A Associação Política Socialista Revolucionária (APSR) realizou esta sexta-feira, em Lisboa, um concerto de homenagem ao antigo dirigente do PSR José Carvalho, assassinado há duas décadas, à porta da sede do partido, por um grupo de extrema-direita.
José da Conceição Carvalho era conhecido no partido como “Zé da Messa”, por ter sido operário e membro da Comissão de Trabalhadores da Messa, uma empresa de máquinas de escrever do Concelho de Sintra, que encerrou em 1985.
Zé da Messa- a gente não se esqueceu de ti
Conheci o Zé da Messa nos anos oitenta. Eu era então um jovem estudante farto do bafio em que se tinha tornado a militância maiosta na UJCR (União das Juventudes Comunistas Revolucionárias). Talvez tenha sido muito por causa do Zé que fui ficando ali pela Rua da Palma e devagarinho fui entrando na militância do PSR.
O Zé não tinha preconceitos nem ideias feitas sobre as pessoas. Aceitava cada um conforme era e descobria em cada um, o melhor que cada um tinha. O Zé não dividia, conciliava. O Zé não catequizava como os políticos ou os intelectuais que depois foram começando a aparecer por lá. Preferia o convívio compincha e era capaz de ouvir até os mais tristes desabafos. O Zé era um operário.
Foi com o Zé que aprendi a colar cartazes. Tenho muito orgulho em dizê-lo. Recordo com saudade as palavras que me disse quando notou a minha inexperiência em colagem «Olha faz-se assim estás a ver?» enquanto passava a brocha e depois esticava o cartaz. Pouco depois olhando uma parede de mármore bem lisinho disse «Vá experimenta aqui». E colei o primeiro cartaz da minha vida. Foi ali no Martim Moniz.
Colei depois muitos e muitos cartazes com o Zé. As acções de colagem eram momentos onde o inesperado rompia a cada passo. Havia os insultos, os ataques e os arranques sistemáticos dos cartazes por aqueles que odiavam tudo quanto era esquerdista. Convêm não esquecer que, no início dos anos oitenta, o PREC tinha deixado muitas feridas abertas na sociedade. Naquele tempo as colagens eram feitas por militância. O pagamento que recebíamos no fim da noite era a alegria do dever cumprido e o convívio em torno de umas imperiais naqueles lugares que fechavam tarde e que hoje já não subsistem, devorados que foram por discotecas e roulottes de cachorros.
Foi numa dessas primeiras noites de colagens, ali para os lados da Amadora que percebi bem o lado humano do Zé. Colávamos mais à frente e de repente apercebemo-nos de um sururu à porta de um café. Um camarada exaltado discutia com um homem. Tinha sido arrancado um cartaz. Fomos até lá e reparámos logo num miúdito, atrás de uma coluna meio assustado, que presenciava a cena. O Zé percebeu rapidamente o que se tinha passado. A criança por brincadeira arrancara o cartaz. O camarada notou e pediu explicações ao pai que não gostou e respondeu torto. O Zé só disse uma frase: «Deixa lá. Não vês que foi o puto?». E passou a mão pela cabeça da criança. O Zé era assim e por isso eu gostava tanto dele.
«Olha Zé a gente não se esqueceu de ti. Ouviste?». Eu sei que já estás a sorrir como sorrias sempre quando me vias aparecer para as colagens e a pensar lá com os teus botões «Olha onde o rapaz chegou. É doutor e agora até escreve sobre mim».