22.8.05

3 citações para reflexão nos dias que restam de Agosto

«Quem conhece a história sabe que a desobediência é a virtude original do Homem. »
Oscar Wilde



«Todo este mundo
Que vê e que encerra as cousas divinas & humanas
É uno
Nós somos os membros de um vasto corpo
Em nenhum lugar o homem é estrangeiro
A sua verdadeira pátria é o universo»

Séneca


«Ser descontente é ser homem.»
Fernando Pessoa


Contacto:
PimentaNegra@hotmail.com


Pela criação de uma rede de investigadores libertários.

PORQUÊ?
Porque a nossa sociedade evoluiu e muitas das nossas ideias parecem não estar adaptadas ao mundo actual e às necessidades das nossas militâncias.
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Porque a crise civilizacional é tão profunda e tão extensa que a própria noção de humanidade é questionada.
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Porque a sociedade capitalista recuperou uma parte do nosso arsenal crítico
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Para tentar sair da posição defensiva na qual nos encontramos desde há bastante tempo.
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Porque os fracassos repetitivos e o activismo do costume são desencorajantes
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Porque podemos ter à nossa disposição muitas abordagens críticas.
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Porque somos excessivamente numerosos e andamos a trabalhar isolados sem ligação
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Porque não podemos contar senão connosco próprios.
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Para sobreviver.
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QUAIS SÃO OS OBJECTIVOS?
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Desenvolver pesquisas sobre ideias e políticas libertárias.
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Colocar à disposição das pessoas que o desejarem as teorias e as contribuições já existentes.
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Tentar avaliar o material teórico já disponível
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Mutualizar os nossos meios e investimentos.
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Cooperar e desenvolver as potencialidades libertárias
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Confrontar, sem dramas, os diferentes pontos de vista para progredir fora das fronteiras mentais.
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Ir, se assim se puder, para transversalidades e complementaridades, a fim de desenvolver convergências libertárias.
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Construir caixas de ferramentas para as lutas, assim com para as nossas vidas.
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Realizar e concretizar as pesquisas/acções libertárias
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COMO?
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Constituição de uma rede informal, ao lado das organizações libertárias, mas também em conjunto com elas.
Estas têm um papel a desempenhar, e não se trata de substituí-las, mas de gerar e encorajar potenciais desenvolvimentos teóricos, o que elas não podem fazer à vontade por diversas razões.
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Sem grandes parangonas mas sem qualquer secretismo.
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Este tipo de iniciativa não interessa a todos. E o resultado não será imediato, pois é preciso tempo para realizá-lo, e essa temporalidade tem o seu tempo próprio.
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Criando laços que não são marcados pela urgência, laços que podem durar, ainda que sendo longínquos. Laços que não são complementos, nem remisturas do afectivo e do existencial, nem ainda prisioneiros do narcisismo. Ou que, pelo menos, procuram não ficar prisioneiros de tudo isso. A leitura e a escrita pedem tempo e calma
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Encontrar temáticas de trabalho e orientações de pesquisa que estejam em função das nossas possibilidades e dos nossos desejos.
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Criar uma dinâmica colectiva transversal que estimule a acção.Apoiar os contactos amigáveis entre activistas e militantes.
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Aceitar a multiplicidade das contribuições Organizar pequenos grupos de trabalhos . Respeitar o ritmo de cada qual, tanto mais que não se visa propor um pensamento oficial ortodoxo.
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Recolher os resultados das nossas acções, leituras, debates e das nossas tentativas de autogestão.Tentar compreender sem forçosamente julgar
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Reflectir sobre a utilidade social e política das nossas pesquisas Nunca esquecer que a luta teórica é uma forma de combate político.
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OS RECURSOS?
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Temos uma rede mundial com muitos sites espalhados por esse mundo fora Constituir talvez uma lista de discussão
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Temos também bibliotecas virtuais onde se pode encontrar quase tudo
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Formar núcleos locais de difusão para quem não tenha acesso à net
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Projectar uma publicação? Ou apostar na cyber-edição? – decisão a tomar no futuro
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Encarar a formação de um (ciber)ateneu libertário pode também ser uma ideia, mas de preferência com uma materialização concreta. .
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OS MEMBROS?
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Todas as pessoas que se interessam pelas teorias libertárias, enquanto conjuntos de ideias para a acção e a vida.
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Todas as pessoas que levantam questões sobre os nossos modelos
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Todas as pessoas que sentem uma insuficiência na adequação das ideias à situação vivida
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Todas as pessoas que têm necessidade de uma reflexão para avançar e viver
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Todas as pessoas que, organizadas ou não, têm simplesmente o desejo de participar neste trabalho.
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OS TEMAS?
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Longe de querer ser exaustivo poder-se-á tratar das seguintes temáticas:
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=A evolução da dominação. O cinismo pós-moderno
=A complexidade e a incerteza do mundo contemporâneo
=Os modelos políticos revolucionários herdados do século XIX , e os novos dados e problemas do séc. XX
=O desenvolvimento da ciência, as suas orientações e as suas aplicações técnicas.
=A ecologia e os riscos que pesam sobre a humanidade e a terra. A noção de desenvolvimento
=O imperialismo e as novas formas de dominação neo-colonial
=A liberdade de circulação
=O feminismo
=O trabalho, as actividades socialmente úteis, a gratuitidade e o salário mínimo garantido
=O neofascismo, a mercantilização e o espectáculo
=O Apartheid social e os desenvolvimento sociais separados
=As servidões sem coacção
=A subjectividade libertária
=O desejo da política
= existencial na política libertária
=Os contributos da ciências humanas
=A articulação entre a esfera subjectiva e a esfera colectiva
=As alternativas, as condições, os possíveis, as dificuldades, os limites, o balanço das tentativas e as necessidades de locais onde viver
=A dispersão dos modos de vida libertários e a circulação entre as diversas comunidades
=A autogestão, a auto-organização em acto, os seus enunciados, os seus falhanços e o seu eterno retorno ou a sua constante reinvenção
Etc, etc
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21.8.05

Na senda da poesia


( notas de leitura retiradas a partir do livro de Ruy Belo, «Na Senda da Poesia»)

A poesia já procurou produzir os efeitos da pintura, da música e da escultura. A fórmula horaciana «ut pictura poesis» teve imensos seguidores. Verlaine ( em França) e Pessanha ( em Portugal) ambicionavam produzir efeitos musicais através das palavras. A poesia concreta pretende também converter a poesia numa arte do espaço.


A poesia sempre foi uma aventura da linguagem

A poesia é, por natureza, revolucionária, na medida em que introduz a renovação na sensibilidade e na linguagem.

A interpretação é importante. Quando não é possível a interpretação de uma obra, desaparece um momento capital, tão importante quanto o da criação.

Pode-se simular a poesia de 3 maneiras: encobrindo a ausência de problemas humanos sob as vestes veneráveis do esteticismo; adoptando os preceitos de uma corrente literária sem, por incapacidade, pulsar ao ritmo do princípio vital que a anima ou animou; finalmente, recorrendo a uma musa alheia que tutelarmente cubra a obra de um criador.

A violência, o carácter revolucionário da verdadeira poesia – como se a poesia pudesse, sem se negar, não o ser… - são dadas não tanto pelo domínio exclusivo de uma linguagem nova como pela irresistibilidade de uma experiência própria. A experiência é sempre imprescindível ao poeta, mesmo que só seja para dela se evadir através da arte…

Um poeta não é o mesmo que um literato (este é, simplesmente, um imitador)

Num poeta, a admiração por outrem é uma forma de experiência própria

A crítica de poesia não é coisa diferente da poesia na medida em que realiza o imprescindível reconhecimento da palavra poética. Poeta e crítico convergem no signo poético, partindo o primeiro do significado para o significante e o segundo do significante para o significado.

O maior crítico será aquele que no acto de juízo mais fielmente reconstituir, a partir das simples palavras e das relações entre elas, o ambiente em que decorre a grande criação.

Designamos por poesia nova, não a chamada poesia moderna, mas a poesia sem mais, a poesia de sempre, incluindo naturalmente aquela que, nos nossos dias, se apresenta como a única capaz de se projectar no futuro, por ter plasmado, ou pressuposto, o nosso tempo. Moderna, teve em qualquer idade de o ser, a poesia para viver e sobreviver.

A novidade pertence à própria essência da poesia. Toda a palavra nova é, constitutivamente, uma palavra poética.

É próprio da arte, fingir. Horácio falou de fingere carmina, Suetónio de fingere poemata. A arte é fingimento. Cria uma realidade própria. Dá uma nova efígie às coisas da natureza e da vida.

A obra de arte, uma vez conseguida, tem uma existência objectiva. Vale por si mesma. Terminado o acto poético que lhe deu origem e a veio inserir na história, rompe-se a relação umbilical com o seu autor. Doravante, este encontrar-se-á perante a sua obra na situação de um crítico. Depois de esgotado o acto poético, só é possível o acto crítico.

A poesia é, como a música, susceptível de uma interpretação. Em certo sentido, a interpretação é uma segunda criação. É uma adesão imediata ao espírito da arte.


Em relação à história universal ou nacional, tais autores ( os que realizam uma autêntica actividade criadora de vida espiritual, maxime os poetas) procuram antecipar certas ideias, símbolos e crenças. O leitor fica lá atrás. O poeta vai à frente, pelos caminhos da arte.


O fenómeno da corrupção da palavra poética é quando a palavra que, da boca do poeta, nasce para um círculo de música, ingressa depois nas relações diárias e é submetida ao comércio de todos os homens. Antes que muitas das palavras anichassem na boca do povo, foram mastigados por um poeta originário. É, sem mais, o destino das frases feitas. Alguém as fez e esse alguém, quem quer que fosse, era um poeta. Basta que nos lembremos de expressões tais como «o cair da tarde», «olhar para ontem»,…

A palavra poética é o inverso da palavra prática

A palavra prática, útil, deixa de ser uma fonte de conhecimento, e até se esquece que o foi. Converteu-se num vaso que contém um significado. Na escola, o professor falará de sinónimos, orações e gramática. Nessa altura, a palavra foi deslocada da sua missão original. Resta-lhe a possibilidade de ser purificada através de parábola ou da metáfora ou da imagem ou do símbolo.

Depois da palavra usada e devassada, depois de ela ter servido nas relações habituais entre os homens ou haver funcionado como termo de um conceito, o poeta pode voltar a intervir para a elevar à sua primitiva origem poética. A palavra poética é, portanto, aquela em que não se perde a memória da primeira imagem e da metáfora que a gerou. Se essa memória se perde, só um poeta descobrirá nela aquela vitalidade originária capaz de a restituir ao seu primeiro latejo ou inventando-a radicalmente no sentimento e na fantasia

Ao proceder assim o poeta passa por cima do significado e abdica das relações com a lógica, e das relações com a imagem. A gramática dá um nome àquilo que o homem vê, mas é a lógica que depois aponta para ele. A poesia, porém, abre mão quer de uma ( oratio) quer da outra ( enunciato)

A palavra prática é o termo de um conceito

Diferentemente, a palavra poética é o termo de si própria, é matéria e forma, voz e sinal

Em Vitorino Nemésio encontramos uma distinção paralela, correspondente aos dois reinos atrás referidos, que se encontram na psique humana: a phantasia (onde reside a palavra poética) e a cogitatio ( onde está a palavra prática)


A palavra que a poesia utiliza é surpreendida, num momento dinâmico, por um acto de criação ou de purificação. No princípio, toda a palavra seria poética. Manter-se-ia o drama que lhe deu origem. Não haveria nela rigidez alguma. É esse, hoje e sempre, o encanto da poesia. A sua palavra situa-se entre a natureza e o espírito. É arte. É uma palavra que continuamente se faz, que é devir. Está ali, mas está para um sentimento sobre a qual ela se levanta. Vive, porque em cada momento a recriam. Sempre que um poeta, ao criar hoje um verso, purifica uma palavra, rompe as relações de vizinhança, que ela mantinha especialmente com um conceito…Toda ela é emoção criadora. Está-lo sendo continuamente. Sobre ela não pode conceito algum poisar a cabeça. É uma palavra sem história, sem património, sem árvore genealógica. Quando for útil terá uma situação estável, mas haver-se-á comprometida. Terá perdido a sua liberdade.

Característica essencial da poesia: a novidade. A novidade seria tão conatural, tão própria da palavra poética, que toda a palavra nova recentemente nascida, despertaria em nós emoção idêntica à que só a poesia tem a virtude de desencadear.

Todos os filósofos consideram fingida toda e qualquer palavra; poucas são aqueles que defendem a existência de relações naturais entre as palavras e as coisas por elas designadas. Mas se toda a palavra é fingida, então é no modo e no grau particular de fingir que radicará a distinção entre palavra poética e palavra prática.

A palavra poética é uma palavra universal (1ª) Porque é significativa. Com efeito, a palavra poética não pode ser meramente expressiva ( a palavra expressiva é essencialmente transitória, é filha de uma situação e morre com ela), pois a palavra poética apresenta uma particular independência em relação à coisa. (2ª) A palavra poética tem de vigorar para além da conjuntura que se verificou com o nascimento. Tem de subsistir, muito embora as coisas sejam transitórias. Tem de vencer o tempo. A sua vida tem de dar testemunho das circunstâncias que a viram nascer. (3ª) A palavra poética é abstracta, pois embora haja um facto concreto na sua origem, não está vinculada a esse facto, existe como mensagem de uma experiência.

Mas, apesar de tudo, a palavra poética é a mais expressiva, a mais transitória, a mais concreta de todas as palavras universais. É uma palavra de encruzilhada. É significativa porque é livre, com uma liberdade que a torna fim de si própria. Não está amarrada a conceito nenhum. Recusa-se a ser útil, a servir. É independente de tudo o que arrasta consigo o compromisso de apontar para alguma coisa, muito embora essa coisa já se disfarce sob as vestes de um conceito. E, no entanto, é expressiva. É memória de um caso humano. É ela própria um conteúdo vivo. Luta contra o tempo, vence-o; e, não obstante, a cada passo morre. Não há quem a reconheça, quem a identifique na sua antiga estirpe. Tem de ser purificada. É abstracta, dita depois de muita experiência, e existe singularmente, com o vigor de uma única vez.

A palavra de arte evoca uma situação. Por isso, não pode ser arbitrária, não pode renunciar à virtude de comunicar, embora tenha de se rodear de um certo mistério. Aí reside o seu eclectismo. Ela é tomada materialmente e não no seu aspecto formal, na função que desempenha.

A palavra poética não é uma imitação da realidade. É uma nova realidade.

A palavra poética é mais rica do que a própria coisa individual. É surpreendida como relação. É um pequeno mundo cheio de amor. É o pretexto para uma emoção que é ela própria e que o poeta transmite como a viveu.

Apetece perguntar: então a poesia estará toda ela nas palavras?

Quem leva a sério as crianças ou os loucos, que falam por falar? Não se compreende que a pessoa sensata tenha conversas sem nexo. Ora o poeta tem precisamente essa ousadia: emite palavras sem cobertura, isto é, vê-as em si mesmas, sem conceitos por trás. Quando se diz, por exemplo, que «é preciso reaprender o Outono», essas palavras e a ligação entre elas começam e acabam em si mesmas, não há nenhum resultado prático a atingir. Nem ele mesmo acredita que, quando em Outubro abrirem de novo as aulas, os pais mandem as crianças à escola para aprenderem o Outono. Elas vão mas é aprender a ler.

Em poesia, as palavras aparecem sempre deslocadas de um fim imediato. Entre os homens que falam, o poeta é aquele que depura as palavras.

Quando o poeta, no seio de um poema, profere a palavra árvore, o que faz não é utilizar um conceito a que houvesse sacrificado todas as opulentas árvores de pássaros que diariamente encontra no seu caminho. Em vez de se sujeitar à abstracção que o conhecimento pelos meios lógicos impõe, é como se utilizasse uma verdadeira árvore, com os seus pássaros, as suas folhas, a sua sombra, a sua tristeza ou alegria. Apenas se limita a dar a essa árvore uma nova vizinhança: ou Deus, ou a infância, ou, talvez, o pressentimento da morte. Como é que ele conseguirá criar assim uma árvore tão viva? Pegando na palavra em si, rompendo talvez as suas relações habituais com outras palavras, dando-lhe outras novas, que, através do choque, da surpresa, do inaudito, a cerquem e a iluminem de determinada maneira e a rodeiem de silêncio.

O poeta serve-se das palavras – melhor seria dizer: serve as palavras – como o pintor mistura as sãs tintas. Escolhe-as pelo que elas têm de som, de ritmo, pela sua condição social, pela sua árvore genealógica. Dá-lhes novas ligações e é como se as fizesse esquecer a casa dos pais. Aí temos uma palavra novinha em folha, livre, isenta ainda de qualquer servidão, próxima da fonte, com o seu peso, a sua densidade, o seu volume, a inaugurar um espaço que só pode ser poético. Como é isto possível? É que cada palavra é um infinito e exerce sobre nós o sortilégio que o seu poder mágico lhe permite. Não há bem mais humano do que a palavra, de tal maneira que ela até compromete na inteligência do homem toda ou quase toda a sua existência. Ela ajuda a criar, e participa da história do homem. Daí que pô-la em jogo seja movimentar um universo.

A palavra é humana até na sua natureza social. Ela própria diz relações com outras. Tem também a sua família, parentesco ou afinidades, repulsas e simpatias.

Basear a poesia na palavra poética não significa portanto uma pobreza de vistas, nem se pode acusar de qualquer forma de atomismo quem isola esta para caracterizar aquela. Concebendo a palavra por natureza relativa a outras, vendo-a em movimento no verso e no poema, nunca há o perigo de que o corte imposto pela análise a mutile. Ao passearmos de palavra em palavra, pelo poema fora, não deixamos a poesia escorrer por entre elas. Concluímos que o poema não é mais do que o lugar onde as palavras convivem umas com as outras.

Platão fazia realçar a inspiração. Depois, vieram Aristóteles e os poetas clássicos, que chamaram a atenção para a arte: para a técnica, para o poema. Depois, os românticos debruçaram-se sobre o processo psicológico que se verificava na alma do poeta. Depois, o resultado voltou a atrair para si todas as atenções. Hoje, a crítica contempla o resultado transcendente da actividade psíquica do poeta. É nesse sentido que Saint-Exupéry diz: «Eu não conheço a beleza, mas coisas belas» ( isto é, «eu não conheço a poesia, mas poemas).

O poema é um acto de renúncia: renúncia a todos os outros poemas possíveis. A liberdade do poeta só é grande fora do acto de criação. Quando as primeiras palavras lhe começam a cantar nos olhos ou nos ouvidos e a emoção que experimenta se vai definindo, mais do que acumular palavras, o poeta vai sucessivamente renunciando a elas, àquela palavra, sem contemplações, inexoravelmente.

O poema só é possível por uma grande falta de objectividade. Para que o poeta, cidadão necessariamente comprometido na vida prática, ceda à tentação das palavras, tem a emoção de fazer esquecer a terra que pisa e de lhe acenar com essas palavras, aparentemente tão insignificantes.

O poeta ao exclamar «passaram as coisas velhas, eis que tudo se faz novo», pode estar a concretizar a verdadeira essência da poesia.

No poema, a tensão lírica é assegurada menos pelo recurso a palavras novas ( característica da prosa) do que pela exploração da novidade das palavras (utilizadas na poesia). Como exemplo disto temos o caso de Aquilino Ribeiro e Miguel Torga. O primeiro, essencialmente prosador, obtém a temperatura do texto pela abundância e variedade das palavras empregadas. Miguel Torga, pelo contrário, dedica-se a lapidar as palavras e as relações entre elas: quando lhe saem das mãos, após esse trabalho de artista, como que têm volume.

Mallarmé, ao utilizar pela primeira vez na história da poesia, o espaço, veio realmente levantar um problema importante.

Na poesia gostamos de parar em cada verso de um poema; na prosa, a sua leitura impele-nos para a frente, sempre para a frente.

É certo que um poema deve ter unidade, designadamente unidade de ritmo. Hoje mesmo, que a poesia se tornou mais poética devido à exigência daquela «tensão lírica» de que fala Garcia Lorca, essa unidade tem de existir, graças possivelmente aos vários processos de que o poeta dispõe, como a anáfora, a enumeração caótica ou o inventário, as estruturas fonéticas, a arbitrariedade procurada entre as palavras e a imagem, etc. Mas já não é preciso que ao poema corresponda uma unidade de emoção, pois o poeta pode escrever muitos poemas num curto espaço de tempo.

O poema é um objecto, uma coisa do mundo exterior, uma vez terminado. Passa a ter existência própria, e só o nome do autor lembra a quem o ler aquele que lhe deu as palavras para subsistir. É um corpo vivo, e são as exigências de autonomia, de emancipação, que asseguram e delimitam a sua fundamental unidade.

Perguntar-se-á agora: poderá a poesia ser imoral?

Viu-se que a palavra comum, embora fictícia, não cria, ao ser empregada, isto é, ao ser posta em movimento, uma nova realidade. A palavra poética, essa sim, porque não só é fictícia, como também actua na medida em que o é. Aliás é duas vezes fictícia: no seu nascimento e na sua vida. Por isso, quando um artista recorre à sua disponibilidade e a põe em exercício, essa palavra cria uma realidade diferente da realidade. A arte transfigura a vida. O artista começa onde acaba o homem.

A moral incide sobre a vida, julga os actos do homem.

A obra de arte, uma vez realizada, tem existência objectiva, independente de quem a criou. Se os gestos do artista, enquanto actos humanos, revestem incidência moral, a obra ultrapassa a responsabilidade do homem


Sócrates tinha medo da poesia, embora esta lhe merecesse todo o respeito. Com efeito, Sócrates não podia ter mais consideração por ela do que pela verdade. Dizia ele: «é preciso travar uma grande luta. Nada deverá distrair os cidadãos da nova república; nem sequer a poesia.»

Platão leva Sócrates a defender que é preciso expulsar os poetas da cidade. As palavras dos poetas são um perigo para os ouvidos de homens que querem ser livres. Só que o que fazem é criar fantasmas, que afastam os homens da contemplação da verdade. Comprazem-se em jogos de palavras, são charlatães de ilusões, criam uma arte que é mentira. Se querem continuar na cidade devem demonstrar que a poesia, além de agradável, é útil ao Estado e à vida.

A poesia não é nem pode ser aquela «imitação das acções humanas levada a cabo para servir de norma de conduta na vida» como Torquato Tasso queria. Não significa isso que o poeta não venha a escrever para se tornar melhor a ele próprio ou para tornar melhores os outros. Mas a pretensão de fornecer ao poeta cânones ou preceitos acabaria por fazer com que a sua palavra deixasse de formar por via das formas e passasse a ser moral ou retórica..
Impor à arte um fim contingente, por muito nobre que ele seja,significa comprometer a sua autonomia.

A melhor maneira de assegurar a justa medida nas relações entre a moral e a arte é começar por defender a autonomia que esta efectivamente possui. A palavra artística e a acção humanitária integram-se em duas ordens distintas. A conclusão impõe-se, pois: a obra e o artista, na medida em que o são, não podem deixar de ser absolutamente amorais.

A arte não pode ser imoral sem se renegar, sem comprometer a sua inocência. Quando a palavra chegou a ser verdadeiramente depurada pelo seu ingresso na arte, ela não pode ser imoral. Ninguém negará que Dante, no episódio de Paolo e Francesca, narre um facto torpe; no entanto, a elaboração artística liberta-o da imoralidade de que enfermava como facto da vida real.

É esta a suprema autonomia da arte: a palavra poética, quando o é verdadeiramente, nunca pode deixar de ser pura.

A arte, em princípio, não pode ir contra a moral, porque se integra numa outra ordem e porque, além disso, essas contradição repugnaria à sua própria natureza.

A poesia que se ensina, será a melhor poesia? E será possível ensinar poesia? Muitos de nós fomos educados no estudo de uma poesia onde não a menor invenção de linguagem, o menor achado artístico. Parece assim que não nos deram a ler os verdadeiros poetas e, se num caso ou noutro o fizeram, talvez não nos tenham seleccionado as respectivas composições segundo o critério que melhor serve a poesia, isto é, segundo a função poética da linguagem.

Não será que poesia e educação são duas coisas diferentes, dificilmente conciliáveis, e as mais das vezes opostas?

Pode-se entender a poesia como o exercício da sabedoria da linguagem. Por outro lado, linguisticamente falando, a poesia configura-se como a violação, o afastamento em elação a uma norma que é a linguagem usada nas relações habituais entre os homens. Há um certo carácter revolucionário inerente a toda a boa poesia, e a revolta nos temas ou motivos pode facilitar um certo vigor que nunca deve deixar de existir ao nível da expressão.

É claro que a poesia poderá e deverá ser útil, desde que não atraiçoa sua natureza. Assim, o ideal seria o poeta ter em consideração os interesses permanentes da comunidade, desde que não atraiçoa a natureza da poesia para os servir.

A espontaneidade da poesia: a poesia, como tudo o que é humano, custa. Não é um escolho arranjar uma rima? Não é difícil escrever um soneto? Mas o que é mais valioso é o poema em verso livre, o poema realmente moderno, sem rima ou com a rima levada a um tal excesso que se faça explodir, o poema cuja única norma é a beleza que, se é de um tempo determinado, vence o tempo, por se consubstanciar numa linguagem que, em vez de morrer, vive, viceja.

Poema simples não é o poema acessível, directo, chato, incapaz da menor invenção, mas sim o poema dotado da capacidade de surpreender num ápice, de provocar esse delicioso traumatismo que é a emoção estética. Se há uma poesia moderna é a poesia da surpresa, da aventura, do rigor. Pois não é lícita a aventura que não conduza ao rigor.

Foi lançado um cd para politizar os norte-americanos (Future Soundtrack for America)


Com vista a sensibilizar os norte-americanos para a política e sensibilizá-los para contestarem o seu presidente, acaba de ser editada uma compilação de temas musicais sob o título de Future Soundtrack for América.
Foram convidados a participar um leque variado de grupos indie.
As receitas da venda do cd reverterão para as associações que contestam a Administração Bush
O repertório do disco é composto de versões exclusivas de músicas feitas contra o presidente dos Estados Unidos.
Faixas como “Final Straw", dos R.E.M, em versão remix; e “Yoshimi Battles The Pink Robots”, dos Flaming Lips, ao vivo, são os principais destaques deste disco.


A lista completa dos temas e participantes:
OK Go - This Will Be Our Year
David Byrne - Ain't Got So Far To Go
Jimmy Eat World - Game of Pricks (BBC evening session)
Death Cab For Cutie - This Temporary Life
Blink-182 - I Miss You (James Guthrie mix)
Mike Doughty - Move On
Ben Kweller - Jerry Falwell Destroyed Earth
Sleater-Kinney - Off With Your Head
R.E.M. - Final Straw (MoveOn mix)
Bright Eyes - Going for the Gold (live)
The Long Winters - The Commander Thinks Aloud (future mix)
will.i.am of The Black Eyed Peas - Money
They Might Be Giants - Tippecanoe And Tyler Too
Clem Snide - The Ballad of David Icke
Yeah Yeah Yeahs - Date With the Night (live)
Fountains of Wayne - Everything's Ruined (acoustic)
Nada Surf - Your Legs Grow
The Flaming Lips - Yoshimi Battles the Pink Robots (live on the BBC)
Old 97's - Northern Line
Laura Cantrell - Sam Stone
Tom Waits - Day After Tomorrow
Elliott Smith - A Distorted Reality Is Now A Necessity To Be Free

Bebe, uma nova voz feminina, canta um Ska de la Tierra


Uma nova voz feminina surgiu na música cantada em castelhano. Chama-se Bebe e o seu primeiro cd, Pafuera Telarañas é uma bela surpresa.
Deixamos aqui excertos de algumas letras das canções incluídas no cd que falam da violência doméstica, da paixão e da terra ferida


«Mi carita de niña linda
Ha ido envejeciendo en el silencio
Cada vez que me dices puta!
Hace tu cerebro más pequeño»
( in «Malo»)



«Hoy es una mujer
Que se da cuenta de su alma
Hoy vas a descubrir
Que el mundo es solo para ti
Que nadie puede hacerte daño
Hoy vas a comprender
Que el miedo se puede romper
Con un solo portazo
Hoy vas a hacer reír
Porque tus ojos se han cansado
De ser llanto
Hoy vas a conseguir
Reírte hasa de ti
Y ver que los has logrado
Hoy vas a sé la mujé
Que te dé la gana de sé
Hoy te vas a queré
Como nadie ta sabio queré
Hoy vás a mirá palante
Que patrás, ya te dolió bastante
Una mujer valiente
Una mujer sonriente
Mira como pasa….
Hoy no has sido la mujer
Perfecta que esperaban
Ha roto sin pudores
Las reglas marcadas
Hoy ha calzado tacones
Para hacer sonar sus pasos
Hoy vas a descubrir
Que el mundo es solo para ti
Que nadie puede hacerte daño
Hoy vas a conquistar el cielo
(…)
(in «Ella»)



«La tierra tiene fiebre
Necesita medicina
Y un pokito de amó
Que le cure la penita que tiene
La tierra tiene fiebre
Del dolor más doloroso
Y es que piensa que ya no la kieren
Es que no hay espeto
Por el aire limpio
Es que no hay respeto
Por los pajarillos
Es que no hay respeto
Por la tierra que pisamos
Es que no hay respeto
Ni por los hermanos
Es que no hay respeto
Por los que están sin tierra
Es que no hay respeto
Y cerramos las fronteras
Es que no hay respeto
Por los niños chiquininos
Es que no hay espeto
Por las madres que buscan a sus hijos
La tierra tiene fiebre…
Es que no hay respeto
Y se mueren de hambre
Es que no hay respeto
Y se ahoga el aire
Es que no hay respeto
Y hoy lloran mas madres
Es que no hay respeto
Y se mueren de pena los mares
Es que no hay respeto
Por las voces de los pueblos
Desde los gobiernos
Es que no hay respeto
Por los que huyen del doló
Es que no hay respeto
Y algunos se creen Dios. Aah…

( in «Ska de la Tierra»)

Cineastas contra magnatas


Acabou de ser produzido, e está em vias de ser estreado nas salas de cinema de Espanha, um documentário, com o sugestivo título «Cineastas contra Magnatas», constituído por testemunhos de realizadores e actores( Woody Allen, Pollack, Done, Liv Ullman, Garcia Belanga, etc) e que visa denunciar a manipulação abusiva por parte das grandes empresas cinematográficas da indústria do cinema sobre os filmes contra a vontade dos respectivos autores.
Exemplos desses abusos e manipulações são os cortes feitos às películas, assim como a massiva conversão dos filmes a preto e branco a cores sem autorização nem sequer conhecimento dos realizadores (ou seus representantes), com o óbvio objectivo de tornar mais «apetecível» a mercadoria, em detrimento da criação artística

20.8.05

O movimento do livre-espírito


Foi reeditado em França o livro de Raoul Vaneigem, «Le Mouvement du libre-esprit», editado pela «L’or des fous editeurs», 2005, que se encontrava há muito tempo esgotado. Trata-se já de um clássico do livre-pensamento e de leitura incontornável para todos os livres-pensadores


“A tese do livro é radical e cheia de consequências: «A Idade Média foi tão cristã quanto os países do Leste foram comunistas», pelo que é preciso acabar com a lenda de uma Idade Média mergulhada na fé cristã como sardinha em azeite. Quem é que hoje recusa as imagens convencionais da vida medieval? Quem lê ou faz ler, comenta e divulga as obras dos monges e das monjas hedonistas, desses beguinos e beguinas, amaurianos e outros, adamitas da Boémia, alumbrados e loistas? (…) colocado sob o signo da vida, do nascimento, das forças e das energias que a manifestam, o pensamento de Vaneigem, deliberadamente ao lado da resistência, entrega-se inteiramente à causa de Eros, de Baco, de Dionísio e de um Prometeu que colocava a sua força ao serviço das causas libertárias.»” escreve Michel Onfray na contracapa da nova edição do livro de Raoul Vaneigem sobre os irmãos do livre espírito.

É para desfazer as ideias feitas e desmontar as imagens da historiografia oficial sobre a Idade Média que um autor como Raoul Vaneigem se lançou à pesquisa histórica, e a passou para o livro com o título «O movimento do livre-espírito, generalidade e testemunhos sobre os afloramentos da vida à superfície da Idade Média, do Renascimento e, incidentalmente, da nossa época». A primeira edição tem data de 1986, mas já há muito que se encontrava esgotada, pelo que se impunha uma reedição que foi entregue às edições «L’or des fous editeurs».
A obra reeditada neste ano (2005) inclui um novo prefácio do autor, que traduzimos no post a seguir para português na sua integralidade sob o título «Libertar a terra das ilusões celestes e da sua tirania»

Nota de esclarecimento:
Irmãos do Livre Espírito são a designação dada a um vasto movimento herético que surgiu e alastrou na Europa, sobretudo nos centros mais desenvolvidos (norte de França, Países Baixos, Renânia ao longo das margens do Reno, Baviera, etc) durante o século XIII e se manteve por cinco séculos seguintes. Caracterizava-se por um grande misticismo em torno da liberdade individual, considerada um meio indispensável para atingir a revelação. Há quem fale que a sua gnose era uma espécie de anarquismo místico, tal era a sua afirmação incondicional da liberdade subjectiva que negava qualquer constrangimento exterior ao defenderem a comunidade de bens materiais e sexuais. Daí terem sido considerados a única doutrina social verdadeiramente revolucionária que existiu nessa época

Libertar a terra das ilusões celestes e da sua tirania ( por Raoul Vaneigem)



Inaugurando há cerca de dez mil anos um sistema de exploração da natureza e humana, a revolução agrária deu origem a uma civilização mercantil cuja evolução e as formas são, apesar da sua grande diversidade, marcadas pela persistência de alguns traços dominantes: a desigualdade social, a apropriação privada, o culto do poder e do lucro, o trabalho e a separação que este introduz entre as pulsões de vida e o espírito, que os pretende domar e reprimir, ainda que se trate de elementos naturais.
A relação que, na economia recolectora, anterior à aparição da agricultura intensiva, se estabeleceu por osmose entre a espécie humana e os reinos mineral, vegetal e animal, cedeu o lugar à sua forma alienada, a religião, a submissão da terra a um império celeste, a uma putrescência etérea repleta de criaturas fantasmáticas chamadas Deus, Deusas, Espíritos.
Os laços que, de uma forma compreensiva e afectiva, se tinham entrelaçado entre os elementos vivos, tornaram-se cadeias de uma tirania tutelar reinante, numa tonitruante vacuidade, nas alturas beatas do além.
As religiões institucionais nasceram do medo e do ódio dirigidos à natureza. Elas reflectem unanimemente aquela hostilidade gerada, há dez mil anos atrás, pela pilhagem, para fins lucrativos, dos bens prodigalizados pela terra. Em todo o lado em que os elementos naturais são celebrados em nome da fecundidade, o seu culto testemunha rituais bárbaros, holocaustos, sacrifícios sanguinários, crueldades tais que só miseráveis recalcando as suas pulsões de vida teriam talento para imaginar e caucionar por via de mandamentos do espírito, um instinto predador bestial que cabe à humanidade, não em transcender, mas em superar.
O sentido humano consiste em controlar a proliferação caótica da vida, a intervir de tal modo que a exuberância criativa se propague sem se destruir por super-abundância, a impedir que o brilho vital não se inverta em radiação mortal, da mesma maneira que uma necessidade de amor não satisfeito se transforma em animosidade.
Acontece o mesmo aí: manter entre os animais selvagens um equilíbrio entre presas e predadores; prevenir o empobrecimento das árvores em excesso e a combustão das matas limpando as florestas; fazer nascer crianças que sejam desejadas, amadas, estimadas, educadas no amor à vida, e não encorajar a proliferação natalista condenando-os à pobreza, à doença, ao enfado, ao trabalho, sofrimento e violência.
Todas as religiões, sem qualquer excepção, oprimem o corpo em nome do espírito, menosprezam a terra em nome do céu, propagandeiam o ódio e a crueldade em nome do amor. As ideologias fazem a mesma coisa, sob o pretexto de garantir a ordem social e o bem público. Limitar-se a opor a laicidade do poder ao poder das religiões é combater a mentira sagrada com as armas da mentira profana.
O clero assenta a sua hegemonia na base do caos social e da miséria. Eles aproveitam-se desse formigueiro, em que a sobrevivência se faz à custa da verdadeira vida, para arrogar-se o privilégio de fazer, segundo as directivas pretensamente divinas, cortes na super-abundância dos povos. Eles realizam suplícios, imolações, eliminando os excedentes e legalizando as hecatombes, tudo em nome do Todo-Poderoso. Defendem a salvação da clã, da tribo, da comunidade, da espécie pelo nivelamento da morte soberana. Abrem sobre uma estrada mítica, cuja riqueza acompanha as carências de cá em baixo, a invisível porta das suas certezas dogmáticas.
O individuo fica sacrificado a favor do gregário. Na prensa dos rituais de endoutrinamento, a alegria de viver, comprimida, recalcada, esmagada, laminada, rebenta e deixa transpirar, no seu cadáver, a fé . Uma crença, que defende a salvação pelo preço de uma vida mutilada, mata. Como nos espantar?
O princípio da fatalidade, segundo o qual a cada instante a morte cerca o vivo, ilustra o mecanismo de auto-regulação, que o caos, a proliferar, recorre espontaneamente. Daí o obscurantismo, a inteligência obstruída, o credo quia absurdum, que, ocultando a potência criativa do homem, revoga, há milénios, a nossa única possibilidade de aceder à vida e de a propagar.
O pretendido regresso das religiões não traduz senão uma dessas regressões em que o passado se manifesta por uma ressurgência factícia e passageira. Não há arcaísmos unidos que não sejam espectaculares e paródicos. Arrasando os nossos modos de crenças e de pensamentos tradicionais em benefício do cálculo a curto prazo, o mercantilismo planetário fez das religiões e das ideologias políticas simples elementos conjunturais para as suas necessidades. Recupera-as e desembaraça-se delas conforme o mercado sente ou não necessidade.
O repugnante princípio do « tudo é permitido desde que traga mais lucro» inunda até à náusea as mais diversas sociedades e tornou-se no niilismo a filosofia dos negócios.
O consumismo devorou o cristianismo. Depois de Jesus, Jeová, Monn e o Dalai Lama, não tardará que também Maomé entre no McDonalds como um enfeite oferecido como um brinde. O culto do dinheiro acaba por perverter todos os outros.
O espírito religioso subsiste nas águas corrompidas de um passado pantanoso, as instituições eclesiásticas não são mais que embalagens de um produto mercantil. O ecumenismo de negócios mistura no mesmo saco o catolicismo vaticanesco, o calvinismo de Wall Street, as máfias sob as bandeiras do sunismo, do chiísmo, do wahhabismo, do sionismo, do hinduísmo, do sikhismo. O Deus da agiotagem e a fé de não importa que deus servem de livre-trânsito para crenças obsoletas e fantasmagorias à Jérôme Bosch, que contribuíram para uma extraordinários voga de seitas, apesar deste facto ter caído no esquecimento rápido demais. Está na lógica mercantil recuperar em seu proveito a perdição da alma que aquela provoca. Nessa matéria, as modas equivalem-se.
O capital conduz, sob todos os climas que vêm degradando, uma verdadeira guerra fria contra as populações. Ele parodia o antigo afrontamento que opôs o Leste ao Oeste, o império moscovita ao americano. Hoje, do que se trata, é de uma guerra de gangs e de tribos comanditados pelos mercados de armamento, do petróleo, do narcotráfico, do agro-alimentar, das biotecnologias, da informática, dos grupos financeiros, dos serviços parasitários, da pesca intensiva, do comércio dos seres humanos, do tráfico de animais, da pilhagem das florestas.
A única Internacional efectiva e eficaz é d’ora avante a dos mortes-vivos que têm necessidade de fazer da terra um cemitério. Verdade seja dita que o movimento operário tinha já abandonado o internacionalismo ais estalinistas do antigo império soviético e aos seus sectários, os Mão, os Pol Pot, os Ceausescu, os Castro e outros caudilhos. Como é que o reflexo da servidão voluntária, conseguida com tanto zelo graças ao matraquear da informação e da educação, não aumentaria a taxa de audiência junto dos meios promocionais do fatalismo, sejam eles laicos ou religiosos? ( os que, nos tempos actuais, conjuram a resignação dos muçulmanos, talvez fizessem bem em interrogar-se sobra a sua própria).
Saídas de um sistema económico que as regurgitava até ao seu ponto mais alto, as religiões, sempre irrisórias e ameaçantes, são bem a imagem do dinheiro virtual, que, no meio de absurdos e abstractas cotações bolsistas, destrói a estrutura da metalurgia, dos têxteis, da agricultura natural , da saúde, do ensino , dos serviços públicos e a existência de milhões de pessoas.
Deste bolha especulativa financeira, a encher sem parar, e que os economistas prevêem uma estouro, procede um espírito apocalíptico, menos marcado de medo que de cinismo.
Reproduzindo o velho esquema do fim do mundo – tão frequentemente associado, outrora, a reivindicações igualitárias – o programa de destruição planetária e da vida terrestre identifica-se hoje, mais do que nunca, com o mundo dos negócios. Como é que esta visão eminentemente religiosa não poderia prescindir do espectáculo? Nada suscita maior fascínio trivial e mórbido que a encenação, regida por um maniqueísmo de função variável, de bons e maus anjos exterminadores, cujas milícias indistintas apoiam indiferentemente corruptores de climas, envenenadores de alimentos, poluidores de todo o género, fazedores de guerra e miséria, assassinos, autores de massacres, terroristas brandindo ou não a bandeira de uma causa.
Uma única coisa não aparece no universal espectáculo e nas suas cenografias da morte em directo: a simples evidência para milhões de seres humanos que a vida existe e merece ser vivida.
As sociedades patriarcais menosprezaram a busca de felicidade terrestre. Agora que os valores fundadores da sociedade gregária se dissolveram nas águas sujas do cálculo egoísta, cada um encontra-se sozinho a procurar referências no seu caminho, sozinho a errar na falta de tais referências com a angústia de se perder, sozinho a fazer-se à sua própria custa, a descobrir os seus recursos pessoais, a faculdade de criar, os seus verdadeiros desejos e a vontade de os satisfazer.
É aqui, no próprio lugar em que, por via da crise planetária, se esboça uma mutação, que o nascimento plausível de um mundo novo faz renascer do passado figuras que resistiram ao obscurantismo, se rebelaram contra a opressão, defenderam a emancipação do homem e da mulher, e testemunharam, para uma insolente modernidade, uma radicalidade que só agora vai emergindo: Aleydis de Cambrai, Marguerite Porete, Willem Cornelisz de Antuérpia, Heilwige Bloemmardine de Bruxelas, Dolcino e Margarita de Novara, Thomas Scoto de Lisboa, Francisca Hernández de Salamanca, Herman de Rijswijk, Éloi Pruystinck de Antuérpia
Nota-se que, desde a Idade Média ao Renascimento, numerosas mulheres combateram, com persistência, a opressão religiosa em nome do amor, da liberdade de desejar, da generosidade da vida. A emancipação da mulher acompanha o declínio do patriarcado cujo destino está ligado ao sistema de exploração da natureza. É por isso que ela constitui um elemento motor da consciência humana.
É preciso não esquecer que as mulheres sicilianas foram as primeiras a combater a máfia, assim como a coragem das mulheres árabes, iranianas, afegãs face ao despotismo exercido pelo homem sobre elas, que faz esquecer o quanto ele é esmagado por uma opressão similar.
Porque professa o temor e o desprezo pela natureza, não há religião que não tenha medo e menospreza a mulher. Mas depois de tanto tempo a alimentar esta servidão, de que o macho prevalece na sua obsessão de ser enganado, a tradição patriarcal vacila e bate em retirada. O receio do macho de ser destronado não é alheio aos sobressaltos dos movimentos populistas laicos, que os integrismos não são mais que a versão ainda mais arcaica.
Que o machismo em desespero descubra um reconfortante refúgio no coração das citadelas do fundamentalismo, do nacionalismo, do tribalismo explica também porque é que a vontade viril e democrática de erradicar os totalitarismos religiosos e ideológicos acabe tão facilmente na mole indignação, em decisões inoperantes e em homílias inconsequentes.
Toda a religião é fundamentalista desde que ela possua poder. Se, como diz Holbach, «padres, predicantes, rabinos, etc invocam a infalibilidade todas as vezes que são alvo de contradita, será interessante notar quanto eles se mostram conciliantes e doces nos períodos em que não gozam a comodidade de oprimir.
Abandonar o Estado ao Islão é termos logo os talibãs e a charia; tolerar o totalitarismo papista e a Inquisição não tarda a surgir, tal como o crime de blasfémia, a propaganda natalista. Reforçar o poder dos rabinos e não será surpresa o renascimento do velho anátema da religião hebraica contra os goyim.
É altura de dizer claramente: que ninguém seja impedido de praticar uma religião, de seguir uma crença, defender uma ideologia, mas que não queira impô-la aos outros e, sobretudo, endoutrinar as crianças. Que todas as crenças se exprimam livremente, até as mais aberrantes, estúpidas e ignóbeis na condição expressa que, respeitando as opiniões, por mais singulares que sejam, ninguém seja obrigado a segui-las contra a sua vontade.
Nada é sagrado. Cada qual tem o direito de criticar, de esconjurar, ridicularizar todas as crenças, religiões, ideologias, sistemas e pensamentos. Há também o direito de achincalhar os deuses, os Messias, os profetas, os papas, os rabinos, os imãs, os bonzos, os pastores, os gurus, tanto como os chefes de Estado, reis e caudilhos de todo o género.
Mas uma liberdade renega-se desde o momento em que ela não emana da vontade de viver em pleno. O espírito religioso ressuscita sempre em que se perpetua o sacrifício, a resignação, a culpabilidade, o ódio de si, o medo da alegria, o pecado, a desnaturalização e a impotência do homem em tornar-se humano.
Os que tentam destruir a religião reprimindo não fizeram senão reforçá-la, porque ela é por excelência o espírito da opressão renascendo das cinzas. Ela alimenta-se de cadáveres e é-lhe indiferente que sejam vivos ou mortos os mártires da sua fé ou as vítimas da sua intolerância. O vírus religioso reaparecerá enquanto houver gente a lamentar-se, como de um título de nobreza se tratasse, da sua pobreza, da sua doença, da sua debilidade, da sua dependência, ou seja, de uma revolta condenada ao fracasso.
Deus e os seus avatares não são senão os fantasmas de um corpo mutilado. A única garantia para pôr fim ao império celeste e à tirania das ideias mortas é religar os laços entre as pulsões do corpo e a inteligência sensível que as afina. É restabelecer a comunicação entre a consciência e a única radicalidade: a aspiração do maior número à felicidade, à alegria, à criatividade.
Só há invenção de uma vida terrestre, devolvida à riqueza dos nossos desejos, para consumar a superação da religião e da sua serva, a filosofia.

Raoul Vaneigem,
1 Janeiro de 2005

( texto que serve de prefácio à reedição de 2005 de «Le Mouvement du libré-esprit», nas edições L’or des fous editeur)

19.8.05

Ciências da Educação


1. INTRODUÇÃO

“La nouveauté de la politique qui vient, c’est qu’elle ne sera plus une lutte pour la conquête ou le contrôle de l’État, mais une lutte entre l’État e le non-État (l’humanité), disjonction irrémédiable des singularités quelconques et de l’organisation étatique (...) La singularité quelconque, qui veut s’approprier son appartenance même, son propre-être-dans le langage et qui rejette, dès lors, toute identité et toute condition d’appartenance, est le principal ennemi de l’État. Partout où ces singularités manifesteront pacifiquement leur être commun, il y aura une place Tienanmen et, tôt ou tard, les chars d’assaut apparaîtront.” Giorgio Agamben, in “La Communauté qui vient”

“A criança não é um recipiente que devemos encher, mas um fogo que é preciso atear” Montaigne





A escolha desta temática como objecto de estudo deve-se à necessidade sentida pelo seu autor de indagar a origem e a evolução das denominadas Ciências da Educação, e a possibilidade assim aberta de recensear um sem número de conceitos e de linhas de evolução que à educação digam respeito. Em tempos conturbados, como são os que vivemos, em matéria epistemológica, forçoso é para quem se dedica ao fenómeno educacional arrumar as ideias, recapitular conceitos, esclarecer objectivos, delinear uma investigação. Caso tal não aconteça corre-se o risco mais que provável a um não iniciado de perder a visão globalizante e diacrónica da educação, sob o peso ( e a pressão ) das abordagens parcelares e empíricas de problemáticas que só ganham relevo se vistas de um ângulo outro.
Também como práticos do ensino reputámos do maior interesse uma tal metodologia, uma vez que considerámos que só é possível accionar o pensamento crítico quando este tiver já assimilado matéria-prima cognitiva suficiente para produzir ideias e construir referenciais de pensamento. Convidar alguém a pensar a partir do nada ( ou da ignorância ) é um exercício desastroso e de resultados duvidosos pois facilmente se descamba para o mais irritante empirismo, condenando o instruendo a reproduzir lugares-comuns e a fortificar-se nas ideias recebidas fora do estudo apurado das matérias.
E é com esta percepção que ficamos quando observámos , hoje, o ensino institucional ministrado nas escolas: um claro desajustamento entre os pré-requisitos cognitivos dos aprendizandos, e o discurso veiculado pelos professores. Uma constante quer nos níveis inferiores do sistema quer no próprio ensino universitário. Não espanta, pois, a sensação nítida de uma certa frustração de muitos estudantes que vindos de contextos de vida poucos dados à reflexão crítica e à sensibilização por questões teóricas, não encontram também na escola o estímulo adequado, a aprendizagem elementar, o abc indispensável para entrarem na babélica academia das teorias, elucubrações e dissertações mais ou menos científicas.
Não desdenhamos tais exercícios teóricos, nem recusámos sequer uma boa polémica científica, nem somos dos que receámos os movimentos vanguardistas ( ausentes, como se sabe, por definição da instituição académica). Do que se trata realmente é de, sem dirigismo, e com alguma humildade pedagógica, fornecer as pistas, os estímulos, os enquadramentos propulsores de uma dialéctica de aprendizagem, capazes de permitir ao estudante se lançar no estudo individual , e de grupo, e na conquista de horizontes cognitivos cada vez mais amplos. A não ser assim, tememos bem que as amarras da passividade e do desconhecimento transformem os iniciados académicos em «perdidos e achados» no pretendido éden da sabedoria.
Com estas preocupações em mente nos abalançamos a iniciar um estudo sobre as ciências da educação, e as suas relações com a pedagogia, a ciência, a pertinência científica daquelas, e o estado actual desta, com uma breve incursão em domínios adjacentes a fim de não desaproveitarmos a oportunidade de apurar as suas etiologia e contexto. Trata-se, portanto, de um trabalho despretensioso, mas importante no realinhar ( e actualizar ) de questões que à educação dizem respeito . Um texto iniciático, acessível - didáctico, se se quiser - mas que não deixa de ser legatário de um pensamento crítico e anti-conformista.
O trabalho que ora se apresenta não deve ser visto como o resultado de uma apurada investigação sobre as temáticas escolhidas. Pelo contrário, é o seu início.
.


2. TENTATIVAS DE ESCLARECIMENTO DE CONCEITOS

Quando se fala de Ciências da Educação torna-se imprescindível arrumar alguns conceitos e efectuar outras tantas distinções. Desde logo entre aquelas e as chamadas Ciências Pedagógicas. Estas são ciências aplicadas e fornecem aos educadores os instrumentos práticos que lhes permitem realizar o seu trabalho de educar, os fundamentos científicos da sua prática pedagógica, incluindo portanto disciplinas como a História da pedagogia, a Pedagogia Comparada, a Didáctica, etc. Já as Ciências da Educação envolvem áreas importantes da Psicologia, da Sociologia, da Biologia, de Etnologia, e estudam, por exemplo, as condições e os meios em que se desenvolvem as crianças e os adolescentes.
Um outro traço distintivo que separa um do outro campo de conhecimento reside na perspectivação específica de cada qual: enquanto as Ciências da educação acentuam a educação como “processus”, as outras enfatizam essencialmente a pedagogia, isto é, os meios e os métodos em que se concretiza a educação, falando-se muitas vezes até de Pedagogia Experimental para reforçar o estatuto científico deste campo de saber.
É verdade que a Pedagogia sempre foi a parente pobre da política educacional, e a Educação, por sua vez, objecto da retórica fácil dos políticos. Mas, ultimamente, não tem faltado ocasiões em que as Ciências Pedagógicas e as da Educação têm sido solicitadas para fazer frente a disfuncionamentos do sistema de ensino, sem, no entanto, existir grande continuidade nesse trabalho.
Importa agora indagar do sentido e do significado de “Educação” e de “Pedagogia”.



2.1 EDUCAÇÃO

A etimologia latina do termo educação é algo ambígua: tanto significa alimentar -«educare» - , como extrair de dentro - «educere». No fundo, estes dois sentidos têm coexistido, nem sempre pacificamente, na história da Educação, reduzindo esta fundamentalmente à instrução ( a alimentar ou «educare» ), ou preocupando-se antes a extrair («educere») do indivíduo as suas potencialidades singulares como pessoa humana.
Tentando formular uma definição de educação com rigor diremos que se trata de uma relação (a) assimétrica (b), necessária ( a) e provisória (d), visando a emergência do de um sujeito (e). Desta definição retira-se algumas conclusões para entender o fenómeno educacional:
1º) há que encontrar na relação educativa o educador, cuja presença pode não ser directa nem imediata;
2º) a educação remete-nos sempre para um referente exterior à relação dual, seja ele os saberes, a cultura, os conhecimentos,etc;
3º) a educação não prescinde do esforço de outros homens na transmissão cultural;
4º) o projecto educativo supõe que os saberes e os conhecimentos sejam integrados pelo educando, falando-se a propósito de uma apropriação pessoal do que é transmitido pelo próprio educando;
5º) a educação não pode ser sinónimo de fabricar, deve antes apostar num voluntarismo e noa espaços de liberdade de maneira a que o educando possa revelar-se e consumar-se em sujeito.
A educação definida deste modo é, como dizia Freud, uma tarefa impossível. Mas não é menos verdade que é próprio do homem integrar e aceitar esta impossibilidade.
Ao invés, uma Escola que estabelece como meta a instrução preocupa-se com a acumulação de conhecimentos, valoriza formas que conduzem a um modelo único e rígido de homem e toma atitudes que se ajustam à metáfora do oleiro - professor -que tem um pedaço de barro - o aluno - a moldar a criança e o adolescente, os quais , segundo esta perspectiva, são moldados (instruídos) sujeitando-se a uma repetição do saber académico existente e adquirindo uma concepção de ciência limitada a conhecimentos factuais, não explorando situações do seu quotidiano (Leite e Silva,1991).
Instruir (in-struere) equivale a edificar na mente, mas a educação reveste um sentido muito mais lato, pois não se limita ao intelecto, visa antes a personalidade total do educando
Cournot no século passado valorizava a instrução sem, no entanto, recusar inteiramente a outra vertente educacional. E, hoje em dia , não será completamente estranho a isto, e escolaridade obrigatória, se bem que esta tenha também de ser vista por outros, e mais amplos, fundamentos sociais.
Outra noção utilizada é a do “ensino-aprendizagem”: ensino significa etimologicamente uma acção para...; enquanto aprendizagem é o correlativo lógico do ensino; pelo que o sentido de ambas só ganha pleno alcance na sua articulação conjunta.
Porém, será certamente redutor resumir a educação à escolaridade, pois ultrapassa de longe os estreitos limites desta. A Educação prolonga-se ao longo de toda a vida individual, incluindo hoje a formação profissional e permanente dos adultos, por exemplo.
Além disso, a educação confinada à instrução é questionada por propiciar desse modo a reprodução do sistema de estratificação social
A pedagogia poderá ser encarada como uma arte de educar, um saber-fazer , uma prática educativa que se baseia num saber que se quer transmitir e em meios facilitadores dessa transmissão. Algo, portanto, bem distinto das Ciências da Educação, que pressupõe já uma reflexão metódica e objectiva sobre a educação, e o controle científico dos seus métodos e resultados. Não obstante, ou talvez por causa desse diferente estatuto, certo é que toda a Educação tende a dar origem a uma pedagogia.(Debesse,197 )
Quanto à educação, João Fatela adverte que se trata de uma tarefa impossível, mas indispensável. E acrescenta: “A educação é um acto de revelação, no sentido fotográfico do termo, que permite o desabrochar da paixão criadora, adormecida, e dos laços de alteridade que definem o homem como ser social (...)Porque permanente é sempre incompleta. Cada homem é o seu próprio e único artífice e daí a impossibilidade radical de qualquer projecto educativo.” (Fatela,1979). Repare-se que a educação não se confunde com o ensino formal, nem com as instituições que o asseguram, nem muito menos com um processo ou sistema pedagógico. A educação faz-se, como bem assinala Fatela, com o que menos se espera que ela se faça. A revolução industrial ligou-a à escolaridade e a especialistas, mas trata-se de um equívoco. A educação confunde-se sim com a vida. Outro dos mitos modernos sobre a educação é o da inocência infantil da criança invocada por Locke no seu «Some thoughts concerning education», e por Rousseau no «Émile». Freud desmente, no entanto, esta visão mítica ao descobrir a sexualidade infantil.
O problema com que nos debatemos quando pretendemos definir educação é o das suas finalidades. É que toda a definição de educação supõe já os fins últimos a que deve obedecer. Com o risco de não sermos exaustivos podemos, no entanto, apontar alguns conteúdos das diversas definições que têm sido propostas para a educação:
a) A ideia de aperfeiçoamento;
b) Um meio para atingir os fins do homem ( a fim de que se realize em toda a sua plenitude);
c) Uma ordenação e organização;
d) Uma acção derivada da influência humana;
e) Intencionalidade ( no sentido de uma actividade planeada e sistematizada);
f) Acção referente a características especificamente humanas;
g) Ajuda ao contínuo aperfeiçoamento do homem;
h) Processo de individualização ( tratar-se como um meio de realização individual);
i) Processo de socialização;
j) Processo dinâmico, permanente e inacabado. (Ferrández-Sarramona)
As finalidades educacionais podem também ser imanentes ou transcendentes ao indivíduo; gerais ou particulares, tudo dependendo do enfoque a que cada um aderir. Como quer que seja, toda a possibilidade educativa reside numa concepção de homem como “ser possível”. Negar a liberdade ao homem é impossibilitar a educação, uma vez que esta pressupõe uma flexibilidade na conduta do indivíduo que possa justificar a acção educativa. Tal possibilidade de transformação (isto é, a sua flexibilidade) dá origem à noção de “educabilidade” introduzida por Herbart, fundador da chamada pedagogia científica, e pela qual se entende a possibilidade do homem em realizar-se graças à educação.
Mais: defende-se que só o homem educado poderá ser livre, só assim poderá ele gozar dessa possibilidade.
Fullat distingue, por seu turno, entre “educandidade” e “educabilidade”. Prerrogativa humana seria apenas aquela, por que o tigre também se educa com as artes circenses. A especificidade humana não estaria em que se pode educar, mas sim que se tem de educar: a educação seria constitutiva do homem, seria uma verdadeira antropogénesis. (Fullat,1992)
Obviamente que à educação não são estranhos os valores. É em função deles que se idealiza uma educação, que nos seus aspectos mais autoritários pode levar ao endoutrinamento, mas que o acto de educar não prescinde, pressupondo, por conseguinte, uma ética na sua realização.
Bertrand Russel levanta a questão de saber se a educação deverá treinar bons indivíduos ou bons cidadãos, sem esquecer que um bom hegeliano tentaria fazer a síntese e proclamar que um bom indivíduo seria o que contribui para o bem da totalidade. Mas na prática as coisas são bem diferentes: cultivar um indivíduo não é o mesmo que produzir um cidadão útil (Goethe foi um cidadão menos útil que James Watt, mas certamente um génio humano). É grande a tentação dos governos se preocuparem apenas com a formação de bons e úteis cidadãos, o que leva aquele pensador inglês a considerar a educação como uma das forças reaccionárias mais sólidas no mundo moderno, por tender a estiolar a criatividade e a imaginação individual, propugnando em consequência a soit-disant teoria negativa da educação que defende como finalidade desta o assegurar oportunidades cada vez maiores de desenvolvimento individual. para o que haveria que eliminar todos os obstáculos a esse desenvolvimento.(Russel,1982)
Lobrot aproveitando a história do pensamento laico constrói uma história da educação a partir das crenças e da repressão à individualidade a que estas se encontrariam associadas, e que têm conduzido à neutralidade da criatividade e da humanidade, citando Freud em abono da sua abordagem: «Muitas poucas pessoas civilizadas são capazes de levar uma existência perfeitamente autónoma ou simplesmente emitir um juízo pessoal» (Lobrot,1974).
À educação não são alheios também uma teoria de comunicação, bem assim uma sistémica que a contextualize no conjunto do sistema social
Dum ponto de vista sociológico são normalmente assacadas à educação várias funções que esta deve preencher: função socializadora, personalizadora, de capacitação profissional, de selecção social, de mudança social, e funções económicas e políticas específicas - a serem consumadas no seio dum sistema social dado, por intermédio de dispositivos apropriados.
Fala-se também a propósito de educação formal, não -formal e informal, como formas diversas do processo educacional, e que tem a virtualidade de insinuar o domínio vasto e amplo da educação.

2.2 PEDAGOGIA

O conceito de pedagogia é de origem grega (paidogôgos = condução de crianças ) e significa para Planchard “ a ciência e arte da educação”. Para outros , a pedagogia é a teoria e prática da educação. Não se substitui à prática, o seu papel é antes o de a guiar, de esclarecer, de a ajudar.
A pedagogia nunca deixou de se transformar e nos dias de hoje, mais do que nunca, a pedagogia e os temas pedagógicos têm sofrido uma mutação tão grande que questões centrais da pedagogia de há meia dúzia de anos têm hoje um sabor arqueológico indisfarçável . Mas também não é menos verdade que a inovação do léxico pedagógico esconde práticas com séculos de existência!
Como quer que seja uma pedagogia é sempre legatária de certas premissas antropológicas e sociais.
Contra a pedagogia antiga, levantaram-se autores em defesa de uma pedagogia fundada no melhor conhecimento do aluno. Precursores deste visão foram Coménius (1592-1671), Rousseau, Pestalozzi, cujas obras e ideias abriram caminho aos métodos activos da Escola Nova de John Dewey, Maria Montessori, Celestin Freinet. Desde então floresceram métodos e conceitos pedagógicos desde a “pedagogia por objectivos” até à “pedagogia do projecto” passando pela “pedagogia diferencial”, numa panóplia instrumental variada ao dispor do educador.
As origens da experimentação em pedagogia remontam ao séc. XVIII quando se criaram escolas para aí aplicarem os métodos preconizados pelos seus mentores. Pestalozzi, discípulo de Rousseau, tentou, sem sucesso, aplicar as teorias de Émile. Outro exemplo, entre muitos outros, foi o de Paul Robin à frente do orfanato de Cempuis.
A pedagogia experimental fundada por Binet e Dr. Simon pretendia dar ao ensino aquilo que a ciência tinha dado à medicina. Deveria ser, segundo aqueles autores, o estudo metodológico das reacções dos alunos face aos processos ministrados de ensino.
Pedagogia e didáctica não se confundem. Enquanto esta parte da hipótese que a especificidade dos conteúdos é determinante na apropriação dos conhecimentos, a pedagogia prefere atender às relações entre educador e educando, e estes entre si. A uma interessa a relação com o saber, a outra a relação com a norma que regula as relações inter-individuais. Quanto à didáctica há quem veja nela uma descrição das acções de ensino-aprendizagem, outros preferem ver nela um conjunto de prescrições sobre o que há a fazer, outros ainda vêem nela uma forma de sugerir, inspirar, aconselhar. Fala-se ainda de didáctica geral ou didácticas específicas conforme se trata ou não de inventariar princípios e conceitos comuns às diferentes didácticas disciplinares.
Não escasseiam propostas e correntes pedagógicas: pedagogia tradicional, marxista, libertária, anti-autoritária, activa, institucional, existencialista, personalista, tecnológica, pós-moderna, etc. Todas elas partem de pressupostos antropológicos que explicam as metodologias preconizadas e a definição dos objectivos pedagógicos. Acentuam cada uma à sua maneira uma determinada variável susceptível de influenciar positivamente as aprendizagens: o interesse ( Claparède), a acção sobre objectos ( Piaget), a qualidade da relação pessoal (Rogers e Neill), a importância das interacções sociais ( Cousinet), o desejo de saber (pedagogia institucional ), etc. sem que se esqueça que algumas delas falam das variáveis-travão à aprendizagem, tais como a não-disponibilidade das operações mentais ( Piaget), o peso de determinismos sociais ( Bourdieu), a ausência de modelos de identificação. Na prática, a tendência é de «dialectizar» muitas destas variáveis.
Debesse e Mialaret preferem a expressão Ciências Pedagógicas para o seu monumental estudo sobre a educação (“Traité des Sciences Pédagogiques”), justificando-se pelo facto da expressão escolhida implicar o rigor e a objectividade que são próprios à actividade científica. E acrescentam:” A pedagogia, que é uma prática reflexiva da educação, apoia-se sobre um saber que se quer transmitir, sobre um saber-fazer que facilite essa transmissão (...) tende a tornar-se nos nossos dias uma das ciências humanas mais necessárias:” E rematam dizendo “a pedagogia não é mais uma receita, mas uma pesquisa” (Debesse, Mialaret,1969).
Já Luis Not não poupa críticas à pedagogia. Define-a segundo um modelo unidisciplinar, visionando-se ao longo de uma evolução que começou por vê-la como arte de educar até se tornar uma prática teorizada, como um conjunto de técnicas educativas, e que abrangia uma componente teórica como uma pedagogia aplicada. Vista como teoria da educação com um conteúdo normativo, é recusada à pedagogia o estatuto de ciência (Not,1984).
Na esteira desta perspectivação há autores que falam da substituição do paradigma pedagógico pelo paradigma emergente das Ciências da educação. (Leite, Silva, 1991). Escrevem estas autoras: “a pedagogia, enquanto modelo fundamentador da acçãp educativa, constituiu-se numa unidade monolítica pois, , embora apoiando-se em conhecimentos de outras ciências ( fundamentalmente da psicologia), utilizou-os de forma diacrónica, linear estática, sem preocupações de enquadramento da realidade concreta em que se situa a acção educativa. Pensamos mesmo que a pedagogia, como modelo de formação de professores/educadores nunca ultrapassou, na prática, a preocupação de «arte de ensinar», isto é, de instruir os alunos em programas previamente determinados por instâncias alheias às suas necessidades reais de formação e ao contexto situacional e social em que decorre a educação”, para mais adiante acrescentarem - “a incapacidade da pedagogia em perspectivar a educação como fenómeno complexo e global que é, tem-se traduzido, ao nível de formação dos professores, na falta de capacidade destes para compreenderem o papel da escola numa sociedade progressivamente hiper-escolarizada.”
Pierre Gillet, em contrapartida, recusa a competência das Ciências da Educação para intervirem na prática educativa, censura-as por serem mero campo de aplicação de teorias deduzidas de problemáticas que lhe são externas, e critica-as pela sua teoricidade. Postula a necessidade da constituição de um saber que seja próprio da função educativa, cabendo à pedagogia a teorização daquela prática, que se transmutaria numa praxiologia educativa. ( Gillet, 1987)




2.3 CIÊNCIA

Resta-nos falar do último termo e que na actualidade se reveste de não poucas dificuldades na sua formulação. Referimo-nos à Ciência.
Costuma dizer-se que esta nasceu na Grécia, por volta do séc. VI a.C., como resposta à necessidade de fundamentar e sistematizar o saber. O termo Ciência ficou ligado à ideia de um conhecimento certo, por oposição a um conhecimento incerto. Tal era a posição de Aristóteles, para quem a ciência deve conduzir ao conhecimento definitivo, certo e imutável. Para isso, procurou construir um corpo unitário de saber, concebendo a Ciência como um conhecimento demonstrativo. Valorizava as definições, pois é com elas que se pode imprimir um significado unívoco. Com o que se conclui que a linguagem tivesse uma importância decisiva para a construção da Ciência. A importância da linguagem é subscrita nos nossos dias pela Filosofia Analítica.
Os Antigos Gregos não separavam a Ciência da Filosofia, o que só se vem a dar com Galileu ao utilizar o método experimental, baseado na observação rigorosa, metódica, matematizada, orientada para a explicação dos factos, através da formulação de hipóteses e verificação das mesmas, consumando-se na elaboração de leis científicas.
A utilização da matemática na linguagem científica e o uso de instrumentos permitiu ao cientista ultrapassar a percepção imediata e subjectiva da realidade, introduzindo na verificação dos fenómenos a busca de objectividade, de forma a que as conclusões científicas possam ser verificadas por qualquer membro da comunidade científica. A Ciência distingue-se assim do senso-comum, visto este ser um conhecimento espontâneo, não metódico nem sistemático. Também distingue-se do conhecimento religioso porque recusa a autoridade transcendental e o dogma. E distingue-se ainda da filosofia.
Com Galileu a matemática torna-se o modelo e fundamento da unidade das ciências. Descartes identifica os princípios matemáticos com a própria razão. O seu projecto é o de fundar o conhecimento na actividade de um sujeito racional. Surge a pretensão de elaborar normas absolutas da cientificidade. Locke preconiza, por sua vez, que é típico da ciência partir dos dados empíricos, e, pelo método indutivo, encontrar as leis matemáticas que os regulam.
Kant diferencia o cientista e o filósofo: o primeiro tem fins restritos, o segundo é o seu legislador, que estuda os fins essenciais da razão humana. Para ele o conhecimento científico não pode ser explicado apenas pelo racionalismo ou pelo empirismo, pois que os juízos da ciência são juízos sintéticos a priori: os objectos da experiência só se organizam em conhecimentos quando submetidos à intervenção do raciocínio, que os separa, categoriza e exprime em forma de leis. Esta concepção kantiana não está longe da visão contemporânea que postula o conhecimento científico como aproximado e provisório.
No séc. XIX dá-se a especialização das ciências, tornando-se insustentável a proeminência da matemática no quadro geral das ciências, e obrigando a rever a velha concepção da unidade das ciências. Comte considerava haver 6 ciências fundamentais, com objectivos, métodos e estruturas muito distintas: matemática, astronomia, física, química, biologia, e sociologia.
Mais tarde preferiu-se a destrinça entre ciências empíricas (cujos enunciados se referem a factos, afirmando ou negando algo acerca do que sucede no mundo) e ciências formais ( cujos enunciados não se referem a factos, tal como a matemática e a lógica, e utilizam uma linguagem artificial ). Aparecem, entretanto, as ciências humanas, desligadas da filosofia, e que se ocupam dos factos humanos segundo o modelo das ciências naturais. Mas as ciências humanas têm dificuldade em se afirmarem como ciências devido à relação sujeito/objecto de conhecimento. O modelo das ciências naturais, baseado no determinismo e mecanicismo da física newtoniana, tinha por ideal um conhecimento absolutamente certo, demonstrável, que constituísse uma visão coerente dos factos sem contradições nem incertezas. Ora, este modelo estava longe de ser realizado pelas ciências humanas, apesar dos esforços positivistas.
Mas novas descobertas científicas em matemática e em física puseram em causa a geometria euclidiana e a física newtoniana e acabam por abalar o paradigma científico até então existente ao desmentirem o princípio do determinismo e ao introduzirem a incerteza na matemática que passa a depender do sistema de axiomas estabelecidos. Fala-se, não sem despropósito, de crise da ciência moderna.
As ciências naturais que antes eram o modelo da ciências humanas, acabam por se aproximar a estas pela desabsolutização das leis científicas em teorias científicas. Recupera-se a velha ideia da unidade das ciências e procura-se um novo paradigma científico.
Os neopositivistas invocam o critério da verificabilidade para demarcar a ciência de outros tipos de conhecimento e saber. Popper substitui esse critério por um outro: o da falsificabilidade. Mas também este critério é contestado pelo facto de poderem coexistir teorias contraditórias (ex: a teoria corpuscular e a teoria ondulatória, ambas para explicar os fenómenos luminosos) com a mesma credibilidade científica.
Thomas Kuhn constata não ser possível uma conclusão unívoca para muitas questões científicas, e só a existência de uma tradição de solução de enigmas especifica e caracteriza a ciência. Assim, considera que a questão o que é a ciência não pode ser desligada de uma outra questão sobre qual é especificidade do trabalho científico: a ciência seria então uma actividade específica de uma comunidade específica, contendo limites de ordem institucional, social e cognitiva, empenhada a resolver enigmas (convencionalismo kuhniano). A ciência segundo o mesmo Kuhn, está sujeita a crises e desenvolve-se por paradigmas. Um paradigma constituiria uma visão do mundo expressa numa tradição de conceitos, problemas, normas e regras de pesquisa. A mudança de paradigma corresponderia a uma revolução científica.
Feyerabend critica o monismo metodológico, a unificação da ciência e distinção radical entre ciência e metafísica. Para ele não demarcação entre ciência e não-ciência, mas sim uma intercepção entre história, ciência, filosofia, política e moral. Defende um pluralismo metodológico na pesquisa científica.
Face a tal evolução não espanta que se fale de crise e da emergência do novo paradigma de ciência, acabando o pós-modernismo a proclamar o relativismo.
Boaventura de Sousa Santos insere-se neste movimento de desdogmatização da ciência, e constatando que “...o conhecimento científico passou a justificar-se, não pelas suas causas, mas pelas suas consequências” propugna uma hermenêutica como pedagogia da construção de uma epistemologia pragmática, de forma a aumentar a competência linguística tanto de cientistas como cidadãos - afinal, os destinatários últimos da ciência - , potenciando assim a comunicação mútua entre ambos (Santos,1989). Noutro momento, o mesmo autor recorda que o processo de conhecimento tem sempre lugar numa dada comunidade interpretativa, a qual é feita por esse mesmo conhecimento. Construir um conhecimento é pois reinventar uma comunidade e remete para a sociologia de libertação (sob inspiração de Orlando Fals Borda) como exemplo de conhecimento emancipatório que capacita os membros da comunidade para o exercício de novas competências sociais com vista a uma nova cidadania individual e colectiva (Santos,1991).
Este breve panorama sobre a noção de ciência não estaria completo se não invocássemos a pensadora e química belga Isabelle Stengers que num livro recente depois de lembrar a distinção entre ciências duras e ciências moles, e uma certa tendência masoquista destas, reclama para o debate sobre a crise da ciência um certo “humor da verdade”, nem relativista nem positivista. E o seu humor constitui uma verdadeira revolução: as coisas descobertas pela ciência existem independentemente do observador; debateis o que quiserdes que nem por isso a Terra deixa de girar e o sangue de circular...

3. BREVE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E A EMERGÊNCIA DA PEDAGOGIA MODERNA


A educação de Esparta destinava-se a criar guerreiros, e era uma tarefa de toda a cidade- estado. A finalidade era o bem supremo da cidade. Em Atenas, pelo contrário, pensa-se em formar o cidadão, o que realizado na vida política, nos jogos olímpicos, na ágora, nas festas religiosas, no teatro, tudo isto no respeito pela individualidade e da liberdade da pessoa. O ideal da educação grega concretiza-se na kalokagathia, isto é, na bondade unida à beleza; daí o fim último do homem em viver feliz e com harmonia e beleza. Péricles e Sólon prescreveram normas legais sobre a educação. Hipócrates delineou, pela primeira vez, várias idades ( oito) evolutivas do indivíduo, correspondendo cada qual a requisitos específicos (por ex., a 1ª idade é a da infância e da educação familiar, e em que as crianças são entregues aos cuidados da mãe; já a 2ª idade corresponde à Paideia, e onde aparece o pedagogo que acompanha a criança à escola, onde esta aprende música, literatura e ginástica, além de lições de gramática e de rudimentos de aritmética, e em que se liam ainda autores clássicos). Aparece, mais tarde, Pitágoras que sistematiza pela 1ª vez as exigências que a educação há-de cumprir. Contrapõem-se em seguida o ensino sofista ( valorizando a retórica e a dialéctica) e a escola socrática ( cujo objectivo substancial é a virtude e a verdade).
Em Roma encontramos poucas inovações pedagógicas mas, em compensação, muitas acções educativas. A educação da criança é feita na família e no respeito pelas tradições. Não havia teorizações, e perfilhava-se o método de ensino activo. Para Séneca toda a formação deve estar profundamente imbuída de moralidade contra o saber presunçoso e formal. Quintiliano preconiza que o homem perfeito em moralidade e sabedoria é o orador.
O Cristianismo substitui os modelos de “homem sábio” e de “homem prático” pelo modelo de “homem santo”. Cada qual haveria de procurar a sua salvação e de responder pelos seus próprios actos. Recorde-se que a didáctica de Cristo baseava-se numa linguagem simples, na adaptação desta ao auditório, e ausência de termos técnicos e filosóficos. A Igreja encarrega-se do endoutrinamento religioso, e só aos poucos aparecem as escolas estreitamente ligadas à Igreja. A Patrística, especialmente a de raiz oriental com Clemente de Alexandria, legou-nos ideias e propostas pedagógicas que têm merecido lugar na história da educação.
A educação medieval visa a perfeição cristã, domina o princípio de autoridade, de origem divina, pelo que o docente mais não é que o intermediário, derivando daí a “lição”, já que ao mestre cabia apenas ser um simples leitor. O ensino era memoralista e verbal - em oposição ao raciocínio próprio e à criatividade. O pessoal docente era recrutado junto do clero., e numa fase inicial apenas havia escolas monacais ( internas ou externas ). Sob o impulso reformador de Carlos Magno florescem 3 tipos de instituições educativas: as escolas palatinas ( para os filhos dos aristocratas), as paroquiais ( para formação religiosa) e as catedralícias ( unindo a formação religiosa e laica). O conteúdo do ensino era o trivium (gramática, retórica e dialéctica) e o cuadrivium ( aritmética, geometria, astronomia e música). Valorizava-se fundamentalmente uma formação humanística. A didáctica permanecia a mesma: ensino dogmático e memoralístico com recurso a castigos corporais. Emerge nessa altura o ideal e a educação de cavalaria. Fenómeno aparte é o do aparecimento das Universidades como organizações corporativas e com acentuados traços ideológicos . A didáctica , isto é, o método de ensino aplicado consistia na leitura inicial por parte do professor, a que acrescia comentários do próprio, mas sempre dentro da ortodoxia cristã ( a ideia era desentranhar do texto o sentido das palavras do autor que os alunos não conseguissem entender), seguindo-se depois a disputatio, ou seja, a apresentação das opiniões dos alunos e respectivo debate, tudo isto segundo os mais férreos princípios lógicos aristotélicos.
O Humanismo renascentista reforça a retórica em detrimento da filosofia, estudando-se os autores clássicos e revaloriza-se as gramáticas das línguas maternas. Do naturalismo inicial evolui-se gradualmente para um formalismo da palavra.
Não admira pois o aparecimento no século XVII do Realismo Pedagógico que pretendia remar contra esse estado de coisas. Dois autores deram uma contribuição para esta nova concepção. Para Bacon é importante observar a natureza; valoriza a experimentação no ensino, preconizando a substituição dos livros pela observação da natureza. Considera-se Bacon o introdutor da Pedagogia positivista. Descartes demonstra a importância da dedução , emprestando uma nova visão da aprendizagem ao preferir a interpretação ao memorialismo antigo; pretende igualmente formar a mente para que esta possa estudar qualquer matéria disciplinar.
Mas foram Ratke e Comenio os verdadeiros fundadores do Realismo Pedagógico naturalista. Para o primeiro a didáctica que se baseia no método natural tem as suas regras precisas que derivam da natureza pela qual são formadas a memória, o intelecto, os sentidos. Mas o autor mais representativo é, sem dúvida, Comenio, para o qual a educação é uma arte, devendo o ensino ser integral , e inspirar-se no seu ideal pansófico de “tudo para todos”; postula a integração da aprendizagem, e não a sua fragmentação, defende a aprendizagem, intuitiva da leitura e da escrita; e advoga uma instrução utilitária. Em suma: valoriza-se a experiência, a intuição e a natureza.
O Iluminismo do séc. XVIII vangloria a razão e a natureza, e um certo utilitarismo. Defende-se o laicismo no ensino e proliferam instituições culturais ( Conservatórios, etc) Importante é mesmo educar cidadãos úteis à agricultura, indústria, etc, pelo que se atacam as “ciências inúteis”, e as disciplinas técnicas e científicas substituem as disciplinas literárias e retóricas.
Rousseau glorifica o estado natural do homem e a sua inocência e contrapõe-lo à contaminada sociedade que o acolhe. É um revolucionário na pedagogia porquanto ao contrário das correntes anteriores que tentavam formar o homem segundo modelos sociais ou religiosos previamente estabelecidos, pretende-se agora formá-lo de acordo consigo mesmo a fim de que o homem possa ser plenamente tal qual ele é.
A influência de Rousseau vai fazer-se sentir em todo o século XIX, nomeadamente na chamada Pedagogia psicológica que defende a ideia segundo a qual se a educação deve respeitar a natureza e coadunar-se com a realidade espiritual e a natureza do sujeito educando, deverá então fundar-se na ciência nascente que é psicologia. Destacam-se nesta escola Pestalozzi e Herbart.
Para Pestalozzi há que respeitar a individualidade do sujeito, ter em conta a experiência singular deste, e a sua curiosidade intelectual. Defende uma educação progressiva, uniforme, e integral. Ataca o verbalismo e defende a educação física.
Herbart é considerado o autor da pedagogia científica. Na linha de Locke, ele postula os sentidos como os meios através dos quais se adquirem conhecimentos. O meio envolvente e os métodos que fazem chegar a realidade ao sujeito são objecto de particular atenção para Herbart. Dá grande importância ao papel do professor cuja influência sobre o educando é enorme pelo que ele é um dos temas caros à pedagogia herbartiana. Aponta o interesse como a força motriz que deve orientar o ensino. Propõe 4 etapas na aprendizagem: clarificação, associação, sistema, método.
Nos últimos anos do século passado assiste-se à importação do método experimental das ciências da natureza para o domínio das ciências humanas. Wundt cria o primeiro laboratório de Psicologia experimental.
A Educação não fica imune a esta tendência. A observação como método para conhecer o indivíduo a fim de lhe outorgar uma educação de acordo com a sua forma de ser cede em face da experimentação que se pretende fazer sobre o comportamento. Até aí aplicava-se o método dedutivo na pedagogia: de normas gerais procurava-se aplicá-las casos específicos. A partir de agora o caminho será o inverso: analisar as situações pontuais, e retirar delas as normas que hão-de reger a educação. Trata-se de abrir o passo à experimentação educacional.




4. ESTADO

“Sem fé, sem lei, sem rei” - era assim que no século XVI o Ocidente falava dos povos indígenas, caracterizando desta volta a sociedade primitiva. Inversamente, toda a sociedade não primitiva teria um aparelho estatal. (Clastres, 1974). No entanto, sociólogos e antropólogos têm demonstrado que existe poderes que não se confundem com os do Estado, sendo possível encontrar sociedades sem Estado, em relação às quais é estranho qualquer ideia de a instituição de um poder político acima da sociedade. Obviamente que tal não impedia que não conhecessem as noções de autoridade e coerção, até pela razão simples de os respectivos líderes e chefes estarem revestidos de um prestígio, de carisma, e de dons especiais o que levava a que a partir dele irradiasse uma influência, uma autoridade dificilmente contestada. Como quer que seja, certo é que as investigações antropológicas e etnológicas levam-nos à conclusão que o Estado nem sempre existiu.
A História, por seu turno, tem-nos mostrado como foi a génese do Estado moderno. Recorde-se que na Antiguidade Clássica tudo gravitava em torno da “Cidade” - vista assim como uma organização delimitada, unificada, composta por homens livres - mais tarde substituída pelo “Império”, entidade e estrutura adoptada por Roma. O estado moderno, como poder político institucionalizado, começa a desenhar-se no seio da sociedade feudal do século XIII e XIV, em reacção contra o poder senhorial e eclesiástico. Enquanto no regime feudal subsistiam vínculos e laços individualizados, a máquina estatal moderna assenta em instituições. Logo aí se denota a diferenciação entre a autoridade ( fundada na instituição) e o indivíduo que a exerce. O Poder deixa de estar incorporado em individualidades para se construir com base em estruturas jurídicas explícitas regulando as relações públicas e privadas. “No Estado, o Poder é institucionalizado no sentido em que é transferido da pessoa dos governantes que não mais o têm, para o Estado que se torna o único detentor do Poder” (Burdeau,1970). Trata-se aqui, não o esqueçamos, de uma concepção continuísta do Estado, por conseguinte.
A edificação do Estado moderno é feita segundo parâmetros que vão desde a institucionalização até à centralização do aparelho coercitivo, passando pela especialização dos agentes do aparelho estatal. A convergência destes linhas de evolução conduz ao nascimento do Estado moderno e que se traduz na transferência para o Rei dos diversos vínculos de natureza feudal.
Aparece, pois, progressivamente uma estrutura durável e soberana, a quem pertence juridicamente a autoridade suprema, e que exclui toda a subordinação e potencial concorrência de autoridade, tendendo para a identificação de cada estrutura estatal com a comunidade etno-linguística que lhe era subjacente, e que viria a culminar no Estado-nação.
Para Maquiavel o príncipe ( como figura de Soberania) tem uma relação de transcendência com o seu principado, está acima da lei, e a sua acção não tem limites morais a não ser os critérios de eficácia. Já para Hobbes a teoria da soberania absoluta associa-se à ideia de um «contrato» (visão contratualista do Estado), concebido como forma de abandonar um «estado de natureza» insustentável e, assim, fundar voluntariamente uma organização social.
O livre arbítrio do soberano articula-se com a ideia de que a realidade social não é aleatória, devendo o soberano «ilustrado» conhecer as leis que regem os comportamentos das populações, pelo que as leis deixam de ser imperativos morais, mandamentos divinos, para se transformarem em leis científicas, em regularidades necessárias.
Henri Lefebvre na sua conhecida obra «De l’Etat» escreve: “O Estado realizou aquilo que nenhuma religião e igreja conseguiram fazer: conquistar o mundo, alcançar a universalidade, ou pelo menos a generalidade, assumir , tal como o mercado, a qualidade planetária”. A concepção classista do Estado perspectiva-o dentro de um sistema económico dado, que é o capitalismo, separado da sociedade civil, e estuda a sua evolução sob diversas formas mas sempre indexando-o aos superiores interesses de uma classe, e sem nunca perder aquela natureza classista e o seu fundamento histórico no transcurso da evolução socio-histórica. Na terminologia marxiana o Estado e as superstruturas política e jurídica têm a função ideológica e de controle formal ajustada às exigências da classe social dominante, estando assim identificados com a racionalidade instrumental da infra-estrutura socioeconómica. São propostas teses funcionalistas ( Ralph Milibanb, Paul Sweezy) e teses estruturalistas (Poulantzas) sobre o Estado.
Claus Offe critica ambas as perspectivas por só examinarem as determinações externas à actividade estadual, e nenhuma trata dos mecanismos internos do Estado. O conceito que o cientista político alemão propõe é o de «mecanismos selectivos», os quais dentro do aparelho estatal serviriam 3 funções básicas:
1) selecção negativa, a fim de excluir sistematicamente da actividade estatal os interesses anticapitalistas;
2)selecção positiva, pela qual se selecionará a política que favoreça os interesses do capital no seu conjunto;
3) selecção de «mascaramento» para manter a aparência da neutralidade de classe da máquina estatal.
Offe ocupa-se então em estudar o carácter contraditório que estes mecanismos vão assumindo: demonstra, por exemplo, que muitas estruturas relevantes na selecção negativa (tais como os rígidos procedimentos burocráticos, e as defesas constitucionais e ideológicas da propriedade privada) são entraves para o desenvolvimento de mecanismos selectivos que garantam uma produção do Estado ao serviço dos interesses gerais do capital (Wright, Gold, Lo, 1985)
Boaventura Sousa Santos identifica o Estado com o Pilar da regulação no projecto sócio-cultural da modernidade, que é subdividido em 3 períodos: capitalismo liberal (onde se contrapõe a sociedade civil ao Estado); capitalismo organizado ( onde se assiste ao aprofundamento o relacionamento do Estado com o mercado através de progressiva regulamentação dos mercados, o que acrescido com as intervenções várias dará origem ao designado Estado-Providência); capitalismo desorganizado ( onde a fraqueza externa do Estado motivada pela transnacionalização da economia e do capital, é compensada pela frenética actividade institucional e burocrática do Estado, e reforço do seu autoritarismo). O resultado é uma desregulação global da vida económica, social e política, que no entanto, sublinha o autor, na esteira de Offe, coexiste com uma atmosfera espessa, de rigidez e de imobilidade ao nível global da sociedade (Santos, 1994)
Julgamos oportuna a inclusão desta referência ao Estado pois somos da opinião que
hoje em dia torna-se imprescindível a elaboração de uma Teoria do Estado e da Educação na esteira do que outros autores já preconizaram (Morrow, Torres,1997). E nem sequer é novidade este enfoque, pois é conhecido o contributo de Gramsci para essa temática. Não obstante, não se tratar de um autor que se tenha debruçado sobre a educação, a verdade é que aquele pensador italiano legou-nos uma contribuição valiosa para a compreensão que a educação pode ter numa teoria de transformação social. (Stoer,1982).
Para além deste aspecto relativo às relações entre Estado e educação, de que todos os autores tratam, a nossa intenção ao trazê-lo para o miolo do presente trabalho é de uma outra ordem, a saber: relacionar o processo de consolidação do Estado moderno e capitalista, e até a sucessivas formulações de política educativa, com a emergência das ciências da educação, a sua convocação pelos poderes estabelecidos no sentido de racionalizarem situações críticas e disfuncionamentos que à educação digam respeito. Só assim - considerámos nós - é possível contextualizar as ciências da educação, chamar a atenção para a sua utilidade política, e conhecer o projecto educativo (e político) que subjaz à criação daquelas.
Mas não só. A hipertrofia da função educativa do Estado moderno industrial, conduzindo-o a tomar a iniciativa de dar resposta ao aumento da procura do ensino, leva-o cada vez mais para esferas que pouco ou nada têm a ver com o acto de educar.
Mesmo na concepção hegeliana do Estado como educador por excelência da sociedade, cuja legitimidade arranca da sua definição de Estado ( “O Estado é a realidade em acto da ideia moral objectiva, o espírito moral como vontade substancial revelada, clara para si mesmo, porque se conhece, se pensa e se realiza no que sabe porque sabe” - segundo a nossa tradução livre), não é nada pacífica esta função estatal. Um Estado que formulasse os princípios de uma verdadeira educação, estaria a negar os seus próprios limites, negava-se si próprio enquanto poder. O paralelismo entre o Estado educador e a relação educativa ganha então todo o sentido se nos lembrarmos que a educação tem por fim a sua própria negação. O educador pretende optimizar o poder e a autonomia do educando, o verdadeiro educador é o que, desconfiando do poder, nomeadamente da hybris do poder polítida, e do perigo da sua própria potência como educador, procura suscitar o desenvolvimento do poder real do educando. ( Lévêque, Best, 1969)
Seria até interessante, a título de exemplificação, mergulharmos nos postulados educativos dos pensadores, pedagogos e políticos portugueses do último século até hoje. Por manifesta falta de tempo não nos resta outra alternativa senão remeter o tratamento do assunto para a obra do historiador Vasco Pulido Valente «Uma Educação Burguesa».

6. CIÊNCIAS SOCIAS E HUMANAS


A revolução científica e técnica e as transformações sociais e económicas advindas da revolução Industrial estão intimamente ligadas. A emergência das ciências humanas e sociais no século XIX acompanha esta evolução que transformou a velha Europa e o Mundo Novo. Novos problemas requerem estudos e saberes apropriados, não surpreendendo por consequência o aparecimento de ciências que se destinavam a equacionar os novos desafios decorrentes do desenvolvimento capitalista. Economia, Sociologia, Psicologia alinham neste movimento mais geral que pretendia explicar os bloqueios e as linhas de evolução das sociedades modernas. Cabia-lhes explicitar a razão pelas qual o mundo burguês era considerado o melhor dos mundos possíveis., descrevendo os mecanismos que asseguravam a sua harmonia, bem assim como o mundo industrial representava o clímax do desenvolvimento humano. Pedia-se-lhes que provassem não ser necessário actuar sobre os pretensos mecanismos espontâneos, no respeito duma ideia construída de natureza.
Mais tarde, quando a classe dominante se viu na necessidade de intervir nas forças espontâneas do mercado, ou a potenciar a acção humana, a importância das ciências sociais resulta acrescida. E assiste-se a novo e poderoso surto de investigação científico. O fenómeno ampliou-se com a Segunda Guerra Mundial. Psicólogos, Sociólogos, Economistas foram chamados a fim de assegurar a coesão e a eficiência social. Toda esta evolução traduz-se numa invasão da vida social pela ciência e a concomitante hiper valorização do conhecimento científico, endeusado pelo pensamento dominante. Saberes não produtivos nem utilitários são relegados para a penumbra. A ciência, ou melhor, uma certa concepção de ciência erige-se como guardiã da verdade revelada. O pensamento dominante não só pretende legitimar-se à custa da ciência como ainda procura justificar-se e fundar-se na racionalidade científica dominante. Curioso seria o estudo das relações entre as ciências sociais e os órgãos de decisão ao longo das últimas décadas que certamente validaria a hipótese construída.
Claro está que certos autores preferem falar das potencialidades inexploradas da ciência, em particular das ciências sociais, e a «neutralização» que as atinge a estratégia cultural perfilhada pelo poder estabelecido. Aceitámos uma tal concepção na condição de ser completada pela análise das linhas subliminares que vão tecendo um modo de pensar e de saber, desiderato do cientismo e das ciências como representações sociais na fase histórica presente.
As ciências sociais são construídas à imagem das ciências da natureza. Durkheim exige que se considere os factos sociais como coisas, e associa-se a sociologia uma física social. A Psicologia nasce num laboratório através de experiências realizadas segundo o modelo do experimentalismo naturalista.
Já Max Weber descobre na conduta humana uma inteligibilidade intrínseca que se vê no facto dos homens serem portadores de consciência. Face a esta particularidade distingue explicação ( apanágio das ciências da natureza) e compreensão ( reservada ao cientista social uma vez que este deve ser capaz de compreender o sentido subjectivo que os actores dão às suas condutas). A sociologia vem a traduzir-se pois em explicação como compreensão.
Foucault vai mais longe, e mostra como ao lado da vigilância, da normalização, a figura de exame assegura o domínio do poder sobre os corpos e os espíritos. Ele permite dividir e fragmentar a massa confusa e anónima do povo em individualidades de facto, ou seja, o poder introduz a individualidade, e através do processo de objectivação cria-se o indivíduo e transforma-o em objecto de saber.
O poder, longe de ser unicamente repressivo e censurador, é também produtivo: produz rituais de verdade, ciências humanas como a psicologia, a criminologia, etc. Se o Estado regula as regulações sociais e impede a explosão de litígios, então também as máquinas do poder são elas próprias estratégias de vida criadoras, dispositivos inventivos, funções e redes produtoras.
E sem complacências, Foucault escreve: “Se quisermos conhecer o conhecimento, saber o que ele é, apreendê-lo na sua raiz, na sua fabricação, devemo-nos aproximar, não dos filósofos mas dos políticos, devemos compreender quais são as relações de luta e de poder, e é somente nessas relações de luta e poder que compreenderemos em que consiste o conhecimento” (Foucault,1974)
Exemplo ilustrativo de como as ciências sociais segregam concepções do que é ser humano, temos o tratamento dado à infância no mundo moderno. Ao contrário do mundo medieval em que não se diferenciavam mundo infantil e mundo adulto, e em que a infância era definida em função das qualidades do adulto, mais precisamente pela falta ou imperfeição relativamente ao adulto, o século XVIII começa a ver com outros olhos a criança, vista a partir de então como uma entidade portadora de diferentes qualidades das do adulto. Philipe Ariès aponta 3 razões que explicam esta transformação coperniciana: a escola, ao separar a criança dos adultos; a família, ao organizar-se em torno da criança ; a diminuição do número dos nascimentos, como forma da família ministrar os cuidados necessários às crianças. Esta nova imagem da criança é indissociável da génese da categoria do «indivíduo» na época moderna, do centramento sobre a educabilidade dos humanos, e está na raiz da emergência das ciências do homem.
Como escreve Foucault, as ciências humanas “ aparecem no dia em que o homem se constituiu na cultura ocidental , simultaneamente como o que é necessário pensar e como o que há a saber.”
Recorde-se a classificação de Comte de ciências analíticas e de ciências sintéticas, segundo uma evolução orientada por uma generalidade decrescente e uma complexidade crescente, e que supõe um espírito e uma mente que evolui do elemento mais simples até ao mais complexo.
Piaget, como é sabido, divide o universo das ciências sociais e humanas em quatro agrupamentos: ciências nomotéticas ( que procuram extrair leis, no sentido de relações quantitativas exprimíveis sob a forma de funções matemáticas) de fazem parte a psicologia, a sociologia, a etnologia, a linguística, a economia, todas elas estudam os fenómenos segundo a dimensão diacrónica; as ciências históricas cujo objectivo é reconstituir e compreender o desenrolar de todas as manifestações da vida social no decurso do tempo; as ciências jurídicas cujas normas são prescrições de um dever-ser; e as disciplinas filosóficas que têm por traço comum uma coordenação geral de todos os valores humanos.
Finalmente, a proposta classificatória de Foucault, que vê o domínio da episteme moderna como um espaço volumosos, aberto a 3 dimensões: as ciências matemáticas e físicas; as ciências da linguagem, da vida, da produção e da distribuição das riquezas; a reflexão filosófica que se desenvolve como o pensamento do mesmo. Ora deste triedro epistemológico são excluídas as ciências humanas, isto é, não constituem um saber particularizado à parte, mas são sim incluídas em todas as 3 dimensões do triedro, o que explica, de resto, “a sua precaridade,a sua incertezacomo ciências, isto é, a complexidade da sua configuração epistemológica nas relações constantes que mantêm com aquelas três dimensões.” (Foucault, )
Decorre do que vem ser dito um evidente mal-estar, uma verdadeira crise das ciências sociais, que ela própria se alimenta de uma espiral de superprodução do saber, mas que cada vez domina menos.




7. CIÊNCIAS DA EDUCAÇÂO


Por todos é conhecida a dificuldade do estudo de realidades sociais e humanas que têm a ver não só com a familiaridade do objecto mas ainda com a singularidade humana e a própria dinâmica socio-histórica. Mas sob pena de condenarmos à partida toda a possibilidade de conhecimento científico há que reconhecer regularidades sociais que estruturam as relações sociais e os fenómenos que nos trazem ocupados por ora. Como concebê-las, como teorizá-las, como transformá-las é tarefa que transborda do momento presente.
Outro ponto que convém esclarecer é relativo à visão não tão inocente como isso que encara a educação como arte e engenho, que também limitaria a definição de uma campo científico reservado à educação, pois esta mais não seria que um conjunto de artifícios e de sensibilidades que singularizariam a relação educativa. Sem desprimor nem ignorância pela componente emocional, estética, presente na educação - de que, aliás, fazemos ponto de honra na nossa perspectiva pessoal - o certo é não subscrevermos um tal reducionismo. A educação tem contornos sociais, históricos, políticos, económicos que só ganham verdadeira dimensão se vistos sob o ângulo rigoroso do conhecimento científico.
A afirmação de que a educação pode e deve ser objecto de um conhecimento especulativo, na medida em que a educação carece de uma indagação teleológica acerca dos fins, dos valores que a justificam já deve merecer alguma problematização. Com efeito, uma coisa é o estudo positivo de desocultação dos fins e valores imanentes a um projecto educativo, outra bem diferente é a especulação-em-si sobre «o que deverá ser um boa educação», que julgámos - salvo melhor opinião - extravasar claramente dos propósitos da ciência. Esta não se compadece com boas intenções, ou reflexões existenciais de carácter educativo; o que pode é levar a cabo uma dissecação de todas estas operações. Não subscrevemos pois aquela tese segundo a qual face à diferenciação entre ciências positivas e filosóficas, as ciências da educação estariam a meio caminho de ambas já que fazem abordagens empíricas como um tratamento empírico dos fins da educação. Tal como um estudo histórico das filosofias não é propriamente fazer filosofia, também a averiguação das finalidades educativas do passado, ou potencialmente recenseáveis não pertence ao domínio da especulação filosófica.
De modo semelhante não considerámos do domínio científico as preocupações normativas presentes no acto educativo, mas sim o seu estudo positivo em disciplinas como Política Educacional, Legislação educacional, Administração Escolar, etc.
A expressão “Ciência da Educação” foi empregada pela 1ª vez por Julien de París em 1817, e faz hoje escola no mundo sob órbita da cultura francesa, enquanto no universo anglo-saxão se prefere a expressão “Investigação em Educação” para referirem a mesma realidade.
Sobre a unicidade ou pluralidade das ciências da educação há diversas perspectivas:
a) Os que defendem (Planchard) que existe uma única ciência da educação sob a designação genérica de Pedagogia, sendo todas as demais disciplinas como que simples auxiliares daquela, pelo que se designariam por “Ciências Pedagógicas”
b) Os que não questionam a existência de “Ciências da educação” na condição de se consagrar a Pedagogia como a ciência geral da educação
c) Os que admitem a existência de um conjunto de ciências relacionadas com a educação, mas independentes entre si, tendo apenas como denominador comum o tratamento do mesmo objecto de estudo. O facto de terem todas um mesmo objecto de estudo não é suficiente para lhes conferirem um unidade científica.
d) Os que conferem a designação de “ Ciências da educação” a toda a ciência relacionada directa ou indirectamente com a educação, o que teria por efeito um amplo universo das ciências da Educação ( Debesse-Mialaret).
Note-se que estes últimos autores destrinçam “Ciências da educação” que estuda a educação como processo, e incluiria as disciplinas fundamentais como a biologia, a psicologia, a sociologia, e por outro lado as “Ciências Pedagógicas” que incidiam na pedagogia, no trabalho formativo, nos meios e nos métodos adequados para essa educação, e que viria a abranger disciplinas como a história da pedagogia, a pedagogia comparada, a didáctica, etc.
Segundo este último entendimento as Ciências da educação constituiriam uma disciplina multidisciplinar que estudaria as determinantes do processo educativo, pelo que o biológico, o psíquico, o social, o cultural e o ideológico seriam objectos de investigação por parte daquelas que por isso vão utilizar quase todos os métodos e técnicas específicos das ciências humanas.
Edgar Morin não anda longe desta visão ao falar da emergência das «Ciências poli-disciplinares», citando o exemplo da ciência do Universo ( abrangendo a Astronomia, a Física, a Micro-Física, a Filosofia), as ciências da Terra, a Ecologia, a Pré-história. Acrescenta Morin que o aparecimento destas ciências constitui um verdadeiro desafio para o ensino, e traduz nos tempos que correm a ressurreição da missão do professor, porquanto permite, a quem transmite os saberes, articulá-los para lhes dar um sentido, bem como reencontrar ( ou conservar) o prazer de ensinar. ( Ver Le Monde, 9/1/1998).
Não faltam propostas de classificações das Ciências da educação, todas elas apostadas em arrumar o mesmo possível e à boa maneira aristotélica as múltiplas disciplinas que abordam o fenómeno educacional.. A inflação de tipologias tem a vantagem de desacreditar este intento de custe o que custar construir mapas e classificações das Ciências da Educação.
Indicam-se normalmente um conjunto mais ou menos variado de Ciências da Educação: Teologia da educação, filosofia da educação, biologia da educação, Psicologia da educação, Sociologia da educação, Economia da educação, História da educação, educação Comparada, Pedagogia Geral, Pedagogia diferencial, Didáctica, Organização Escolar, Orientação Educativa, etc
Mas duas questões são incontornáveis e merecem a atenção de um número considerável de estudiosos: o lugar a ocupar por uma disciplina como a Filosofia da Educação e o estatuto epistemológico das próprias Ciências da Educação.
Relativamente a primeira questão Adalberto Dias de Carvalho recenseia quatro tipos de respostas:1) a atitude metafísica de defesa de uma especialidade da Filosofia da Educação, no âmbito mais geral da filosofia, e que trataria em encontrar e imputar os fins últimos à prática educativa, estando portanto aquém ou além da objectividade empírica científica; 2) a atitude filosófico-analítica que arremete contra a metafísica e define a tarefa do filósofo na crítica e na clarificação da linguagem, neste caso, da linguagem que à educação diga respeito, pelo que a filosofia da educação não serviria para fornecer os princípios ou as bases da educação, mas tão-só estudar as propostas apresentadas mediante uma actividade crítica; 3) a atitude histórico-filosófica que traduz a Filosofia da Educação num estudo das ideias educacionais dos pensadores e filósofos, partilhando com a atitude metafísica da ideia que cabe à filosofia o direito de ditar os fins da educação; 4) a atitude cientificista que recusa a intervenção filosófica, e constata que o papel desempenhado pela Filosofia da Educação têm sido progressivamente assumido pelas ciências humanas que poderiam sem inconveniente dar a orientação e os meios de educar, pelo que aquela ficaria restringida a uma epistemologia a posterior e à função de assegurar um saber ordenado. (Carvalho,A. S., 1988)
Não é o momento mais aconselhado para tomarmos posição, no entanto não queremos deixar de recordar que nos parece curial a presença de uma Antropologia da Educação a fim de perscrutar qual é o homem que se pretende construir em cada teoria educativa, em cada pedagogia.
Sendo a educação um projecto sempre inacabado, caberia à Antropologia Educacional esclarecer os modelos e os padrões que se alcançam nos projectos educativos.
Quanto ao problema do estatuto epistemológico das Ciências da educação há, desde logo, que não confundir com a Epistemologia da Educação, isto é, o estudo dos fundamentos, limites, métodos e valor dos discursos pedagógicos e dos discursos próprios da acção do educador. Interrogarmo-nos sobre o estatuto epistemológico das ciências da educação é antes indagar acerca da unidade e pluralidade das Ciências da educação e relacionar esta questão com a temática mais geral sobre a unidade das ciências e das formas de conhecimento.
Haverá unidade nas Ciências da Educação, e terão elas autonomia para se constituírem em campo disciplinar independente de outras disciplinas próximas? Longe de estarem resolvidas estas questões são hoje motivo de debate e investigação.
Para quem parta de uma postura cepticista não surpreende a dificuldade em encontrar semelhanças nos métodos, nas técnicas, nos objectivos e na linguagem entre todas as chamadas Ciências da educação, salvo o objecto genérico comum a todas elas que é a educação, sem que com isso se negue a maior ou menor afinidade entre algumas delas. Mas uma coisa é constatar esta proximidade, outra bem diferente é sem mais hipostasiar todo um campo disciplinar homogéneo. A Educação é um fenómeno suficientemente vasto para não permitir reducionismos, convidando antes à colaboração profícua de uma gama variada de ciências, não sujeitas a uma lógica totalizadora e hermética. A resposta à questão da autonomia decorre naturalmente das considerações anteriores.
Face à pluralidade das Ciências da Educação, e da pluridisciplinaridade interna como a atitude a adoptar no seu estudo, defendida por Mialaret, um outro autor que se tem dedicado ao assunto propõe a procura de uma síntese das ciências da educação, a partir da construção de um saber relativo a um objecto perfeitamente definido e que é a educação, que gera uma problemática de conjunto que convida a pesquisas especializadas, mas sempre articuladas entre elas. Ora essa problemática, esse saber unitário conduz-nos à formulação unitária de uma Ciência da educação, que por seu turno originará uma praxiologia ( ciência da acção, ou seja, que estuda as condições de uma execução eficaz sobre um dado sector do real), e uma teoria do conhecimento geral sobre o fenómeno educativo, com a ajuda das ciências auxiliares.
Finalmente o método desta Ciência da Educação designar-se-ia como método integrado, isto é, reflexivo, sintético, teórico, discursivo, racional, e compreensivo.


8 - Conclusões

As questões são mais que muitas e falta tempo para um questionamento metodológico, quanto mais radical ( no sentido etimológico de raiz), das matérias convocadas para o presente trabalho. Não queremos terminar, porém, sem algumas remissões à laia de comentários mais ou menos conclusivos, mas nunca encerrados.
.Assim, é grande o mal-estar na investigação educacional de origem francófona pela “emergência magmática e fusional de um espaço investigativo interior à dinâmica dos processos educativos”, ao contrário da tranquila “tradição investigativa anglo-saxónica, a qual privilegiou sempre o esboço de espaços problematizadores onde as perspectivas disciplinares apenas confluem, evitando traçar fronteiras...” ( Carvalho,1991). Daí a legitimidade de George Lerbet ao interrogar-se se, dada a hipercomplexidade dos factos educativos, se pode esperar produzir um corpo disciplinar autónomo fundamentado num paradigma específico que seria da ordem da ciência com as suas condições de refutabilidade”.
“Lerbet condena, no fundo, a ilusão e o logro que representam as apostas no engendramento de «ortopraxias» através de ortodoxias, dentro da lógica da redução da relação teoria-prática ao princípio da aplicação e da domesticação da realidade.” (Carvalho, 1991)
Subscrevemos a afirmação de Adalberto Dias de Carvalho retirada da mesma fonte que temos vindo a seguir, e segundo o qual “não pode nem deve haver um saber em educação metodologicamente homogéneo; a complexidade e a diversidade das vertentes que a constituem impõem-no”.
Bernard Sichère no seu volume “Éloge du sujet” , fala do sujeito e não do indivíduo, entendido este por uma aporia de um ideal formal e eminentemente atómico de corpos privados de toda a subjectividade; nem ainda como essência, natureza ou identidade, mas sobretudo como um construir-se simultaneamente aleatório e necessário, definindo-se o sujeito como potência de singularidade e como acontecimento contingente e recusável. Do que se trata é de uma invenção do sujeito como ponto de resistência e afirmação de si., daí a referência a uma ética da resistência subjectiva e da singularidade. (Sichère,1990)
Talvez por isso é que ao defender a pedagogia, temos de renunciar procurar-lhe um objecto formal próprio, pois todas as disciplinas e ciências teriam algo de pedagogia, e esta bem podia ser substituída por uma antropogogia, uma educação de homens que não procure a segurança , mas antes o risco permanente. Uma educação assim não poderia deixar de trabalhar de modo a que a liberdade não seja apenas entendida nos estreitos limites de um sujeito, mas que brotasse como uma construção colectiva de sujeitos autonomos e livres.
Deleuze e Guattari mostraram que o triângulo pai-mãe-filho constituíram uma certa maneira de conter o desejo, de garantir que o desejo não venha a investir, e difundir-se no mundo que nos circunda, e que se mantenha encerrado no interior da família. O Édipo seria um instrumento de limitação e coacção que os psicanalistas utilizam para aprisionar o desejo. Em suma, Édipo é um instrumento de poder. Ora, justamente a Tragédia de Édipo de Sófocles é uma história de pesquisa da verdade. Na verdade, o tirano grego não detinha apenas o poder, mas também um certo tipo de saber, aquele que tinha o poder, porque fazia valer o facto de deter um certo saber, superior em eficácia aos outros. Era um tirano que sabe. Mas este excesso vai-o perder.
Talvez o excesso da ciência possa trazer a fissura indispensável para a emergência de sujeitos desejantes...

Autor do texto: AAS