Argélia e o terror
Filmes-Documentários: "Tahar Djaout –Shooting the writer" + "A very dirty war" *
Debate com a participação de Ahmed Grigahcene (Argélia)
Terça-feira, 26 de Maio, 22h
Entrada Livre
Local: bar-livraria Gato Vadio
Rua do rosário, 281 – Porto
telefone: 22 2026016
email: gatovadio.livraria@gmail.com
Argélia – Cronologia de um estado de terror (1992-2009)
11 de Janeiro de 1992 – Golpe de Estado militar em reacção contra a vontade popular expressa através de sufrágio universal durante a primeira volta das eleições legislativas de 26 de Dezembro de 1991. O movimento fundamentalista Frente Islâmica de Salvação (FIS) conseguiu a maioria dos votos nas eleições parlamentares. O histórico partido do Governo, a Frente de Libertação Nacional, é surpreendida pelos resultados e não aceita a derrota. O Exército cancelou as eleições e ocupa com blindados os principais edifícios públicos de Argel. A segunda volta das eleições jamais veio a acontecer.
12 de Janeiro de 1992 – A direcção do FIS apela o povo argelino a defender a escolha do eleitorado. Vastas operações nocturnas de detenção de militantes da corrente islâmica. Em duas noites, calcula-se que um milhar de militantes foram presos.
22 de Janeiro de 1992 – Detenção de Abdelkader Hachani, alto dirigente da FIS, por ter difundido um comunicado apelando ao Exército para respeitar o veredicto eleitoral. Apesar da intervenção ilegal do Exército, das detenções, das tensões políticas e do clima de desagrado geral da sociedade argelina, até ao momento apenas um militar foi morto.
23 de Janeiro de 1992 – Detenção de oito jornalistas do diário El Khabar pelo jornal ter lançado uma "encarte" com o comunicado de Abdelkader Hachani exortando o Exército a respeitar o acto eleitoral.
24 de Janeiro de 1992 – Confrontos sangrentos à saída das mesquitas, depois da grande oração de sexta-feira, praticamente em todo o território da Argélia (Argel, Annaba, Batna, Chlef, Constantine, Khenchela, Laghouat, Médéa, Oran, Saida, Sidi Bel Abbes, Tlemcen…). 30 mortos.
áá O país mergulha numa sangrenta e obscura guerra civil.
4 a 8 de Fevereiro de 1992 – Levantamento popular num quarteirão de Bouakal em Batna. O Exército cerca a cidade e abre fogo: 52 mortos (7 crianças). Ao mesmo tempo, as autoridades anunciam a abertura de 7 campos de concentração no sul do país (em menos de 6 meses, mais de 25 mil cidadãos ficam detidos nos campos).
29 de Junho de 1992 – Boudiaf, regressado do exílio 6 meses antes para assumir a presidência do Alto Comité do Estado, é assassinado durante uma conferência em Annaba. Um dos seus guardas-pessoais é oficialmente o responsável pelo assassinato. A versão oficial faz crer que o guarda-pessoal simpatizava com as forças islâmicas. Numerosas testemunhas no local afirmaram que não foi só o guarda-pessoal a disparar. Outro "atirador" que disparou sobre Boudiaf foi assassinado e o seu cadáver foi rapidamente removido pelos serviços especiais.
26 de Agosto de 1992 – Primeiro atentado terrorista grave praticado pelas forças islâmicas fundamentalistas no aeroporto de Argel, 9 mortos e 128 feridos. Com o objectivo de eliminar o terrorismo, as autoridades governativas criam leis de excepção. As detenções, a tortura, as condenações judiciais à morte e as chacinas por parte do Exército generalizam-se. Pela primeira vez, um jornalista fala da actuação de soldados à civil.
2 de Abril de 1993 – Primeiro comunicado da organização de salvaguarda da República Argelina (OSSRA – esquadrão da morte): ameaçam atacar directamente os terroristas islâmicos.
26 de Maio de 1993 – Tahar Djaout, escritor e jornalista, é assassinado. Cinco grupos armados serão implicados na sua morte.
15 de Junho de 1993 – O professor e psiquiatra Boucebci, membro do comité "Pela verdade sobre a morte de Tahar Djaout", é assassinado à entrada do hospital Drid Hoci
28 de Agosto 1997 – Massacre de Er-Rais, a 25 km de Argel. 300 mortos. Habitantes testemunham que viram chegar uma caravana de camiões perto da meia-noite. O Exército não intervém, não persegue os grupos armados que fogem horas depois de espalharem o terror. Algumas pessoas que conseguiram fugir reportam que os militares do Exército bloquearam vários quarteirões para impedir a saída dos habitantes. Dados oficiais: 38 mortos.
22 de Setembro de 1997 – Massacre de Benthala, a 20 km de Argel. Os habitantes de Benthala semanas antes tinham exortado as autoridades a instalarem um posto militar no centro da vila e a distribuírem armas pela população por temor de serem atacados por grupos armados. Em vão. Oficialmente, 85 mortos. Fontes hospitalares falam em mais de 400 mortos. De novo, os militares do Exército bloquearam vários quarteirões para impedir a saída dos habitantes. Mulheres que foram raptadas foram encontradas mais tarde degoladas.
9 de Maio de 2006 – Massacre no monte Seddat. O Exército, numa intervenção de perseguição a um grupo de terroristas escondido numa gruta dos montes de Seddat, segundo dados oficiais elimina cerca de 120 pessoas. Após o ataque, a protecção civil retira os cadáveres da gruta. Contam 37 pessoas: 22 crianças, 9 mulheres e 6 homens. Testemunhas dizem que no momento do ataque uma mulher estaria a amamentar um bebé. Os corpos estavam rígidos, o que levou a suspeitar que a causa da morte foi o gaseamento. No local, as pessoas interrogavam-se: quem eram estes "terroristas"?
Os sucessivos governos argelinos até à actualidade nunca se demarcaram ou fizeram a ruptura com o regime que saiu do golpe militar de Janeiro de 1992.
Estima-se que 100 mil pessoas tenham sido assassinadas até hoje.
A cronologia, as citações e os excertos de reportagens foram retiradas do "Le Monde Diplomatique" e do site da Algeria Watch ( www.algeria-watch.org ).
Com supostos 90,23% dos votos, Abdul Aziz Bouteflika, 72 anos, presidente da Argélia, conquistou em Abril deste ano mais um mandato presidencial. Sem precedentes – e inconstitucionalmente –, obteve o terceiro mandato seguido o que provocou tumultos na região berbere da Cabília, leste da Argélia, e o cepticismo de todos, excepto do mundo árabe e a das altas esferas do mundo ocidental.O parlamento da Argélia foi atropelado para que o velho comandante permaneça ao timão de mais um mandato supostamente democrático até 2012.
Com a ascensão de Abdel-Aziz Bouteflika à presidência em 1999, esperava-se obter a paz e a melhoria económica do país. Apesar da aparente democracia, a Argélia continuou sendo governada por uma ditadura militar. Bouteflika venceu as eleições presidenciais de 2003 com 85% dos votos. Em Outubro de 2005, os argelinos aprovaram, através de um plebiscito patrocinado por Bouteflika, o Alvará de Paz e Reconciliação Nacional, que concede amnistia a todos funcionários militares islâmicos envolvidos na guerra civil e que permitiu que a polícia de segurança argelina escapasse impune dos crimes de tortura e massacre depois de 1992.
Bouteflika com certeza segue o espírito dos processos eleitorais em alguns países africanos. Em 1993, Hosni Mubarak do Egito "conquistou" 96,3% dos votos a favor do terceiro mandato de seis anos; na quarta vitória, em 1999, foram só 93,79%, o que o aproxima dos tímidos 90,24% de Bouteflika.
Poucos podem sonhar com bater o recorde de Anwar Sadat e seus espetaculares 99,95% de votos no referendo de 1974, no Egito. Saddam Hussein chegou aos 99,96% quando foi eleito presidente do Iraque em 1993 (e ninguém descobriu, até hoje, onde se esconderam aqueles traiçoeiros 0,04%), mas, afinal alcançou a marca dos 100% nas eleições de 2002 – o que cobre Bouteflika de vergonha.Em 2005, Máhmude Abbas obteve 62,3% de votos e foi eleito presidente da Palestina – o que é quase verosímil –, mas poucos superam os 99,98% de Hafez al-Assad para novo mandato de sete anos na presidência da Síria em 1999. Só 219 cidadãos sírios votaram contra Assad (ou em branco).
Em 2008 foi Sócrates a deslocar-se a Argel. O primeiro-ministro disse ao chegar a Argel para a II Cimeira Luso Argelina que o mercado argelino é «da maior importância para Portugal». A cimeira visa estabelecer, fundamentalmente, contratos entre os dois Estados na área das Energias e do Petróleo. Sócrates prosseguiu: " A relação entre Portugal e a Argélia já ultrapassou a dimensão económica e diplomática, sendo actualmente também uma relação bilateral com dimensões pessoais, políticas e culturais que muito apraz registar".
Também Manuel Alegre na mesma viagem a Argel emociona-se com a liberdade que os argelinos sempre lhe deram para fazer o programa de rádio "Voz da Liberdade", durante os anos em que esteve exilado na Argélia por causa da ditadura salazarista. "Não podemos separar a história da revolução portuguesa do papel desempenhado pela Argélia, que ajudou Portugal a instaurar a democracia sem pedir nada em troca"; "Jamais houve da parte dos argelinos qualquer ingerência ou tentativa de orientar ou controlar as emissões [radiofónicas]"; [trabalhei na Rádio de Argel] "durante dez anos de forma totalmente livre". As citações são de Manuel Alegre.
Sugerimos também a leitura da carta de felicitações enviada pelo ex-primeiro-ministro Durão Barroso na sequência da reeleição de Bouteflika em 2004. (retirado do site da Embaixada da Argélia em Portugal).
No dia 26 de Maio passam 16 anos sobre o assassinato do escritor argelino Tahar Djaout. O simbolismo da data não apaga a memória de todos os outros argelinos e argelinas assassinados desde o início da "guerra civil".