19.2.05

O Cosmopolitismo

A palavra «cosmopolitismo» vem dos termos gregos kosmos («mundo») e polis («cidade»). Em sentido amplo, também designa o interesse de alguém sobre as populações e os países estrangeiros. É tido por cosmopolita aquele indivíduo que se revela poliglota, viajante e revelando enorme curiosidade sobre diferentes culturas. Também se dizem cidades cosmopolitas aquelas urbes onde se dá uma grande mistura de culturas e nacionalidades de todo o mundo. Já num sentido mais restrito, o cosmopolitismo designa uma certa concepção política que afirma a unidade da comunidade humana e insiste no carácter convencional dos Estados nacionais. É cosmopolita, no sentido etimológico do termo, aquele que se proclama cidadão do mundo e prefere o género humano à sua pátria. O cosmopolitismo defende ainda três ideias cuja importância varia conforme os teóricos e as épocas históricas: a universalidade, a paz e a liberdade. Com efeito, o cosmopolitismo toma o mundo à escala da sua totalidade; afirma a liberdade dos cidadãos do mundo preconizando sempre a livre circulação das pessoas; e encara como um imperativo a paz, uma vez que critica os nacionalismos como responsáveis pelas guerras.
O norte-americano Garry Davis poderá incarnar esta ideia de cosmopolitismo: antigo piloto da US Air Force, e profundamente marcado pelos horrores da guerra, ele decide romper com o seu país de origem em 1948, entregando o seu passaporte americano na embaixada dos Estados Unidos em Paris, antes de acampar frente ao palácio de Chaillot, na capital francesa, onde se iria desenrolar a primeira sessão da Assembleia Nacional das Nações Unidas, e reivindicar a criação de um governo mundial.

Apesar das suas semelhanças, costuma-se distinguir em geral o cosmopolitismo e o internacionalismo de inspiração marxista. Ambos perseguem um sonho comum: uma humanidade unida vivendo em paz. Mas. Diferentemente do cosmopolitismo, o internacionalismo baseia este sonho na mobilização do proletariado que segundo a sua concepção teria um papel motor para a realização daquele objectivo. Também é verdade que o cosmopolitismo é habitualmente associado às classes burguesas. A isso não é alheio o facto do cosmopolitismo estar ligado à liberdade comercial que é encarada como favorecendo um estado internacional de paz.
O cosmopolitismo é tomado em sentido pejorativo por alguns autores nacionalistas e conservadores, que o denunciam como um perigoso produto apátrida e desenraizado que não faz senão trair a nação. “ Quem esteja por todo o lado como se estivesse em sua própria casa, ou aquele que não se satisfaz com a sua própria casa, ou que não tem sequer um país seu, torna-se cosmopolita – mal dele que se aproxime da minha pátria», escreve o poeta nacionalista alemão Ernst Moritz Arndt (1769.1869). O político nacionalista francês Joseph de Maistre não é menos meigo nas suas críticas ao cosmopolitismo. Na verdade, vilipendiado pela extrema-direita a palavra cosmopolitismo é não poucas vezes olhada com desconfiança pelas elites.

O termo cosmopolitismo tem origem na Grécia e Diógenes, o Cínico (413 a.C. – 327 a.C.) é normalmente apontado como o primeiro autor que o utilizou, quando questionado acerca de qual seria a sua pátria, ter respondido ser «cidadão do mundo». Mas deve-se principalmente aos sofistas ( professores que ensinavam a retórica no séc. XVI e XV a. C.) a ideia de cosmopolitismo. Num mundo grego dividido em numerosas cidades-estado, o seu modo de vida itinerante permita-lhes estar menos dependente dos convencionalistas próprios de cada cidade-estado. A ideia do cosmopolitismo será posteriormente desenvolvida e tematizada pelos estóicos para os quais o indivíduo se deve desenvolver enquanto pessoa singular escapando assim aos condicionalismos pré-estabelecidos, existentes em cada cidade-estado, sem prejuízo dos seus deveres de cidadão. Todos os homens participariam na razão universal, o logos, e a este título, todos seriam irmãos iguais. Mas o cosmopolitismo dos estóicos é demasiado abstracto e conduziria a um Estado mundial que pudesse permitir de facto a reunião de todos os homens e a supressão das fronteiras. O seu contributo para o cosmopolitismo reside sobretudo naquela ideia universal do homem que não está limitado pelo nascimento nem pela sua condição.
O universalismo cristão de S.Paulo e de S.Agostinho retomará esta ideia num certo sentido ao dizer que todos nós somos iguais, não tanto por sermos cidadãos do mundo, mas antes por sermos «cidadãos do céu».

Durante séculos a teoria cosmopolita desaparece para renascer, inspirada na Antiguidade Clássica, com o Renascimento e num contexto político em que numerosos principados e cidades-Estados rivais se envolvem num guerra sem quartel, ao mesmo tempo que assistimos à formação e consolidação dos modernos Estados soberanos. O filósofo holandês Erasmo (1469-1536) foi a principal e mais conhecida figura do cosmopolitismo humanista e defensor de uma monarquia universal que garantiria a paz e a tolerância.

Após um novo eclipse o cosmopolitismo é retomado por vários pensadores iluministas no século XVIII, com David Hume, Voltaire, Diderot. Mas é, sem dúvida, com Kant e a sua obra «Projecto de Paz perpétua» (1795)que se opera a melhor conceptualização de cosmopolitismo. Kant considerava que os Estados encontravam-se num estado natural que mais não é o do conflito permanente e o do direito do mais forte a prevalecer. Ora a única maneira de remediar uma tal situação seria instaurar um direito cosmopolita que regesse as relações entre Estados. Para isso Kant não preconiza um Estado supranacional, que arriscaria a tornar-se despótico, mas antes uma federação de Estados que selasse uma aliança entre os diversos povos. Os Estados preservariam a sua soberania no que aos assuntos internos dizia respeito, mas tinham respeitar o direito internacional. O direito cosmopolita regeria pois as relações entre os cidadãos de um Estado com o resto do mundo e definiria estatuto jurídico do estrangeiro consagrando nomeadamente o direito de quem quer que seja a desenvolver o comércio e a visitar todas as regiões da Terra sem que com isso pudessem ser acusados de serem inimigos.

De uma certa maneira o projecto kantiano marca o apogeu do cosmopolitismo, mas ao mesmo tempo o início do seu declínio. E se a Revolução Francesa de 1789, ao afirmar valores universais, releva de um entusiasmo cosmopolita, ela também reforça de uma forma muito forte as tendências nacionalistas e patrióticas que se acentuam a partir de então, fazendo do século XIX, não um século cosmopolita, mas antes uma época de nacionalismo, em que se regista a criação e a multiplicação de novos Estados independentes, como a polónia, a Bélgica, a Grécia,… E não é senão no século XX que o cosmopolitismo regressa em força depois dos conflitos bélicos que o sacudiram, provocando milhões de vítimas. Na realidade, foi depois do fracasso da Sociedade das nações, criada no pós-Primeira Grande Guerra, que se constituiu logo a seguir à II Grande Guerra, a Organização das Nações Unidas que assumirá para si o ideal cosmopolita ao tentar defender os direitos humanos e evitar as guerras.


A globalização alterou profundamente o papel dos Estados-nações ao evidenciar a porosidade das fronteiras inter-estatais. Cada vez se torna mais nítida a necessidade de superar os estreitos limites das perspectivas nacionais de cada Estado. Não poucos autores começam assim a tematizar e desenvolver de novo a noção de cosmopolitismo. Desde logo, o filósofo alemão Jurgen Habermas que, na linha de Kant, reformulou o modelo cosmopolita, ao registar a crise contemporânea do Estado-nação e que, no seu entender, longe de ser negativa, pode abrir possibilidades de progresso. Segundo ele só a comunicação e a intersubjectividade podem fundar uma comunidade cosmopolita, que se concretizará através da criação de um espaço público mundial.
As questões ecológicas, o respeito pelos direitos humanos, assim como os problemas económicos e sociais devem ser perspectivados à escala mundial. Habermas considera que os direitos humanos, na medida em que se referem aos próprios indivíduos em concreto, estabelecem uma comunidade cosmopolita que supera o quadro dos Estados-nações.
Outro exemplo da tematização actual do cosmopolitismo é a reflexão levada a cabo pelo sociólogo alemão Ulrich Beck na sua recente obra «Poder e contrapoder na era da globalização», em que ele preconiza o chamado « cosmopolitismo metodológico», assim chamado por ter como objectivo apreender os problemas à escala blobal e já não nos moldes desactualizados dos ultrapassados Estados-nações. Mas este cosmopolitismo metodológico não significa necessariamente a transição para um Estado mundial cosmopolita. Trata-se fundamentalmente de uma nova atitude científica, que se intensifica e se alarga a todos os níveis e em todas as interdependências, quer eleas sejam de carácter político, militar, económico ou social. Com efeito, as comunicações de massas e os riscos ambientais não conhecem fronteiras. O papel crescente de certas instituições internacionais, a criação de tribunais internacionais, bem como a própria ideia dos direitos do homem, os fluxos migratórios, as ONGs e a emergência de poderosas elites transnacionais só confirmam esta tendência cosmopolita.

E já não é novidade os movimentos sociais ganharem uma cada vez maior dimensão mundial de que é bem o exemplo a evolução do movimento anti-globalização para a defesa de que um outro mundo é possível, ao constatar que o planeta é um bem comum cujos valores não são compatíveis com a actual ordem económica.


Tradução do texto «Le cosmopolitisme” de Catherine Halpern in Sciences Humaines, nº 158, Mars 2005

Não votes nos ladrões de Bagdad (e seus cúmplices)

Não votes pela guerra
Não votes nos canalhas que apoiaram a guerra
Não votes nos cúmplices da morte inútil de tanta gente
Não votes no Bush,
Não votes nos aliados do Bush
Não votes nos ladrões de Bagdad
Não votes nos que mandam soldados e guardas para ocupar um país estrangeiro
Não votes nos herdeiros da ditadura salazarista
Não votes nos salazaristas reciclados em democratas
Não votes na seita da Opus Dei
Não votes nos que puseram o país em recessão económica
Não votes nos que lançam no desemprego milhares de trabalhadores
Não votes nos que só promovem emprego precário e contratos de merda
Não votes nos que querem degradar o ensino público para encher de lucros o privado
Não votes nos que desbaratam o dinheiro nos futebóis
Não votes nos que fazem da TV uma operação de lavagem ao cérebro
Não votes nos que são contra a liberdade de circulação das pessoas
Não votes nos que compram submarinos e fragatas e esquecem a precariedade em que vivem muitos portugueses

Não te iludas nem te enganes com a tanga deles.