakunine», um livro de Antón Riveiro Coello



Já está nos escaparates das livrarias a tradução portuguesa do livro do escritor galego, Antón Riveiro Coello , com o título «As Rolas de Bakunine», numa edição da Deriva editores.
O livro refere-se à vida de alguns resistentes libertários galegos ao longo do século XX e traça-nos o percurso de vários anarquistas contra a opressão política e a repressão policial na Galiza durante a guerra civil espanhola , num registo histórico que nos consegue transportar para a época e desvendar todo o dramatismo existencial vivido. Inspira-se em factos históricos do Norte da Galiza e dá-nos a ver o ambiente difícil por que passaram os militantes libertários na sua luta por um mundo de justiça e liberdade. O principal personagem, Camilo Sábio Doldán, revela-se-nos ainda uma figura ímpar de verticalidade como pessoa e como libertário.
O domínio da linguagem, e os recursos estilísticos que o autor faz uso, só vêm a enriquecer ainda mais a narrativa, que acaba por constituir um verdadeiro documento da luta pela dignidade humana. A forma como os vários capítulos se entrelaçam e o modo seguro como o enredo se desenvolve ao longo das páginas do livro só confirma a mestria do escritor galego.
De resto, a obra mereceu bom acolhimento nos meios literários galegos, tendo sido premiada com o Prémio Garcia Barros. Antón Riveiro Coello foi, entretanto, premiado por outras novelas também por si escritas ( «Homónima» com oPrémio Álvaro Cunqueiro). A tradução para português e a sua edição por cá não poderia, pois, ser mais bem-vinda, e esperamos que também entre nós tenha a recepção merecida.
Parabéns à Deriva editores, responsável pela publicação, pela escolha e pela aposta feita. Recorde-se, já agora, que a Deriva, uma editora relativamente nova no panorama editorial português, tem-se dedicado à publicação de literaturas minoritárias, como bem mostra o seu catálogo.
Ver:
www.derivaeditores.pt



Para saber mais sobre as obras editadas, nomeadamente informações sobre os autores e recensões de imprensa, aconselha-se a consulta de:
www.derivadaspalavras.blogspot.com


Finalmente, e como aperitivo para a leitura integral da obra, deixamos aqui um breve excerto do livro, que vivamente aconselhamos, «As Rolas de Bakunine», de Antón Riveiro Coello

«Foi criado em Buenos Aires e foi à escola na Rua Callena, onde também aprendeu a tocar a guitarra com um italiano chamado Giovanni Rocini, naturalista e ácrata, que foi o primeiro que lhe falou em Bakunine e nas suas ideias libertárias, conhecido como linyera na Pampa – assim chamavam aos anarquistas individualistas que percorriam os caminhos com uma trouxa às costas, em que levavam uma muda e prosas panfletárias e sociais, para espalharem entre a gente do campo -, com as mesmas barbas de Kropotkine, alto e um tanto pasmacento no andar, um homem possuidor de uma erudição avassaladora que seria mais tarde, depois de velho, o defensor, perante o director do diário anarquista «O Protesto Humano», de que Estevo devia trabalhar ali como tipógrafo e acabaria por escrever artigos sobre questões agrárias, sob o pseudónimo de Anselmo Sendón.
Estevo Doldán leu com ansiedade Proudhon e tornou-se anarquista. Interessou-se pelo Naturismo e viveu com uma rapariga filipina chamada Cristal, que limpava as salas do diário. Foi um enamoramento súbito que os levou a arrendar uma casinha na Rua Fitz Roy, onde nasceria uma filha que teria o nome de Nora, devido a uma obra de Ibsen.»
(In «As Rolas de Bakunine», de Antón Riveiro Coello)

As Forças Armadas portuguesas só atraem desempregados…


Um estudo elaborado por uma equipa da Universidade Nova de Lisboa, intitulado «Os Jovens e as Forças Armadas», acabado de ser divulgado junto da Imprensa, mostra que as Forças Armadas portuguesas só atraem jovens desempregados, com baixo aproveitamento escolar, que consideram a carreira militar como um expediente de último recurso para a sua vida profissional, ao passo que os melhores alunos fogem da tropa como o diabo da cruz
Recorde-se que o Serviço Militar Obrigatório acabou em Setembro de 2004, e que a partir de então as fileiras da tropa só são ocupadas por voluntários que, pelos vistos, são o são por força das circunstâncias de carácter económico, e graças a muito marketing e propaganda à mistura.
Pudera...
Andar aos tiros...

9.000 desertores do exército norte-americano


Já são 9.000 o número de soldados norte-americanos que desertaram das fileiras do exército recusando-se a seguir para o Iraque, e alguns deles procuram o Canadá para obterem o estatuto de refugiado político, invocando as múltiplas violações das leis internacionais que regulam os conflitos bélicos cometidos pelos Estados Unidos no Iraque. Como é lógico, todos eles são pessoas procuradas pelo FBI. O grupo de apoio canadiano aos opositores à guerra, sedeado em Toronto, não dúvida que muitos dos desertores são verdadeiros patriotas que se recusam a serem enganados pela Administração Bush.

O nosso ordenamento territorial vai de mal a pior…


Acabou de ser divulgado o último Relatório do Estado do Ambiente em Portugal (REA) relativo ao ano de 2004 onde é feito uma análise ambiental com base em 29 indicadores distribuídos por 7 categorias:
a) Caracterização geral
b) Alterações climáricas
c) Poluição atmosférica
d) Utilização e poluição da água
e) Ocupação do território e degradação do solo
f) Resíduos
g) Ruído

Desses 29 indicadores, dez tiveram nota negativa, 11 mostram um nível medíocre ( sinal amarelo),e só oitos deles é que registam uma avaliação positiva. A área analisada que recebeu claramente uma avaliação negativa foi o ordenamento do território ( «ocupação e degradação do solo»). Com efeito, e segundo as conclusões do estudo, a população continua a tendência imparável de se concentrar no litoral ( entre Braga e Setúbal), verifica-se que subsistem áreas protegidas sem qualquer plano de ordenamento, que os incêndios continuam a dizimar a floresta, e que a erosão costeira já afecta mais de um quarto do litoral ( 28,5%). Fica-se também a saber que entre 1985 e 2000 a superfície artificializada aumentou em 42%, ao passo que a área de vegetação natural encolheu 9%
Quanto à poluição atmosférica o panorama também é desolador, porquanto as emissões dos gases com efeito de estufa mantiveram-se altos demais, bastante acima dos limites que Portugal se tinha comprometido a cumprir até 2010. O número de dias com excesso de ozono no ar também aumentou em 2004, com claro prejuízo para a saúde os portugueses.
O referido Relatório é da responsabilidade do Ministério do Ambiente, por via do Instituto do Ambiente.

Os Baldios: estará o governo a preparar a sua empresarialização???

Trinta anos depois de aprovada a Lei dos Baldios ( DL nº39/76 de 19 de Janeiro) que devolveu aos moradores os terrenos comunitários que secularmente tinham tido uso, fruição e administração comum, mas que tinham sido submetidos à força ditatorial do regime anterior ao regime florestal, especialmente nos anos 30 e 40, numa epopeia de resistência que ficou imortalizada nos livros de Aquilino Ribeiro, em especial em «Quando os Lobos uivam», o assunto parece que volta à ribalta pública com a elaboração do documento relativo à «Estratégia Nacional para as Florestas».

Representando 400 mil a 430 mil hectares, as 931 unidades de baldios existentes no país encontram-se maioritariamente (80%) em regime de co-gestão entre os compartes (isto é, moradores dos lugares onde existem terrenos baldios, e que decidem em assembleias sobre as formas de organização da gestão, entregues às juntas de freguesia ou a órgãos próprios, assim como sobre a aplicação dos rendimentos da floresta em melhoramentos ou em medidas de prevenção contra fogos) e o Estado (Serviços florestais), mas 20% são administrados exclusivamente pelos povos.

Do total dos baldios existentes, que são o suporte de ancestrais sistemas económicos silvo-agro-pastoris, 25% das unidades são administradas pelas justas de freguesia e os outros 75% por órgãos próprios, invertendo-se actualmente a tendência dos anos 70 e 80 quando a sua gestão estava entregue maioritariamente às juntas.

Ora parece que o actual governo se prepara para mudar as coisas o que leva a Federação Nacional de Baldios ( Baladi) a mostrar a sua preocupação e a levantar reservas quanto à ideia governamental de uma gestão única. O dirigente da Baladi, Armando Carvalho, confessa abertamente a sua preferência pelo modelo de autogestão.

Fonte: Jornal de Notícias, 11 de Abril de 2006

11.4.06

A música rebelde de M.I.A. ( Maya Arulpragasam)



M.I.A. ( Maya Arulpragasam) é uma jovem cantora, cuja música tem tido ultimamente um bom acolhimento graças à canção Galang, incluída no seu disco inicial Arular.
M.I.A., jovem exilada em Londres e filha de um guerrilheiro tamil do Sri Lanka, consegue na sua música fundir estilos tão variados como o hip-hop o electro, o r&b, o reggaeton, o punk numa efervescente e revolucionária mistura a que já se chamou o raggaclash.
Com o apoio de uma percussão hipnótica e de imaginativos sons electrónicos, M.I.A canta a dura vida dos jovens dos ghettos da capital inglesa, animando-os a acordarem e a lutar. « Gosto de falar das pessoas. Sou algo como uma refugiada terrorista do terceiro mundo.», diz a própria. Nas letras das suas canções refere-se ainda a títulos clássicos do rock como o London Calling dos The Clash, e o Purple Haze de Jimi Hendrix.
«Dizem que o rio vai fluir/que o trabalho te vai salvar/reza e poderás prosseguir/fumar charros ajuda» pode ler-se no tema com o título Galang, que se tornou mais conhecido, e cujo termo provêm da cultura dancehall jamaicana e que significa «go along» ( vamos a isso).
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"Nobody wants to be dancing to political songs ... Every bit of music out there that's making it into the mainstream is really about nothing. I wanted to see if I could write songs about something important and make it sound like nothing. And it kind of worked. It sounds like a pop song, but if you really listen to the lyrics, it's about what I see on the telly and news and what's going on" , ( Maya Arulpragasam)
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Um crítico escreveu:

Fresh off of a jet from London, M.I.A. fired mortar rounds of politically charged bass just above the heads of those braving the gauntlet of the Elysium door patrol. "I got the bombs to make you blow, I got the beats to make you bang" became much more than an empty claim as Diplo backed his Sri Lankan darling with instrumental snippets from Sean Paul, Petey Pablo, and Dead Prez interspersed between riddims from her debut album Arular.
While M.I.A. only marginally proved herself as an adept MC capable of captivating a crowd with a wicked flow, the idea that she encompasses the realization of Afrika Bambaataa's vision of a unified global hip-hop mutes such petty criticism.
Catchy hooks and a revolutionary spirit trump verbal mechanics within such vicious arrays of unyielding boggle, and of course looking so damned good doing it doesn't hurt her cause one bit.
Rifling through a nine-song repertoire that included "Pull Up the People," "Fire Fire," "Sunshowers," "$10," "Amazon," and her break-out 2004 hit "Galang," M.I.A. allowed her adoring public to persuade her into a rare SXSW encore. Bridging the gap between stereotypically sexist strains of Southern crunk/Jamaican dancehall, and the carefully devised strategies of Public Enemy-inspired rap, the formula for intelligent fun on a dance floor is mighty comfortable resting in the pocket of M.I.A.'s swerving butterfly. While too many folks were left standing in line outside, the perfectly positioned rebel in permanent exile did everything within her power to justify her combustible media hype.
Retirado daqui

Thomas Bakk - dramaturgo, encenador e actor, contador de histórias e divulgador do cordel


Thomas Bakk é dramaturgo, encenador, actor, contador exímio de histórias e divulgador incansável do cordel. Brasileiro de origem, Thomas Bakk veio a radicar-se na cidade do Porto onde tem desenvolvido uma actividade notável em variadíssimas áreas, desde o teatro ao conto oral, realizando cursos de formação, preparando e organizando acções de teatro de rua ou para crianças, animando programas de rádio e apresentando-se como declamador de histórias de cordel. Tudo isso graças a uma imaginação prodigiosa e a uma versatilidade criativa fora do comum.
Thomas Bakk desenvolve actualmente a sua actividade de actor nos «Maus Hábitos», conhecido bar da Rua Passos Manuel, na cidade do Porto, onde tem apresentado algumas das suas criações. Anima também um programa de rádio que é transmitido todas as 3ªs feiras às 22 horas na Rádio Universitária do Minho. E não se cansa de levar o teatro e o cordel aos quatro cantos de Portugal.

Uma das suas próximas actividades é a realização de uma oficina de conto oral, promovida pelo departamento de estudos franceses da Universidade do Minho a ser realizada no fim do presente mês de Abril, além de uma sessão de conto a ter lugar na Biblioteca Municipal de Ponte de Lima a 4 de Maio próximo. Ver:
www2.ilch.uminho.pt/sdef/contos%20de%20arrepiar.htm

Tem actualmente uma peça sua a ser representada no Brasil. Ver:
www.consciencia.net/2006/0214-rj-feijoada.html

Inauguração e festa da livraria «Maria vai com as outras» (13 e 14 de Abril)

Afinal a inauguração da livraria (e de outras utilidades) «Maria vai com as outras», na Rua do Almada 443, Porto, está marcada para a próxima 5ª feira, sendo que se irá realizar ainda uma festa de inauguração no dia seguinte ( 14 de Abril), à noite, no cinema Passos Manuel.

8.4.06

A literatura de cordel




A literatura de cordel foi o veículo natural da cultura popular durante muitos anos e, ainda hoje, desempenha esse papel em muitas regiões, em especial, no Brasil.
O vocábulo cordel derivou-se de corda, na acepção de cordão ou barbante. Caldas Aulete define o cordel como um estilo literário equivalente à farsa medieval, cheia de graças e equívocos, ou seja, "farsas de cordel, as que se expunham à venda nas ruas ou debaixo das arcadas, penduradas em cordéis". Todavia, o conteúdo poético evoluiu para temas culturais sérios, de sagas históricas e ideais religiosos. São habitualmente impressos em brochuras de forma muito artesanal e circulavam por feiras e reuniões populares.
Hoje em dia assiste-se a um rejuvenescimento da literatura de Cordel: histórias sobre casos e personagens presentes no quotidiano. Mas onde a literatura de cordel ganhou mais raízes e subsiste com uma enorme força é no Nordeste brasileiro.
Os livrinhos, feitos de uma folha de papel, dobrada de modo a formar oito páginas, são expostos pendurados num fio de barbante e vendidos em feiras ou nas ruas.





O que é a Literatura de Cordel?

Texto de: Francisco Ferreira Filho Diniz
É poesia popular,
É história contada em versos
Em estrofes a rimar,
Escrita em papel comum
Feita pra ler ou cantar.
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A capa é em xilogravura,
Trabalho de artesão,
Que esculpe em madeira
Um desenho com ponção
Preparando a matriz
Pra fazer reprodução.
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Ou pode ser um desenho,
Uma foto, uma pintura,
Onde o título resume
O que diz a escritura;
É uma bela tradição
Que exprime nossa cultura.
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Os folhetos de cordel
Nas feiras eram vendidos
Pendurados num cordão
Falando do acontecido,
De amor, luta e mistério,
De fé e do desassistido.
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A minha literatura
De cordel é reflexão
Sobre a questão social
E orienta o cidadão
A valorizar a cultura
E também a educação.
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Mas trata de outros temas:
Da luta do bem contra o mal,
Da crença do nosso povo,
Do hilário, coisa e tal
E você acha nas bancas
Por apenas um real.
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O cordel é uma expressão
Da autêntica poesia
Do povo da minha terra,
Que luta pra que um
a fome e miséria,
Haja paz e harmonia.
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Francisco Ferreira Filho Diniz



O Nordeste Brasileiro e a literatura de cordel

Extraído de.
http://www.teatrodecordel.com.br/


A Literatura de cordel nordestina também chamada de folheto ou romance é uma manifestação que nasce no nordeste (interior) e espalha-se por todo o país. De
conteúdo muito diverso, essa literatura oral comemorou cem anos de literatura de cordel no Brasil. As capas dos folhetos, geralmente são feitas em xilogravura.
A Literatura de Cordel do nordeste tem a sua origem entre as fábulas e histórias maravilhosas, chamadas “de Trancoso”, e também era muito utilizada como ferramenta de comunicação e transmissão de conhecimento entre as comunidades. Era comum esperar o repentista(aquele que faz versos de improvisos ao som da viola) ou o vendedor de folhetos (poderia ser a mesma pessoa) para contar as novidades, acontecimentos, etc. Esse conhecimento era passado oralmente e em versos, alimentando assim a alma e o conhecimento das comunidades sertanejas.
Hoje, com a utilização do rádio, da televisão, jornal e internet o cordel tinha tudo para estar enterrado, ser peça de museu ou apenas citação de folclore nos livros escolares. Puro engano! O cordel está vivo, actual, contemporâneo e sofrendo as mudanças dessa “nova era”.
Os artistas populares e recriadores, dentro e fora do nordeste, fazem seus versos e os saem dizendo/cantando pelo mundo afora. E assim vai continuar por muito e muito tempo e cada vez mais...

Poesia repentista
É feita pelo cantador repentista que utiliza-se da
viola nordestina, faz a chamada cantoria "pé- de- parede". O repentismo de viola agrega inúmeras modalidades. É a forma de improviso que mais se difundiu pelo país, pelo fato do povo nordestino sofrer por demais o processo migratório. A partir da década de setenta, a poesia repentista está sendo difundida em festivais.

Desobediência: Virtude Original do Homem ( Oscar Wilde)



Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade. Alguns o são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos, descontentes, desobedientes e rebeldes - e têm razão. Consideram que a caridade é uma forma inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola, geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por parte do doador, de tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir gratidão pelas migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar sentados nela e agora começam a percebê-lo. Quanto ao descontentamento, qualquer homem que não se sentisse descontente com o péssimo ambiente e o baixo nível de vida que lhe são reservados seria realmente muito estúpido.

Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a virtude original do homem. O progresso é uma consequência da desobediência e da rebelião. Muitas vezes elogiamos os pobres por serem económicos. Mas recomendar aos pobres que poupem é algo grotesco e insultante. Seria como aconselhar um homem que está morrendo de fome a comer menos; um trabalhador urbano ou rural que poupasse seria totalmente imoral. Nenhum homem deveria estar sempre pronto a mostrar que consegue viver como um animal mal alimentado. Deveria recusar-se a viver assim, roubar ou fazer greve - o que para muitos é uma forma de roubo.

Quanto à mendicância, é muito mais seguro mendigar do que roubar, mas é melhor roubar do que mendigar. Não! Um pobre que é ingrato, descontente, rebelde e que se recusa a poupar terá, provavelmente, uma verdadeira personalidade e uma grande riqueza interior. De qualquer forma, ele representará uma saudável forma de protesto. Quanto aos pobres virtuosos, devemos ter pena deles mas jamais admirá-los. Eles entraram num acordo particular com o inimigo e venderam os seus direitos por um preço muito baixo. Devem ser também extraordinariamente estúpidos. Posso entender um homem que aceita as leis que protegem a propriedade privada e admita que ela seja acumulada enquanto for capaz de realizar alguma forma de actividade intelectual sob tais condições. Mas não consigo entender como alguém que tem uma vida medonha graças a essas leis possa ainda concordar com a sua continuidade.

Entretanto, a explicação não é difícil, pelo contrário. A miséria e a pobreza são de tal modo degradantes e exercem um efeito tão paralisante sobre a natureza humana que nenhuma classe consegue realmente ter consciência do seu próprio sofrimento. É preciso que outras pessoas venham apontá-lo e mesmo assim muitas vezes não acreditam nelas. O que os patrões dizem sobre os agitadores é totalmente verdadeiro. Os agitadores são um bando de pessoas intrometidas que se infiltram num determinado segmento da comunidade totalmente satisfeito com a situação em que vivem e semeiam o descontentamento nele. É por isso que os agitadores são necessários. Sem eles, em nosso estado imperfeito, a civilização não avançaria. A abolição da escravatura na América não foi uma consequência da acção directa dos escravos nem uma expressão do seu desejo de liberdade. A escravidão foi abolida graças a conduta totalmente ilegal de agitadores vindos de Boston e de outros lugares, que não eram escravos, não tinham escravos nem qualquer relação directa com o problema. Foram eles, sem dúvida, que começaram tudo. É curioso lembrar que dos próprios escravos eles recebiam pouquíssima ajuda material e quase nenhuma solidariedade. E quando a guerra terminou e os escravos descobriram que estavam livres, tão livres que podiam até morrer de fome livremente, muitos lamentaram amargamente a nova situação. Para o pensador, o fato mais trágico da revolução francesa não foi o de que Maria Antonieta tenha sido morta por ser rainha, mas que os camponeses famintos da Vendée tivessem concordado em morrer defendendo a causa do feudalismo.


Extraído da Obra "A Alma do Homem Sob o Socialismo", de 1891

6.4.06

Recordar Mário Viegas




Mário Viegas, actor, encenador e homem do teatro, leitor e um notável declamador de poesia, deixou-nos há 10 anos, mais concretamente no dia 1 de Abril de 1996. Reproduzimos abaixo um texto escrito por Jorge Leitão Ramos no Expresso em 5 de Abril do mesmo ano.

Entretanto anuncia-se a criação da Associação dos Amigos de Mário Viegas que terá a sua sede na cidade natal deste, Santarém, no Largo Ramiro Nobre. A sede da Associação será denominada Casa do teatro. A discografia completa de Mário Viegas está a ser editada.


"Quando eu morrer batam em latas", poderia ter dito, parafraseando um dos poetas que tanto amou, incitando-nos a não confundir a dor com tarefa de carpideira, a perda com necessidade de panegírico. Por mim não resisti, diante do seu féretro exposto nos Jerónimos, a lembrar-me de A Birra do Morto, de Vicente Sanches, com que inaugurou a sua Companhia Teatral do Chiado, em 1990, na Sala-Estúdio do Teatro São Luiz que agora tem o nome de Mário Viegas. Era o mesmo ambiente, as cadeiras, as pessoas em volta, a voz baixa, o cheiro morno a flores - quase que esperei que ele se levantasse, quebrando o frio do espaço e o queixume, quebrando a solidão em cada um de nós ali se encontrava, galhofando no nariz da morte, em passe de mágica, momento de teatro. Mar, por uma vez, pela última vez, a surpresa foi diversa. A voz de Mário Viegas calou-se, ficou um silêncio muito grande e não se vê quem o preencha.
Viveu muito e muito intensamente, com uma urgência sem medida. Foi actor, encenador, empresário, declamador, escreveu crónicas, traduziu peças de teatro, divulgou poetas, gravou discos, fez rádio, cinema e televisão - e sorveu a vida, em todas as direcções, às golfadas. Grandes amigos, grandes ódios, grandes sonhos. Podia ser "cabotiníssimo", como ele próprio disse do livro informe e impetuoso com que se despediu de nós em Novembro, essa Auto-Photo Biografia (não autorizada) em Formato A3, em que, "para bons entendedores", foi dando a saber que estava de partida. Um objecto comovente: terminava com uma enorme fotografia do actor, alucinado, junto a um caixão (da peça O Suicidário) e um verso terrível de Camilo Pessanha lá por cima ("Eu vi a luz em um país perdido./ A minha alma é lânguida e inerme./ Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!/ No chão sumir-se, como faz um verme").
Excessivo, colérico, apaixonado, violento e doce, actor aceso pela graça da transfiguração, pelo riso que nos divertia e desinquietava, Mário Viegas era um personagem contraditório. Nenhum outro desafiou, do cimo de um palco, os poderes e os podres, as prepotências e as hipocrisias. Mas gostava de saber que o poder reconhecia a sua arte. Não adianta dizer, agora que morreu, que era uma figura consensual da cena e do cinema portugueses - porque não era. Dividiu muito, fustigou e foi fustigado, não sabia fazer as coisas em temperatura morna, em registo de assim-assim. Há 20 anos, quando o ouvi dizer, pela primeira vez, o Manifesto Anti-Dantas numa festa do teatro em luta (na FIL), estava David Mourão-Ferreira na SEC, percebi que era um adversário temível para quem quer que se sentasse na cadeira do poder. E o seu espectáculo a solo Europa Não! Portugal Nunca!, em 1994/95, em registo de conferência de imprensa de pré-pré-candidatura à Presidência da República, tinha uma fúria de iluminado, a corrosão de uma coragem sem limites, a louca a tocante fragilidade da auto-exposição, tudo caldeado em textos das mais diversas fontes que nos faziam ir do riso absoluto à dor de alma, porque era de nós todos e de si mesmo que falava.
Não me apetece, incréu de que nunca mais ouça a sua voz ao telefone convocando-me para a estreia de uma nova peça no teatrinho do Chiado, escrever hoje a sua ficha definitiva de dicionário. Não o vou escrever afora. Mas logo no dia da sua morte ouvi dizer nas rádios e televisões que Mário Viegas tinha 47, 48 e 49 anos, que se estreara no Teatro Experimental do Porto, que se candidatara várias vezes a Presidente da República - e esses disparates factuais tê-lo-iam posto ao rubro, e com razão. Um homem, quando morre, tem pelo menos direito a evocação biográfica que esteja certa. Do que de mais peculiar Viegas tinha como actor - e de que foram marcos os espectáculos que fez a solo, Mário Gin-Tónico (1986), Mário Gin-Tónico Volta a Atacar (1991), Tótó (1991) e Europa Não! Portugal Nunca! (1994) - não é possível saber algo, senão por ouvir dizer. Viviam daquilo que o teatro tem de mais específico, a directa circulação de energia entre o palco e o público, construindo-se num jogo de vaivém que os fazia diferentes a cada dia, a cada representação, jogo de risco de que o último daqueles títulos (um ano em cena!) era a expressão mais estremada porque quase inteiramente dependente da própria intervenção dos espectadores questionando o "candidato". Dia em que o público não estivesse para aí virado, era dia em que o espectáculo fenecia. De maneira que esse Viegas, actor de grandes cometimentos na corda bamba, só existirá enquando nos lembrarmos do que o vimos fazer. É esse o destino do teatro, em geral, mas muito especificamente daquele que Viegas praticou com mais singularidade.
Do outro actor, capaz de composições em registos vários, sobrarão os testemunhos do cimena - e, felizmente, Mário Viegas fez muitos filmes e, melhor ainda, filmes onde ficou presente a extrema diversidade de recursos que tinha e até os seus maiores defeitos e qualidades. A filmografia de Viegas é significativa, caso muito raro no panorama português.
Se houvesse que escolher, pôr-se-ia à cabeça um dos primeiros filmes em que participou, esse O Rei das Berlengas, de Artur Semedo (1975/76), onde atravessava em sátira desmedida toda a História de Portugal. Aí encontramos aquilo que se poderia chamar um actor-diamante em estado bruto, sem lapidação, indirigido. O cómico do esgar facial e da truculência, do excesso turbulento e sem margens, autocomplacente, capaz de provocar a gargalhada de primeiro grau e mal se podendo saber se distingue entre o devido e o mau gosto. Mas também se encontra o actor capaz de fazer fundir o estado de riso e o patético - numa linha que muito poucos são capazes de pisar - juntando o humor e o aperto no coração, em particular nas espontosas sequências em que o proclamado rei das Berlengas é entrevistado no hospício e descobre que o que o povo lhe gritara e aos seus antepassados, durante oito séculos, não era "come!, come!, come!), mas "fome!, fome!, fome!".
Veio, depois, José Fonseca e Costa, o cineasta essencial da carreira de Mário Viegas, aquele que lhe permitiu não apenas alguns êxitos históricos - como Kilas, o Mau da Fita (1977/79) e Sem Sombra de Pecado (1982) - mas também o que provocou que o actor controlasse e diversificasse os seus recursos. Fonseca e Costa nunca lhe pediu uma comicidade de primeiro grau, nunca quis despertar nele um registo de farsa, antes o sorriso que podia ser menos ou mais subtil, mas se ancorava as mais das vezes em detalhes. E, melhor do que tudo, entregou-lhe a figuração do português total, a que o actor correspondeu. Foi o pequeno manguelas lisboeta, muita parra pouca uva, no Kilas; foi um rapaz da alta burguesia, imberbe e crédulo, nas malhas tecidas pelo líbido de uma mulher em Sem Sombra de Pecado - talvez o seu grande desempenho cinematográfico. Foi caricatura de intelectual castrado em A Mulher do Próximo. Foi professoral e pomposo - vazio, vazio - em Os Cornos de Cronos.
Viegas era um actor tendencialmente calhado para a comédia (não por acaso, foi o género que estatisticamente mais praticou no teatro - e aquele a que se dedicou, quase em exclusivo, quando dirigiu, nos últimos cinco anos, a Companhia Teatral do Chiado). Mas nunca quis ficar preso a essa faceta. No teatro é possível lembrá-lo a fazer Brecht (Baal, em 1984, no Teatro Aberto, sob a direcção de João Lourenço) ou a notável criação de Na Solidão dos Campos de Algodão, de Bernard-Marie Koltès, encenação de João Lourenço no Teatro Aberto em Abril de 1990. Mas o cinema vai guardar essa vertente do actor, no ainda por estrear Rosa Negra, de Margarida Gil, na figura de um vagabundo sem-abrigo verdadeiramente singular. Havia ainda o actor-boneco, o actor-roberto, o que se despojava de psicologia para ser apenas ícone marionético, máscara, personagem de "cartoon": a série de 48 Filmezinhos de Sam que gravou para a RTP, em 1988, são disso testemunho.
E vão ficar os discos de poesia, infelizmente há muito esgotados e não reeditados, no que é uma injustiça profunda para com o grande divulgador de poetas que Viegas também o foi. Aí ficará guardada memória da multiplicidade de coisas que ele era capaz de fazer apenas com a voz. E não teriam sido precisos todos os discos para o saber: logo no segundo - Palavras Ditas, de 1972 - Viegas como que estabelece um catálogo de modulações, do lírico ao humor, da gravidade trágica à caricatura. É nesse disco que, quase em estilo de demonstração de que a voz é tudo, ele lê o boletim meteorológico como se estivesse a invocar um presságio funesto. O resultado é espantoso. De poesia perdurará, ainda, nos arquivos da RTP, pelo menos a série Palavras Vivas, que Nuno Teixeira dirigiu em 1984.
O resto, o teatro, esfuma-se devagar enquanto a nossa memória se apaga com o correr dos dias. A última vez que o vi representar no palco foi em Outubro, quando estreou aquela que viria a ser a sua última peça, quer como actor quer como encenador (Uma Comédia às Escuras, de Peter Shaffer). Depois disso vi-o representar na vida o papel de um homem ainda pronto para todos os combates, enquanto se ia despedindo, codificadamente, de cada um de nós.
Agora foi-se embora de vez, era 1 de Abril. Parece impossível.
Escrevi um dia acerca de Mário Viegas que era um declamador genial e um actor de grande talento. Não percebia eu então que dizer poesia era nele ainda um mode de ser Actor. Aqui o deixo dito, com maiúscula, como ele gostava. E acho que devemos, pelo menos, beber um copo em sua honra."

10 mandamentos para 1 espectador de teatro ( por Mário Viegas)

Extraído de:
http://pancadademoliere.blogspot.com/


1º NÃO CHEGARÁS ATRASADO, incomodando a concentração daqueles que estão a Representar e dos outros (que chegaram religiosamente a horas) que estão a assistir ao Santo Sacrifício do Teatro.
2º NÃO FALARÁS BAIXINHO com o ou a acompanhante; incomodando com a tua inclinação de cabeça o Espectador de trás, e distraindo os Actores celebrantes do Santo Sacrifício do teatro.
3º NÃO ADORMECERÁS NEM RESSONARÁS, dando marradas para a frente ou para trás, ou pondo a mão nos olhos para os outros pensarem que estás muito concentrado no Santo Sacrifício do teatro.
4º NÃO TOSSIRÁS NEM TE ASSOARÁS com grande ruído, escolhendo as melhores pausas dos celebrantes do Santo Sacrifício do Teatro.
5º NÃO TE ABANARÁS constantemente com o programa, distraindo os que estão, religiosamente, ao teu lado e, irritando os que estão no palco a celebrar o Santo Sacrifício do Teatro.
6º NÃO COMERÁS rebuçados, pipocas, caramelos, chocolates, pastilhas, comprimidos; tirando-os muito devagarinho, fazendo com o papel e as pratinhas o mais diabólico, satânico e herético ruído numa sala de espectáculos em que se celebra o Santo Sacrifício do Teatro.
7º NÃO LEVARÁS relógios com pipis electrónicos, telemóveis e sacos de plásticos que andarás constantemente a pôr, ora entre as pernas, ora no colo, perturbando os que celebram o Santo Sacrifício do Teatro.
8º NÃO LERÁS OU FOLHEARÁS o programa durante a celebração do Santo
Sacrifício do Teatro para tentar saber qual é o nome de determinado Actor, ou para tentar perceber a sequência do Santo Sacrifício do Teatro.
9º NÃO PEDIRÁS borlas ou insistirás em descontos, a que não tens direito, para assistir à celebração do Santo Sacrifício do Teatro.
10º NÃO OLHARÁS «com umas grandes vendas» para o vizinho do lado, que achou religiosamente Graça ao que tu não achaste, ou que, piamente e cheio de Fé, se levantou logo para aplaudir, enquanto tu bates palmas por frete e já a pensar ir a correr tirar a porcaria do teu carrinho, ou a porcaria do teu sobretudo do bengaleiro, mais cedo do que os outros.

ASSIM: SUBIRÁS PURO AOS CÉUS!
OU ASSIM: PODERÁS IR A 13 DE MAIO À COVA DA IRIA
OU ASSIM: PODERÁS IR E COMUNGAR NO CASAMENTO REAL

de Sua Majestade Sereníssima Dom Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael De Bragança, chefe da Sereníssima Casa de Bragança, Duque de Bragança, de Guimarães e de Barcelos, Marquês de Vila Viçosa, Conde de Arraiolos, de Ourém, de Barcelos, de Faria, de Neiva e de Guimarães; e de sua Augusta Noiva Isabel Inês De Castro Corvello de Herédia.

IDE E ESPALHAI A BOA NOVA!!

Portugal

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir
como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os
infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe
atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante
D. Henrique foi uma invenção do Walt
Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do
Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino
nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos
espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se
contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um
resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encon-
trar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e
idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce, que os
pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer
à minha vontade
Portugal
estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete, Salazar
estava no poder, nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que
emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas
a nado na piscina municipal de Braga
ia propôr-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que
Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

(de Jorge de Sousa Braga)