16.10.07

Tributo a Adriano Correia de Oliveira

Canção tão simples (Quem poderá domar os cavalos do vento)
(letra de Manuel Alegre, cantada por Adriano Correia de Oliveira)


Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?

Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?

Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?

Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?

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TROVA DO TEMPO QUE PASSA (letra de Manuel Alegre; música e voz de Adriano Correia de Oliveira))

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
o vento nada me diz.

[Refrão]


Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

[Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

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PENSAMENTO


Meu pensamento
partiu no vento
podem prendê-lo
matá-lo não

Meu pensamento
quebrou amarras
partiu no vento
deixou guitarras
meu pensamento
por onde passa
estátua de vento
em cada praça

[Refrão]

Foi à onquista
de um novo mundo
foi vagabundo
contrbandista
foi marinheiro
maltês ganhão
foi prisioneiro
mas servo não

[Refrão]

E os reis mandaram
fazer muralhas
tecer as malhas
de negras leis
homens morreram
estátuas ao vento
por ti morreram
meu pensamento








Julian Boal dinamiza teatro do oprimido e o teatro-fórum

Reprodução de um texto de Ana Cristina Pereira publicado na edição de 15 de Out. no jornal Público com o título «Boal(filho) ou o teatro como espaço para ensaiar a mudança de atitude»


O Teatro do Oprimido cresce em toda a Europa, incluindo Portugal. Talvez seja "um sinal de que a democracia representativa não está a funcionar direito"

Os alunos, quase todos do sexo feminino, formam um círculo. O seu olhar alonga-se para Julian Boal, filho de Augusto Boal, monstro sagrado do Teatro do Oprimido (TO). Enquanto explica o exercício, dois improvisados assistentes colocam nomes de profissões e de figuras públicas atrás das costas de cada um. Cada um deverá tratar os outros como se fossem o que está escrito no papel.

Três coisas que o leitor deve saber antes de continuar a ler este texto:
a) isto é um workshop de TO, organizado pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto;
b) o teatro, segundo Augusto Boal, "é sempre uma acção política";
c) o TO é um conjunto de exercícios, jogos e técnicas que ambiciona "ensaiar a revolução".

Os alunos tentam adequar o seu comportamento a quem encontram. Há tapar de narizes frente ao lixeiro, olhares de desprezo para a prostituta, cuspidelas a Rui Rio, pedidos de autógrafo à Madonna... A partir das reacções que recebe, cada um tenta adivinhar a sua própria identidade. Nem todos conseguem. O polícia pensa que é ladrão, o Noddy pensa que é a Floribella, o gerente bancário pensa que é uma alta individualidade das finanças... Elucidativo?

O exercício pode originar um debate sobre conceitos e preconceitos. "O estereótipo é uma força efectiva", nota Julian Boal. "Ele não é verdadeiro na essência, é verdadeiro estruturalmente. O brasileiro não é em si malandro, mas o estereótipo também é uma força que projecta, que também faz com que a pessoa se conforme a esse estereótipo", exemplifica.

Nos primeiros anos, Julian trabalhava apenas como assistente do pai. Há seis anos, criou o seu próprio grupo de TO - emancipou-se, embora mantenha parcerias com o pai. Viaja muito. Faz workshops como este nas mais diversas partes do mundo. "Está a haver uma explosão" de TO. Talvez seja "um sinal de que a democracia representativa não está a funcionar direito". Em diversos países da Europa, "como a Alemanha, a França ou o Reino Unido, parece igual" votar num partido ou noutro. O TO seria então "uma reacção a essa falta de espaços democráticos".

O teatro-fórum

A técnica mais usada em todo o mundo é o teatro-fórum. Em que consiste? Há um espectáculo baseado em factos que, se não aconteceram, podiam ter acontecido; no fim, os espectadores, mediados por um "coringa", são convidados a entrar no espectáculo, podem mudar cena a cena, resolver o conflito. A ideia é transformar o espectador em protagonista da acção dramática e, desse modo, ajudá-lo "a preparar acções reais que o conduzam à libertação".

Julian mora em França. Trabalha há dois anos com imigrantes da Argélia e do Mali, a maior parte clandestinos, residentes num albergue. O seu grupo visitou-os umas 20 vezes antes de apresentar o primeiro tema: segurança laboral. A primeira sessão "foi intensa e maravilha ao mesmo tempo". No debate, um imigrante contou que lhe deram só uma luva para manipular material tóxico. "Ele disse: "O patrão é como amigo que dá comida, não se pode reclamar." Fiquei sem saber o que fazer, felizmente outro interrompeu e disse: "Não é assim, o trabalhador tem direitos"."

"Uma sessão só não basta" para ajudar a libertar um oprimido, como não basta ler um livro ou participar num debate. "Se eu abro o espaço da discussão política, sinto-me responsável por que as continuem a debater", refere, enquanto os alunos preparam outro exercício no tapete. "Não abro para fechar logo. Trabalho muito tempo com as pessoas".

O que consegui, afinal, ao fim de dois anos, no albergue? "Acho que há uma circulação de palavra que não havia. No início, uns não tomavam a palavra. Agora, tomam. Os mais para o branco com papéis ainda falam mais do que os não tão brancos sem papéis. Mas hoje há uma situação mais igualitária. Havia muita diferença e muito grande entre argelinos e malianos." Julian observa agora menos discriminação a diversos níveis, mais partilha.

A utopia

De que forma o TO muda a realidade? "Meu pai fala em ensaio da revolução." Ao entrar em cena, o espectador "aprende a detectar as armas do opressor e treina tácticas e estratégias de luta, treina para uma transformação". Essa força "tem de ser usada fora do fórum, porque é fora do fórum que se faz a mudança". Experiência mais marcante? "Talvez descobrir Jana Sanskriti", na Índia. "Usam o teatro do oprimido não só para se expressar, também para se emancipar." Isso "só tem paralelo no Brasil, com o Movimento dos Sem-Terra (MST). Mas o MST constituiu-se como movimento e criou grupos de TO, enquanto na Índia foi através de TO que eles se constituíram como movimento. É um movimento enorme. Há uma rede, na Índia inteira são três milhões".

A utopia é "o mundo parecer-se com um teatro-fórum". Tradução: "Um mundo em que as pessoas podem experimentar. Em que todas as relações podem ser discutidas, criticadas. Um mundo em que, de facto, a pessoa possa argumentar." Embora a comunicação esteja longe de resolver tudo.