26.6.10

Antero de Quental e o ideal da Revolução Social

«Não é lisonjeando o mau gosto e as péssimas idéias das maiorias, indo atrás delas, tomando por guia a ignorância e a vulgaridade, que se hão de produzir as idéias, as ciências, as crenças, os sentimentos de que a humanidade contemporânea precisa»

Antero de Quental


IDEAL

Aquela, que eu adoro, não é feita
De lírios e nem de rosas purpurinas,
Não tem as formas lânguidas, divinas,
Da antiga Vênus de cintura estrita...

Não é a Circe, cuja mão suspeita
Compõe filtros mortais entre ruínas,
Nem a Amazona, que se agarra às crinas
Dum corcel e combate satisfeita...

A mim mesmo pergunto, e não atino
Com o nome que dê a essa visão,
Que ora amostra ora esconde o meu destino...

É como uma miragem, que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do desejo...


O PALÁCIO DA AVENTURA

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura.
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!



Nocturno

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...

Como um canto longínquo - triste e lento -
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!




Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada, 18 de abril de 1842 — 11 de setembro de 1891) foi um escritor e poeta de Portugal que teve um papel importante no movimento da Geração de 70.

Nascido na Ilha de São Miguel, Açores, durante a sua vida, Antero de Quental dedicou-se à poesia, à filosofia e à política. Iniciou seus estudos na cidade natal, mudando para Coimbra aos 16 anos, ali estudando Direito e manifestando as primeiras ideias socialistas. Fundou em Coimbra a Sociedade do Raio, que pretendia renovar o país pela literatura, e
que se distinguiu pela sua oposição às obsoletas praxes académicas, bem assim pela sua posição anti-cristã, de ultraje em relação a Deus, manifestada nas noites em que ocorrem trovoadas e pela posição sarcástica, resoluta e irreverente de Antero que, numa saudação pública ao príncipe Humberto de Itália, manifesta uma posição claramente anti-monárquica.

Em 1861, publicou seus primeiros sonetos. Quatro anos depois, publicou as Odes Modernas, influenciadas pelo socialismo experimental de Proudhon, enaltecendo a revolução. Nesse mesmo ano iniciou a Questão Coimbrã, em que Antero e outros poetas foram atacados por Antônio Feliciano de Castilho, por instigarem a revolução intelectual. Como resposta, Antero publicou os opúsculos Bom Senso e Bom Gosto, carta ao Exmo. Sr. Antônio Feliciano de Castilho, e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais.

Ainda em 1866 foi viver em Lisboa, onde experimentou a vida de operário, trabalhando como tipógrafo, profissão que exerceu também em Paris, entre janeiro e fevereiro de 1867.

Em 1868 regressou a Lisboa, onde formou o Cenáculo, de que fizeram parte, entre outros, Eça de Queirós, Abílio de Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão.

Foi um dos fundadores do Partido Socialista Português. Em 1869, fundou o jornal A República, com Oliveira Martins, e em 1872, juntamente com José Fontana, passou a editar a revista O Pensamento Social.

À república una e indivisível do Contrato Social (de Rousseau) opõe Antero a «república democrática federatica» ( de Proudhon). Os traços da sua consciência anarquista estão patentes no texto em que escreve:

«o mal não está tanto em ser este ou aquele quem nos governe, como no facto de sermos governados»

Ou ainda, quando declara,

«Que importa que o poder saia do seio da nação, se é sempre poder? E a tirania, porque somos nós que a criamos, deixa de pesar menos por isso, de ferir, de rebaixar a nossa dignidade de homens livres? Não é pois na substituição da ditadura de Sila à de Mário, da de Napoleão à de Robespierre, da de Espartero à de Isabel II, que está o segredo das revoluções, mas na extinção total da ditadura, fosse ela a de um santo, da tirania, fosse ela a de um deus. Ora tirania e ditadura é a unidade política, a centralização dos poderes(…)»

Leitor de Proudhon e de outros autores avançados para a época, ele constata em 1865 que o «ateísmo social-anarquia individual - é a fórmula precisa e clara das escolas mais avançadas da França e da Alemanha»

No texto «Democracia», publicado anonimamente no «Almanak para a Democracia Portuguesa» (1870), a democracia é definida como «a igualdade social e económica, tendo por instrumento a liberdade política», o que pressupões «a partilha social, entre todos os membros da sociedade, dos bens materiais, como garantia duma igual distribuição dos bens morais entre todos». A via para a Democracia é revolucionária. E Antero conclui exprimindo um desejo: «Que esta revolução se possa fazer pacificamente é o voto mais íntimo dos nossos corações».


Proclamando num outro texto o seguinte:

«Cuido pois que podemos contar ainda com 5 ou 6 anos de paz-podre, e o que nos cumpre a nós, homens da Ideia, é aproveitarmos este período, para lançarmos as bases do verdadeiro partido republicano-socialista, zurzindo entretanto sem piedade as seitas e tolas e visionárias os declamadores chatos e a corrupção geral. A crítica eis, por ora, qual deve ser a nossa ocupação. Fazer praça, limpar o terreno para a nova seara: a colher, por ora, só vejo joio e ervilhaca.»

Jaime Batalha Reis definiu Antero «como um proudhoniano puro».

Desde 1871, Antero, com José Fontana, Oliveira Martins e Batalha Reis, envolve-se na criação da secção portuguesa da Internacional. Mas confessaria, mais tarde, em carta datada de 1873, que ajudara anteriormente a fundar em Lisboa uma «pequena igreja de trabalhadores ad majorem Revolutionis gloriam»

No nº 1 da revista O Pensamento Social ele diz que a democracia « politicamente é individualista, e põe os direitos individuais como a pedra angular do edifício político. Por isso é federalista e considera o Estado como a associação livremente debatida e livremente formulada das individualidades, em que só reside o direito. Nega a autoridade, como uma força estranha e superior aos indivíduos, e substitui à Lei, que se decreta, o Contrato que s e pactua.»


Em 1880 no jornal O Operário, do Porto, evoca a personalidade de António Pedro Lopes de Mendonça, o precursor socialista, o homem da geração de J.F Henriques Nogueira, Francisco Maria Sousa Brandão e Vieira da Silva, os românticos associativistas do Eco dos Operários, e do Centro Promotor doMelhoramento das Classes Laboriosas.

Na declaração em que aceita ser proposto como candidato do Partido Socialista, ele afirma:

«Burgueses radicais, se a vossa república do capital, assim como a monarquia dos conservadores não é mais do que a monarquia do capital, que temos, nós, Proletariado, que ver com essa estéril questão de forma? É uma questão de família entre os membros da Burguesia, nada mais»

Do seu último escrito socialista, publicado no jornal operário do Porto – O Trabalhador, revista do movimento operário, em Janeiro de 1889 – reafirmava a sua divisa de sempre «a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores», que era o lema da Internacional. Nesse texto, ele defendia que o problema económico e o problema moral condicionam-se mutuamente, e as forças do espírito são as forças sociais por excelência., daí que cite o seu Proudhon quando este escreve: «o mundo só pela moral será libertado e salvo»

Antero foi o autor do opúsculo O que é A Internacional, que saiu nos finais de 1871 onde se destaca a frase de claro recorte anarquista:

«Mas nós, trabalhadores, que assistimos, espectadores enojados, à comédia tristíssima dos governos da burguesia, que sabemos a soma de baixeza, de intriga, de vilania e de corrupção que representam um parlamento, um ministério e um jornal subsidiado, deixemos que passe por nós, na sua dança macabra, toda essa corte dos milagres , que nem ao menos como a outra, tem a franqueza do cinismo, e não nos indignemos com as vaias dos histriões oficiais ou oficiosos, que, em verdade, não o merecem.

A nossa preocupação é outra, e superior à cólera, à indignação, ao desprezo até, deve ser a nossa atitude. Obreiros materiais do presente, obreiros espirituais do futuro, absorvamo-nos no nosso duplo trabalho, convencidos de que, enquanto o nosso pensamento emancipador se não tiver realizado, enquanto a reforma social não for um facto, toda a acção política não representará para nós mais do que dissipação de tempo, dispersão de forças e - o que é pior - auxílio dado aos nossos inimigos, vida emprestada por nós ao organismo fatal que nos suga a nossa substância!

O programa político das classes trabalhadoras, segundo o Socialismo, cifra-se em uma só palavra: abstenção . Deixemos que esse mundo velho se desorganize, apodreça, se esfacele, por si, pelo efeito do vírus interior que o mina. No dia da decomposição final, nós cá estaremos então, com a nossa energia e virtude conservadas puras e vivas longe dos focos de infecção desta sociedade condenada.

A todos os partidos, a todos os governos, e todos os salvadores faremos uma só pergunta: e a reforma social ? Se nos responderem com negativas ou com evasivas, tê-los-emos por inimigos - pouco importa que se chamem monarquia, constitucionalismo, ou república.

Para o povo não há senão uma República: a República Democrática Social. Essa é a dos trabalhadores, é a da Internacional: que só essa seja também a nossa! »



A poesia de Antero de Quental apresenta três faces distintas:

A das experiências juvenis, em que coexistem diversas tendências;
A da poesia militante, empenhada em agir como “voz da revolução”;
E a da poesia de tom metafísico, voltada para a expressão da angustia de quem busca um sentido para a existência.

A oscilação entre uma poesia de combate, dedicada ao elogio da acção e da capacidade humana, e uma poesia intimista, direcionada para a análise de uma individualidade angustiada, parece ter sido constante na obra madura de Antero, abandonando a posição que costumava enxergar uma sequência cronológica de três fases.


Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Antero_de_Quental