1.5.05

1º de Maio - Dia Mundial dos Trabalhadores

"A história do Primeiro de Maio mostra, portanto, que se trata de um dia de luto e de luta, mas não só pela redução da jornada de trabalho, mais também pela conquista de todas as outras reivindicações de quem produz a riqueza da sociedade." - Perseu Abramo

O Dia Mundial do Trabalho foi criado em 1889, por um Congresso Socialista realizado em Paris. A data foi escolhida em homenagem à greve geral, que aconteceu em 1º de maio de 1886, em Chicago, o principal centro industrial dos Estados Unidos naquela época. Milhares de trabalhadores foram às ruas para protestar contra as condições de trabalho desumanas a que eram submetidos e exigir a redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas diárias. Naquele dia, manifestações, passeatas, piquetes e discursos movimentaram a cidade. Mas a repressão ao movimento foi dura: houve prisões, feridos e até mesmo mortos nos confrontos entre os operários e a polícia.
Em memória dos mártires de Chicago, das reivindicações operárias que nesta cidade se desenvolveram em 1886 e por tudo o que esse dia significou na luta dos trabalhadores pelos seus direitos, servindo de exemplo para o mundo todo, o dia 1º de maio foi instituído como o Dia Mundial do Trabalho.
Chicago, maio de 1886



O retrocesso vivido nestes primórdios do século XXI remete-nos directamente aos piores momentos dos primórdios do Modo de Produção Capitalista, quando ainda eram comuns práticas ainda mais selvagens. Não apenas se buscava a extracção da mais-valia, através de baixos salários, mas até mesmo a saúde física e mental dos trabalhadores estava comprometida por jornadas que se estendiam até 17 horas diárias, prática comum nas indústrias da Europa e dos Estados Unidos no final do século XVIII e durante o século XIX. Férias, descanso semanal e aposentadoria não existiam. Para se protegerem em momentos difíceis, os trabalhadores inventavam vários tipos de organização - como as caixas de auxílio mútuo, precursoras dos primeiros sindicatos.

Com as primeiras organizações, surgiram também as campanhas e mobilizações reivindicando maiores salários e redução da jornada de trabalho. Greves, nem sempre pacíficas, explodiam por todo o mundo industrializado. Chicago, um dos principais pólos industriais norte-americanos, também era um dos grandes centros sindicais. Duas importantes organizações lideravam os trabalhadores e dirigiam as manifestações em todo o país: a AFL (Federação Americana de Trabalho) e a Knights of Labor (Cavaleiros do Trabalho). As organizações, sindicatos e associações que surgiam eram formadas principalmente por trabalhadores de tendências políticas socialistas, anarquistas e social-democratas. Em 1886, Chicago foi palco de uma intensa greve operária. À época, Chicago não era apenas o centro da máfia e do crime organizado era também o centro do anarquismo na América do Norte, com importantes jornais operários como o Arbeiter Zeitung e o Verboten, dirigidos respectivamente por August Spies e Michel Schwab.

Como já se tornou praxe, os jornais patronais chamavam os líderes operários de cafajestes, preguiçosos e canalhas que buscavam criar desordens. Uma passeata pacífica, composta de trabalhadores, desempregados e familiares silenciou momentaneamente tais críticas, embora com resultados trágicos no pequeno prazo. No alto dos edifícios e nas esquinas estava posicionada a repressão policial. A manifestação terminou com um ardente comício. No dia 3, a greve continuava em muitos estabelecimentos. Diante da fábrica McCormick Harvester, a policia disparou contra um grupo de operários, matando seis, deixando 50 feridos e centenas presos, Spies convocou os trabalhadores para uma concentração na tarde do dia 4. O ambiente era de revolta apesar dos líderes pedirem calma.

Os oradores revezavam-se; Spies, Parsons e Sam Fieldem, pediram a união e a continuidade do movimento. No final da manifestação um grupo de 180 policiais atacou os manifestantes, espancando-os e pisoteando-os. Uma bomba estourou no meio dos guardas, uns 60 foram feridos e vários morreram. Reforços chegaram e começaram a atirar em todas as direcções. Centenas de pessoas de todas as idades morreram.

A repressão foi aumentando num crescendo sem fim: decretou-se "Estado de Sítio" e proibição de sair às ruas. Milhares de trabalhadores foram presos, muitas sedes de sindicatos incendiadas, criminosos e gângsters pagos pelos patrões invadiram casas de trabalhadores, espancando-os e destruindo seus pertences.

A justiça burguesa levou a julgamento os líderes do movimento, August Spies, Sam Fieldem, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Shwab, Louis Lingg e Georg Engel. O julgamento começou dia 21 de junho e desenrolou-se rapidamente. Provas e testemunhas foram inventadas. A sentença foi lida dia 9 de outubro, no qual Parsons, Engel, Fischer, Lingg, Spies foram condenados à morte na forca; Fieldem e Schwab, à prisão perpétua e Neeb a quinze anos de prisão.

Spies fez a sua última defesa:

"Se com o nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário - este movimento de milhões de seres humilhados, que sofrem na pobreza e na miséria, esperam a redenção - se esta é sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não poderão apagá-lo!"

Parsons também fez um discurso:

"Arrebenta a tua necessidade e o teu medo de ser escravo, o pão é a liberdade, a liberdade é o pão". Fez um relato da acção dos trabalhadores, desmascarando a farsa dos patrões com minúcias e falou de seus ideais:

"A propriedade das máquinas como privilégio de uns poucos é o que combatemos, o monopólio das mesmas, eis aquilo contra o que lutamos. Nós desejamos que todas as forças da natureza, que todas as forças sociais, que essa força gigantesca, produto do trabalho e da inteligência das gerações passadas, sejam postas à disposição do homem, submetidas ao homem para sempre. Este e não outro é o objectivo do socialismo".

No dia 11 de novembro, Spies, Engel, Fischer e Parsons foram levados para o pátio da prisão e executados. Lingg não estava entre eles, pois suicidou-se. Seis anos depois, o governo de Illinois, pressionado pelas ondas de protesto contra a iniquidade do processo, anulou a sentença e libertou os três sobreviventes.

Em 1888 quando a AFL realizou o seu congresso, surgiu a proposta para realizar nova greve geral em 1º de maio de 1890, a fim de se estender a jornada de 8 horas às zonas que ainda não haviam conquistado.

No centenário do início da Revolução Francesa, em 14 de julho de 1889, reuniu-se em Paris um congresso operário marxista. Os delegados representavam três milhões de trabalhadores. Esse congresso marca a fundação da Segunda Internacional. Nele K. Marx expulsou os anarquistas, cortou o braço esquerdo do movimento operário num momento em que a concordância entre todos os socialistas, comunistas e anarquistas residia na meta: alcançar uma sociedade sem classes, sem exploração, justa, fraterna e feliz. Os meios a empregar-se para atingir aquele objectivo constituíam os principais pontos de discordância: Marx, com toda a sua genialidade incontestável, levou adiante a tese de que somente através de uma "Ditadura do Proletariado" se poderia ter os meios necessários à abolição da sociedade de classes, da exploração do homem pelo homem. Mikhail Bakunin, radical libertário, contrapondo-se a Marx, criou a nova máxima: "Não se chega à Luz através das Trevas." Segundo o Anarquista russo, deve-se buscar uma sociedade feliz, sem classes, sem exploração e sem "ditadura" intermediária de espécie alguma! A tendência maioritária do Congresso ficou com Marx e os Anarquistas foram, vale repetir, expulsos. Muitos têm apontado nesta ruptura de 1890 os motivos do fracasso do socialismo dito "real": enfatizou-se mais do que o necessário a questão da "ditadura" e o "proletariado" acabou esquecido. A própria China de hoje é disso exemplo: uma pequenina casta de empresários lidera ditatorialmente uma nação equalizada à força aproximando perigosamente do neoliberalismo...


Fechando este parêntese que já vai longo, voltemos à reunião do Congresso Operário de 1890: na hora da votar as resoluções, o belga Raymond Lavigne encaminhou uma proposta de organizar uma grande manifestação internacional, ao mesmo tempo, com data fixa, em todas os países e cidades pela redução da jornada de trabalho para 8 horas e aplicação de outras resoluções do Congresso Internacional. Como nos Estados Unidos já havia sido marcada para o dia 1º de maio de 1890 uma manifestação similar, manteve-se o dia para todos os países. No segundo Congresso da Segunda Internacional em Bruxelas, de 16 a 23 de setembro de 1891, foi feito um balanço do movimento de 1890 e no final desse encontro foi aprovada a resolução histórica: tornar o 1º de maio como "um dia de festa dos trabalhadores de todos os países, durante o qual os trabalhadores devem manifestar os objectivos comuns de suas reivindicações, bem como sua solidariedade".

Como vemos, a greve de 1º de Maio de 1886 em Chicago, nos Estados Unidos, não foi um facto histórico isolado na luta dos trabalhadores, ela representou o desenrolar de um longo processo de luta em várias partes do mundo que, já no século XIX, acumulavam várias experiências no campo do enfrentamento entre o capital (trabalho morto apropriado por poucos) versus trabalho (seres humanos vivos, que amam, desejam, constroem e sonham!). O incipiente movimento operário que nascera com a revolução industrial, começava a apontar para a importância da internacionalização da luta dos trabalhadores. O próprio massacre ao movimento grevista de Chicago não foi o primeiro, mas passou a simbolizar a luta pela igualdade, pelo fim da exploração e das injustiças.


Poesia de Joaquim Moreira da Silva


O que é ser anarquista
(excertos)



Ser anarquista é ser bom
É sentir no coração
A dor da miséria alheia
Prò bem estar sempre disposto
A ter na frente do rosto
As grades duma cadeia


Pregar a Fraternidade
Liberdade e igualdade
Sacrossanta trilogia
E sempre constantemente
Cara a cara e frente a frente
Dar combate à burguesia


É proclamar a igualdade
Entre toda a Humanidade
A liberdade e o amor
Preparar a Revolução
Para a emancipação
Do povo trabalhador


Ter espírito cultivado
Forte e desempoeirado
De todos os preconceitos
Querer na Humanidade
A mais perfeita igualdade
Nos deveres e nos direitos


Arrasar toda a fronteira
E depois da Terra inteira
Fazer um frondoso horto
Onde toda a Humanidade
Possa gozar à vontade
Um relativo conforto


Combater sem piedade
Os dois monstros de maldade
Que são Igreja e Estado
Nesse combate a valer
Nada lhes reconhecer
De absoluto ou sagrado


Querer por pátria o mundo inteiro
A abolição do dinheiro
Para não haver quezília
Abolir a lei tirana
E com toda a raça humana
Formar uma só família


Anarquista é ser cristão
É de Cristo ser irmão
Em ideias e acções
Como ele correu outrora
É correr também agora
Do templo os vendilhões


É pregar o comunismo
Verdadeiro socialismo
Onde não há dono algum
A fábrica e a oficina
A bouça o campo e a mina
Ser de todos em comum


Ser generoso e sublime
Nunca praticar um crime
Nunca manchar a Razão
Quem for assim altruísta
É um verdadeiro anarquista
De alma vida e coração

(continua)

Poesia de Joaquim Moreira da Silva , incluída na “Antologia Poética”, edição da CM de Vila do Conde (1987), com prefácio de Arnaldo Saraiva

O Operário em construção

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo de religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia ...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
Garrafa, prato, facão
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção.
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
ele não cresceu em vão.
Pois além do que sabia
Exercer a profissão
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macação de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
"Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
-Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Como o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fracturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.


Vinícius de Moraes