31.12.05

Bom ano novo

Aproveito a passagem de mais um ano para recomendar os sites ( websites e webblogs) que, ao longo do ano que agora termina, se referiram ao Pimenta Negra através de uma transcrição, uma ligação ou simples remissão...

Começava pelo Pedro, um poeta com pronúncia do Norte e que tem revelado uma notável capacidade criativa, com o seu Trip na Arcada (http://tripnaarcada.blogspot.com/).

Um palavra de apoio incondicional para o A.da Silva O do http://edicoes-mortas.blogspot.com
e a sua livraria, A pulga, no Centro Comercial Itália, na Rua Júlio Dinis, perto da Rotunda da Boavista, na cidade do Porto

Um abraço amigo para o João e o seu Bioterra (http://bioterra.blogspot.com/) de que sou um atento leitor. Viva.

Uma referência especial – como não podia deixar de ser – para o Ondas3 (http://ondas3.blogs.sapo.pt/) que tem feito um trabalho informativo inigualável em matéria de divulgação e de defesa do ambiente e da ecologia.

O pessoal de Gaia (http://gaia-porto.blogspot.com/ ) está, como sempre, de parabéns.

Apesar de, ultimamente, não o ver, um agradecimento ao Tecido Humano do One more pill to kill the pain! , e ainda ao docks suburban diaries - divagasons do interlúdio, bem como ao co2laser

A Rebelyona (http://rebelyona.blogspot.com) demonstra que tem todo o futuro à sua frente.
O mesmo se diga do Pedro do
One more pill to kill the pain!,

Obrigado ainda para o http://way3.blogspot.com/, assim como para http://o-gajo.blogspot.com/

O notável trabalho de defesa e divulgação da temática indígena desenvolvido pelo tupiniquim (http://indios.blogspot.com/) merece, sem dúvida, um rasgado elogio.

Que deve ser extensivo ao núcleo da Amnistia Internacional de Sintra do (
http://blog-19.blogspot.com/)

Apesar de não nos conhecermos um abraço amigo para
http://xatoo.blogspot.com , para o http://www.cao-de-guarda.blogspot.com/ , e ainda para o http://ocomunista.blogspot.com/ , sem esquecer a http://www.infoalternativa.pt.vu/.
No fundo, estamos na mesma luta pela justiça e pela emancipação social.

Não posso deixar de admirar a sobriedade do
http://fenixarte.blogspot.com/

Coimbra, que me faz lembrar a vida de antigo repúblico, não podia deixar de estar presente através do
http://matarbustos.blogspot.com/


Uma palavra final para o Francisco Trindade (http://FranciscoTrindade.blogspot.com) e do Abel Ortiz com o Abajo el Trabajo (http://abelortiz.blogspot.com )


Provavelmente não referi a todos que consultaram e se referiram ao Pimenta Negra. Paciência. Mas uma palavra de amizade e agradecimento a todos.

Não posso esquecer, finalmente, o Moésio e todos quantos directa ou, de forma anónima, apreciam e divulgam o Pimenta Negra.


Para todos um BOM ANO de leituras, sonhos e lutas.

Manifesto Pimenta Negra

(reprodução do Manifesto do Pimenta Negra, divulgado há cerca de um ano atrás)

Pimenta Negra, um website de crítica social e contra-cultural


Informações alternativas e crítica contra-cultural

Foi recentemente criado um blog português de crítica social e cultural.

Um website sobre os movimentos sociais, a ecologia, a contra-cultura, os livros, adoptando uma perspectiva crítica sobre todas as formas de poder (económico, político, etc).

Somos contra a guerra, o fundamentalismo e o sectarismo ideológico e religioso, o racismo, assim como a dominação e a opressão capitalista. Nós encaramos a educação reflexiva e crítica como uma condição importante para os indivíduos tomarem consciência das estruturas sociais em que vivem, e lutarem pela sua emancipação social e individual.

Para nós, a arte, a literatura e todas as manifestações artísticas de carácter contra-cultural são importantes meios de desmontagem da cultura global massificada que reduz a diversidade cultural do mundo e normaliza as sociedades segundo um mesmo padrão ditado pela sociedade espectacular.

Defendemos que um mundo melhor é não só possível em cada continente, em cada cidade, em cada habitação, como é indispensável para a sobrevivência do nosso planeta.

Somos rebeldes com causas…como a emancipação dos seres humanos de todos os condicionamentos sociais ilegítimos

e-mail:
PimentaNegra@hotmail.com

30.12.05

O Pesadelo de Darwin ( um filme recém-estreado, a não perder)

título original : Darwin's Nightmare

«O Pesadelo de Darwin» é um documentário realizado pelo austríaco Hubert Sauper em 1996 que foi premiado numa série de festivais.
O cineasta dispôs-se a filmar a vida dos habitantes das margens do Lago Victoria, na Tanzânia, considerado o berço da Humanidade, que é hoje palco do pior pesadelo da globalização.


A miséria, a fome e a sida são males comuns para quem vive nesta região do mundo, mas a par desta realidade, existe outra. A enorme riqueza piscícola desse mesmo lago é explorada pela mão-de-obra local, mal paga, ao serviço de empresas estrangeiras que exportam filetes de peixe, sobretudo para a Europa. Para a alimentação dos habitantes locais restam as cabeças de peixe e pouco mais.Esta lucrativa indústria nasceu depois de um predador voraz, a perca do Nilo, ter sido introduzido no maior lago tropical do mundo, nos anos 60, como experiência científica.

Como resultado, praticamente todas as espécies autóctones de peixes foram dizimadas, e a partir da catástrofe ecológica nasceu um negócio «chorudo», com base na exportação da carne branca do enorme peixe para todo o hemisfério norte.

Hubert Sauper estende ainda a sua crítica ao serviço prestado pelos aviões no transporte de armas que alimentam os conflitos, frequentes nos países mais próximos, alimentando um dos males que mais tem minado o desenvolvimento do continente africano.Pescadores, políticos, pilotos russos, prostitutas, industriais e comissários europeus são «actores» de um drama que ultrapassa as suas fronteiras geográficas para se inscrever nos territórios da humanidade.

Conforme revela o realizador nas notas de intenções do filme, a ideia para este filme nasceu durante a investigação para outro documentário - «Kisangani Diary - Loin du Rwanda», sobre os refugiados da revolução no Congo. «Foi em 1997 que fui testemunha pela primeira vez do tráfico destes enormes aviões. Enquanto um avião chegava da América com comida para os refugiados dos campos da ONU, um segundo avião descolava para a União Europeia com 50 toneladas de peixe a bordo, revela.«O encontro e os laços de amizade que estabeleci com alguns dos elementos da equipa de um dos aviões de carga russos permitiram-me descobrir o impensável. Os aviões não traziam só ajuda humanitária dos países desenvolvidos, mas também traziam armas. Os aviões traziam a comida que os alimentava durante o dia e as armas que os matavam à noite», detalha o cineasta. «Conhecer a cronologia e os rostos de uma realidade tão cínica tornou-se o objectivo de O Pesadelo de Darwin», conclui.

Colocando o «dedo na ferida», Sauper lança ainda uma questão: «Porque será que sempre que um recurso natural é descoberto, os habitantes desse local morrem na miséria, os filhos tornam-se soldados e as filhas criadas ou prostitutas»?

Para o autor é claro que «depois de centenas de anos de escravatura e colonização em África, os efeitos da globalização estão a infligir humilhações mortais aos habitantes». Por isso avisa: «A atitude arrogante dos países ricos no que diz respeito ao Terceiro Mundo cria perigos futuros para todos os povos».Mesmo sendo trabalhado como documentário, o filme tem bastante ritmo, o que permite que a narrativa visual se acompanhe sem grande esforço, mesmo que, no final, nos deixe com um sentimento de tristeza por percebermos o longo caminho que falta percorrer para vivermos num mundo mais justo.

«O Pesadelo de Darwin» ganhou o Prémio de Melhor Documentário nos Prémios Europeus do Cinema e foi ainda premiado nos festivais de Veneza, Belfort, Copenhaga, Montréal, Paris, Chicago, Salónica, Oslo, México, Angers.

Texto retirado de:
http://www.estreia.online.pt/aleph/envelope?filme+ficha:list_movie:1649


Breve Revista de Imprensa sobre o filme:


Será difícil depois de ver O PESADELO DE DARWIN comer uma perca do Nilo sem que uma espinha nos pique… A partir da carne branca deste peixe pescado no lago Vitória, o realizador mostra o encadeamento dos "danos colaterais" provocados pela exploração intensiva de uma riqueza natural num país pobre, que poderia ser em África ou não. Hubert Sauper insiste: o filme também poderia ser sobre os diamantes da Serra Leoa ou o petróleo de Angola... Ele limitou-se a filmar numa cidade como existem várias, para conseguir um filme negro e surpreendente. Mwanza, 500 000 habitantes, margens do lago Vitória, na Tânzania. A perca do Nilo foi introduzida nos anos 60 e a indústria da pesca prosperou à volta deste peixe e toda a região ficou dependente. Dez fábricas exportam todos os dias filetes frescos, nomeadamente para a Europa.Poucos lucram com este comércio. E os aviões russos que transportam os peixes transportam igualmente armas para os países vizinhos, as prostitutas tratam dos pilotos russos, os camponeses deixam as suas terras para se instalarem nas margens do lago, a sida propaga-se, as crianças drogam-se com componentes das embalagens de peixe, e os habitantes comem poucas proteínas porque o peixe se tornou demasiado caro...SYLVIE BRIET E LAURE NOUALHAT, LIBÉRATION


O PESADELO DE DARWIN parece-se mais com um fragmento de "O Juízo Final", de Bosch, do que com um filme de Michael Moore. Hubert Sauper, tal como o pintor holandês, compôs a sua visão do mundo com detalhes. (...) Planos perturbadores e sequências espantosas que amplificam como num thriller a demonstração filmada e anunciada de Sauper: "Não teríamos percas do Nilo nos nossos supermercados se não houvesse guerra e fome em África".Mas Sauper não é apenas militante ou jornalista, é visivelmente um cineasta. E é com grande habilidade que se distingue do grupo de "documentários-choque" que abundam actualmente. (...)Sauper não se fica pela força da demonstração em imagens, entrevistas e comentário; ele serve-se também de procedimentos de cinema para meter o espectador numa condição de extrema perturbação. ANNICK PEIGNÉ-GIULY, LIBÉRATION


É um soberbo documentário. Pertubador e obsceno. Das percas do Nilo que pululam no lago, os habitantes da Tanzânia só vêem os restos. Carcassas esventradas, podres. Nenhuma esperança. Nenhum futuro. O único sonho de uma das testemunhas interrogadas por Hubert Sauper é que o seu filho se torne piloto. Que nesta cadeia infernal isso lhe permita escapar ao inferno. (…) O sistema é circular. O pesadelo continua. Mas graças a este filme sabemos que existe.PIERRE MURAT, TÉLÉRAMA


O escândalo da situação africana e a responsabilidade passada e presente das potências ocidentais neste estado são sobejamente conhecidos. Se vários filmes já denunciaram esta situação, não se encontram muitos que o façam tão eficazmente, tão profundamente e que acordem tão violentamente a consciência do espectador. (...) Numa palavra, o filme do austríaco Hubert Sauper mostra com as armas do cinema (comparando imagens e confrontando planos) cem vezes mais e cem vezes melhor que qualquer retórica militante. (...)Ninguém sairá deste filme incólume.J.M., LE MONDE


É a quadratura do círculo, uma obra total, sem falhas, que não só agradará aos militantes das causas humanitárias, mas também aos cinéfilos. O filme é terrível, perturbador, tantos são os horrores que concentra - e esplêndido pela sua forma inventiva, que não se inscreve em nenhuma lógica linear e consegue tratar todos os temas de forma pessoal e profunda. (...)Toda a África parece concentrada nesta visão apocalíptica. Raramente vimos expresso tanto desespero com tanta graça. VINCENT OSTRIA, LES INROCKUPTIBLES


Consultar ainda :

http://www.hubertsauper.com/

http://www.coop99.at/darwins-nightmare/

http://fr.wikipedia.org/wiki/Le_Cauchemar_de_Darwin



NOTA: foi realizado entretanto um documentário realizado por Margaret Nakato ( vice-presidente do Fórum Mundial dos pescadores) sobre a reacção dos pescadores Katosi, aldeia ugandesa situada nas margens do lago Victória, onde foi rodado o filme «Pesadelo de Darwin» de Hubert Sauper, aos factos que são denunciados através do referido filma. Esse documentário pode ser já visto. Para o descarregar pelo sistema peer-to.peer como eMule pode-se ir a:
http://www.clmayer.net/spip/IMG/rm/katosi.rm
http://www.clmayer.net/spip/IMG/wmv/katosi.wmv

Ou contactar:

Katosi Women fishing & Development Association
P.O Box 33929
Kampala, Uganda
East Africa
katosi@utlonline.co.ug

A cidade-jardim de Ebenezer Howard


Com nascimento em meio popular, Ebenezer Howard foi empregado de escritório dos 15 aos 21 anos em Londres, a sua cidade natal. Um tio, agricultor e emigrante nos Estados Unidos, chamou-o, entretanto, para junto de si. Vemo-lo assim em pleno Nebraska, onde compra 160 hectares e, juntamente, com dois amigos associados, se lança na cultura do milho, de melancias e pepinos. Não é fácil ser agricultor, pelo que não demorará a conhecer a falência. Por ocasião de uma viagem ao Missouri, cruza-se com o coronel William Cody, mais conhecido por Buffalo Bill, como compensação para o seu fracasso.
Ao fim de um ano instala-se em Chicago – que tinha sofrido um terrível incêndio em 1871 e que se encontrava em reconstrução – desenvolvendo a actividade de jornalismo como estenógrafo. Em 1876 regressa ao seu país para ocupar o posto de estenógrafo durante os debate parlamentares, ao mesmo tempo que consagrava muito do seu tempo no aperfeiçoamento das máquinas que utilizava, uma vez que possuía um invejável talento de inventor. Aliás, ele introduz na Inglaterra a máquina de escrever Remington que trouxe num das suas travessias do Atlântico. Traz também consigo o livro de Edward Bellamy, «Looking Backward», de que se tornou grande apreciador, e que procurou divulgar na Grã-Bretanha. Diz-se mesmo que financiou a edição inglesa… Casa-se, entretanto, em 1879 com Elizabeth Ann Bills e torna-se pai de 3 raparigas e um rapaz. A esposa morre em 1904, um pouco antes da sua mudança para Letchworth, a primeira cidade-jardim. Casa-se de novo em 1907 e muda-se então para Welwyn, a segunda cidade-jardim de que também foi um instigador. Morre em 1928. Tinha publicado o livro «To-morrow: a peaceful path to real reform”, que é reeditado em 1902 com algumas alterações sob o título, que se tornou célebre, «Garden Cities of To-morrow», onde expõe a sua concepção social e descreve com detalhe o que é a «cidade-jardim».

A «cidade-jardim», é um modelo de sociedade?

Ebenezer Howard não adere ao liberalismo económico, prefere antes a cooperação, especialmente, a que se refere à propriedade dos solos. Sem ser um teórico, ele é um fervente leitor de um conjunto de autores que constituem a sua biblioteca e que nunca deixou de consultar. As suas ideias, apresentadas com certa simplicidade, sem grande recursos de linguagem nem teorizações excessivas, alimentam-se dessas leituras. Encontramos aí o economista Alfred Marshall ( 1842-1924), a quem vai buscar a ideia da propriedade colectiva das terras e de uma fiscalidade judiciosa; o geógrafo Piotr Kropotkine (1842-1921), autor do livro «Fields, Factories and Workshops» (1898), que luta por um habitat desconcentrado e uma outra repartição territorial das actividades económicas; Benjamin Ward Richardson (1828-1896), autor de «Hygeia» (1876), iniciador do movimento artístico Arts and Crafts e autor da obra « Notícias de parte alguma» (1891) onde é descrita uma sociedade pacificada e socialista; o romancista e publicista norte-americano Edward Bellamy (1850-1898), autor de «Looking Backward». Neste romance ucrónico de 1888, Bellamy imagina a sociedade de Boston no ano de 2000: aí o Estado possuiria os meios de produção, todos os indivíduos entre os 25 e 45 anos serviriam no Exército do trabalho, o dinheiro já não existiria, cada um possuiria um cartão de crédito que lhe permitia comprar o que desejasse; os inválidos, doentes e indigentes beneficiariam da solidariedade colectiva; os progressos técnicos e o conforto estavam generalizados, e a igualdade assegurada. A estas leituras convém acrescentar outras influências: aquando da estadia nos Estados Unidos, Ebenezer Howard conheceu os projectos agrícolas de Frederick Law Olmsted (1822-1903); visitou a «cidade-parque» de Adelaide, na Austrália, assim como o Port Sunlight e Bournville, na Grã-Bretanha. Pensou mesmo dar o nome de «unionville» ou «rurisville» ao seu projecto de cidade, antes de optar pela designação de «garden-city», sem saber que Christchurch, fundada em 1859, era conhecida por ser a «cidade-jardim» da Nova Zelândia, ou que Alexandre T. Stewart tinha colocado a primeira pedra em 1869 num loteamento cognominado de «Garden City», em Long Island… O nome de «garden city» tinha o mérito de ser fácil de traduzir nas principais línguas europeias ( Gardenstadt, cite-jardin, ciudad-jardin, turnstad,…), o que contribui para o seu êxito.

O objectivo do autor não era simplesmente de carácter urbanístico, mas também de natureza política. Com efeito, no momento em que se registava um enorme êxodo rural e um crescimento exponencial das populações – em condições inqualificáveis, que a imprensa não se cansava de denunciar – tornava-se imperioso a pergunta: o que fazer? A sua resposta pretendia escapar à velha dualidade entre cidade e aldeia, preconizando a sua fusão, uma vez « que a sociedade humana, e as belezas da natureza são feitas em conjunto para o homem». Para depois explicitar melhor as suas intenções: «esforço-me por mostrar como, na combinação cidade-campo, se pode usufruir de possibilidades de vida sociais iguais – melhor dizendo, superiores – às que são oferecidas por uma cidade populosa , ao mesmo tempo que as belezas da natureza ambiental estarão ao alcance de todos os seus habitantes. Mostro como os salários mais elevados são compatíveis com as rendas e os impostos mais reduzidos, como as múltiplas possibilidades de emprego e perspectivas brilhantes de futuro podem, por todos, ser procuradas; como as melhores condições sanitárias poderão ser asseguradas; como existirão bonitos jardins; como os limites da liberdade poderão ser alargados, ao mesmo tempo que os melhores resultados da coordenação e cooperação serão desfrutados por uma população feliz».

É de notar que a cidade-jardim apresenta-se como uma cidade inteira, «total» e «autónoma» ( não como uma periferia-dormitório, dependente da grande cidade que a domina), com as suas actividades económicas e numerosos equipamentos colectivos. O livro é um verdadeiro guia prático tentando responder à questão de como edificar uma cidade-jardim. Diagramas explicativos – que facilmente imaginamos na superfície de painéis que servem para acompanhar as exposições ou as conferências públicas – recapitulam os principais componentes da cidade-jardim. Numa superfície de 2.400 ha, por exemplo, a cidade não ocupa senão um sexto, podendo ser circular tendo como centro um jardim, para o qual convergem as seis principais avenidas que delimitam os bairros. Várias e sucessivas coroas envolvem este coração vegetal: um Palácio de Cristal ( inspirado naquele que foi construído por Joseph Paxton para a exposição de Londres de 1851) alberga as lojas comerciais e permite uma deambulação ao abrigo das intempéries; um outro arco acolhe os serviços administrativos; outro ( a grande avenida) com uma. largura de 70 m separa as habitações das actividades industriais e, enfim, um novo parque envolve a cidade, e no seu limite, encontramos o caminho de ferro e as explorações agrícolas.
Ebenezer Howard indica o número de 32.000 habitantes, dos quais 2.000 seriam agricultores, para a cidade-jardim ideal, sabendo-se que ele previa núcleos de seis cidades-jardins ligadas entre elas e à cidade central de 58.000 habitantes. O conjunto formaria a «Cidade Social». O solo pertenceria à propriedade colectiva, que é fonte de rendimentos ( os campos para os agricultores e as parcelas para os industriais e comerciantes…), o mesmo se passando com as despesas ( para a manutenção dos parques, dos jardins, da limpeza, reembolso de empréstimos, investimentos imobiliários, construção de escolas e creches, hospitais, salas de concerto, cinema e salas para reformados…). Para que o solo disponível, diferentemente do das grandes cidades que é raro e caro, encontre locatários, seria obrigatório que a cidade-jardim estivesse ligada às outras cidades e regiões por via férrea que assumiria assim uma função estratégica no desenvolvimento do projecto. O sistema social e económico seria baseado na cooperação – encontramos aqui a influência tanto de Bellamy como do Kropotkine do «apoio mútuo»- e nas associações de bairro. O socialismo não seria estatal, mas antes descentralizado e local.. Ebenezer interessa-se pelas técnicas, não deseja um regresso à terra que ignore a electricidade. Bem pelo contrário, encara o progresso como libertação dos homens e mulheres no que respeita, por exemplo, às tarefas e trabalhos penosos e repetitivos. Concebe a sua «Cidade Social» como um local de produção de riquezas, tecnicamente avançado, oferecendo trabalho a todos e permitindo a realização de todos. Procura responder antecipadamente às objecções e críticas sobre a praticabilidade do seu projecto ao torná-lo didáctico, prático, argumentado e persuasivo.

Em 1899 com um conjunto de amigos ele funda a Garden City Association, à qual aderem pessoas como Ralph Neville e Thomas Adam. Em 1903 surge uma «companhia de pioneiros», que adquire 3.818 acres de terras no Hertfordshire, a 35 milhas (50 Km) da capital, a fim de aí ser edificado a Letchworth. É então que se começa a construir a primeira cidade-jardim, segundo o plano de Raymond Unwin (1863-1940) e Barry Parker (1867-1947).
Vários patrões filantrópicos tinham já saído da cidade a fim de instalar em pleno campo as suas cidades industriais «limpas» - como actualmente se diria – com uma arquitectura segundo o estilo Arts and Crafts: Bournville próximo de Birmingham e Port Sunlight no sul de Birkenhead. A primeira abrigava a chocolataria de George Cadbury e as casas dos trabalhadores e foi erguida ao longo dos anos 1890. A segunda resultou da iniciativa do fabricante de sabão William Heskett Lever e data do fim dos anos 1880.

Ao mesmo tempo, a Staveley Coal and Iron Company lança uma política de construção de «cottages» para os seus trabalhadores sob a forma de urbanizações residenciais, segundo o princípio do custo mínimo, mas para um máximo conforto. Raymond Unwin faz daí as suas primeiras armas, o que o leva a reflectir sobre o alojamento social. Publica em 1902 uma brochura intitulada «Cottage Plan and Common Sense» e em 1903 »Cottages Near a Town», depois de ter escrito com o seu associado e cunhado Barry Parker, «The Art of Building a Home», em 1901. Foi numa reunião da Garden City Association em 1901 que ele simpatiza com Seebohm Rowntree, o filho do empresário Joseph Rowntree. Este pensa em construir uma «cidade modelo» no norte de York, New Earswick, e confia os seus projectos a Parker e Unwin. As primeiras casas ficam prontas em 1904, outras se seguirão como o Folk Hall, inaugurado em 1907, e uma escola ao ar livre desenhada por Raymond Unwin em 1912…Quando vencem o concurso para Letchworth ainda não passam de iniciantes. Se o pensamento de William Morris lhes alimenta o seu ideal político, as suas competências profissionais derivam de variadas experiências. Ebenezer Howard escreveu por baixo dos seus esquemas a seguinte nota: « isto não é mais que um diagrama. O plano só pode ser desenhado depois de escolhido o local.» Este sábio conselho é seguido por Raymond Unwin que se desloca ao local, realiza um esboço, delimita o local e projecta uma plano bem diferente do plano circular. Os planos são evidentemente privilegiados e Unwin generaliza o uso becos e ruas sem saída. As arquitecturas não são homogéneas e revelam inspirações distintas, desde sólidas «cottages» com telhados de tela encarnada e pequenas janelas quadradas ao lado de uma casa com um tecto plano, painéis de betão, feitos em fábrica e transportados por comboio de Liverpool a Letchworth…Em cada ano surge novas construções e equipamentos, sempre no respeito pelos princípios fundadores, e sessenta anos depois de chagada dos primeiros habitantes, Letchworth conta com mais de 32.000 residentes…
Em 1919, Howard compra um terreno a 30 km de Londres e ergue aí a sua segunda cidade-jardim – Welwyn – a partir dos planos de Louis de Soissons (1890-1962). Em seguida, ainda que distantes, Barry Parker entusiasma-se pelas ideias da «cidade-satélite» e de «cidade nova» ( new town), enquanto Raymond Unwin trabalha em «Urban Planning» tanto no ensino como no seio das administrações públicas. Na falta de um massivo sucesso massivo na Grã-Bretanha, a cidade-jardim conhece desenvolvimentos felizes em diversos países do mundo.


Um Modelo Universal de Urbanização


A obra de Ebenezer Howard é traduzida em várias línguas, os planos de Parker e Unwin são reproduzidos em numerosas revistas de arquitectura e de urbanismo e os seus autores são convidados para conferências; não é, por isso, de espantar o sucesso da cidade-jardim em países tão longínquos como o Japão, os Estados Unidos, a Espanha, a Itália, a França, a Bélgica, os Países Baixos…Em cada caso trata-se mais de uma adaptação de um modelo de urbanismo r não da adopção de um programa de reformas sociais com base numa cidade-tipo.
No Japão, por exemplo, a fórmula garden city traduziu-se no «de’en toshi» que o dicionário define assim: «cidade que apresenta o aspecto do campo, ou ainda cidade planeada e construída nos campos dos arredores de uma grande cidade». Augustin Berque, a que se refere a esta citação, apresenta a obra japonesa, aparecida em 1907. Analisando o conteúdo ao longo dos seus quinze capítulos, ele mostra a que ponto os autores estão distantes do pensamento «socialista» de Ebenezer Howard. Não hesita mesmo a qualificar esse texto de reaccionário, e que mostra todo uma atitude anti-ocidental que preconiza um regresso aos valões ancestrais, uma espécie de ruralismo misturado com nacionalismo que privilegia a aldeia e os campos relativamente com a cidade e os jardins. Contudo, um empresário japonês modernista e ocidentófilo, Eiichi Shibusawa ( 1840-1931) aceita em 1915 promover uma «den’en toshi». A sociedade é criada em 1918. Dotada com sólidos capitais, ela compra terrenos (Tamagawa-dai-aera), assegurando a abertura de uma linha de caminhos-de-ferro com ligação a Tóquio para descongestionar. A sociedade destina-se a alojar os quadros médios em Senzokur e universitários no campus de Ookayama; a cidade-jardim torna-se assim nos arrabaldes de Tóquio com os seus jardins e um enquadramento de vida campestre. Shun-Ichi J. Watanabe tem toda a razão ao dizer que, se a palavra conseguiu passar, o mesmo não aconteceu com o conceito. Com efeito, o Japão rural foi confrontado simultaneamente com uma modernidade local e uma modernidade importada, dispondo esta última de numerosos trunfos, espaço e sobretudo de horizontes para onde se pode alargar, renovar e reforçar-se.

Na Alemanha, a recepção, a palavra e o conceito foram outros. A Alemanha acabava de nascer enquanto Estado, a sua fecundidade era tão grande que a sua população emigrava das aldeias para as cidades, mas também para o Novo Mundo. Conheceu então várias décadas de industrialização activa, intensiva e inventiva. Uma parte do patronato preocupava-se em alojar os seus trabalhadores, para o que edificaram «cidades operárias», cujos modelos vinham da Inglaterra, via as Exposições Universais, com as adaptações francesas, em particular as da Alsácia ( Mulhouse). Mas o modelo sofre bastantes modificações a fim de se encaixar melhor na sociedade alemã, os seus gostos, as suas formas de urbanização e a força reivindicativa dos sindicatos e partidos de esquerda e de extrema-esquerda. È neste contexto que a «garden city» vai seduzir tanto os reformadores sociais como os conservadores, muitas vezes anti-semitas ( a grande cidade é olhada como o local por excelência de misturas e consequentemente de degenerescência da «raça»…), os revolucionários marxistas ( Marx e Engels denunciavam a grande cidade e consideravam que a revolução iria resolver a contradição entre a cidade e o campo), assim como muitos defensores e «amantes da natureza»…Mais uma vez, a mesma palavra esconde concepções totalmente inconciliáveis entre elas. A Gartenstadtgesellschaft é criada em 1902 e o elenco de posições que ela reúne é bem mais reduzido. É largamente dominado pelos partidários de uma estética urbana ( que irmãos encontrar na Werkbund em 1907) ligada a uma planificação urbana ( p primeiro número da revista Der Stadtebau, de Camillo Sitte e Theodor Goecke, aparece em 1904), tudo isso dentro de um quadro «natural». Um industrial, Karl Schmidt, fundador da Dresdner Werkstatten fur Handwerkskunst ( na linha de WilliamMorris e do seu movimento Arts and Crafts), decide mudar os seus ateliers e as instalações dos seus operários-artesãos para Hellerau. Richard Riemerschmid ( 1868-1957) realiza o plano-massa e desenha alojamentos individuais à margem da arquitectura «tradicional», o que não contraria certas inovações formais.

O caso francês corrobora o que acaba de ser evocado a propósito do Japão e da Alemanha. Georges Benoit-Lévy ( 1880-1971), advogado de formação, filho de um fabricante de brinquedos, aceita em 1903 uma missão de pesquisa sobre as cidades-jardins financiada pelo Museu social.O relato das suas viagens e leituras, «La Cité-jardin», sai em 1904 e é prefaciado por Charles Gide ( 1847-1932), tio do romancista André Gide, célebre economista «implicado» nas universidades populares, nos movimentos associativos, e sobretudo como teórico da economia social e do sistema cooperativo ( Escola de Nîmes). Depois de ter resumido a teoria dos «três amantes» de Ebenezer Howard, ele relata a sua descoberta de Port Sunlight e de Bournville, recenseando depois as principais experimentações das cidades-jardins no mundo, antes de concluir – uma vez que deseja assumir o papel de observador neutral - com a constatação de que esta «utopia» de papel se torno uma realidade humana… Alguns anos mais tarde, em 1911, em «Villages-jardin et Banlieues-jardins», ele debruça-se sobre a palavra e o conceito: « A marca da cidade-jardim ganhou uma tal reputação que já foi objecto de contrabando. Desde as urbanizações feitas por especuladores aos grupos mais sórdidos das casas operárias, a expressão cidade-jardim tem sido indiferentemente usada pelos flibusteiros que tenham interesse em criar confusão. Os projectos sérios, porque são mais duráveis, demoram mais tempo a chegar à maturidade.(…) Aproximando-se do tipo de garden city, pelo menos quanto à maneira de construir, assim como quanto à organização da vida social e do espírito de solidariedade que inspirou a sua fundação, as cidades-jardins e os arredores-jardins ( banlieues-jardins) diferenciam-se claramente das cidades operárias e das empresas especulativas.» Um pouco mais adiante, ele lamenta ter contribuído para os equívocos ao conservar a palavra inglesa para designar realidades francesas…

É certo que em França, apesar do alojamento social não ser talvez uma preocupação nacional, existem algumas experimentações inovadoras. As cidades ferroviárias, que se multiplicam depois de I Guerra Mundial, rejeitam o plano geométrico, misturando as casas individuais confortáveis e os jardins operários. Em Reims, na cidade-jardim de Chemin-Vert, o arquitecto Marcel Auburtin ( 1872-1926) propõe uma quinzena de tipologias de habitat que se podem combinar e dispersar-se na paisagem. Alojamento operários, alojamento social, talvez, mas não isento de beleza, de verdura e de cama. A cidade-jardim à francesa, tendo em conta a fraqueza do movimento cooperativo e as reticências dos partidos de esquerda para com a política de alojamento, apoia-se na pequena fracção de patrões favoráveis à melhoria das «condições físicas e morais» dos trabalhadores e das suas famílias, e na acção de um punhado de autarcas convencidos que mudar a cidade se traduz em mudar de vida…
Georges Benoit-Lévy monta em 1903 a Associação das cidades-jardins, que irá animar com sincera paixão, não muito esclarecida, até à sua reforma em 1908. Aparentemente a secção de higiene urbana e rural do Museu social toma conta da sua gestão e nomeia Georges Risler (1853-1941) o seu porta-voz. Doravante a cidade-jardim, sempre reivindicada, torna-se uma das formas urbanas, entre outras, do ordenamento territorial da região parisiense. O seu residente não é co-proprietário do seu alojamento mas antes o co-gestionário da sua cidade. Tais mudanças explicam-se para evitar prender o operário a um único sítio, no caso da fábrica fechar as portas… Henri Sellier, eleito socialista e saído da HEC, falando inglês, vai fazer das relações entre as comunas dos arredores e Paris um dos seus cavalos de batalha, sendo o outro o alojamento social ( ele esteve na origem da criação do gabinete de habitação social). Remodelar Paris e a sua região, tornar solidárias estas duas entidades, voltar a povoar as comunas mais pequenas e dotar o conjunto da região de uma rede de transportes colectivos. Ele imagina mesmo uma transferência fiscal das comunas mais ricas para as mais pobres…

Um mapa de 1933 localiza as cidades-jardim da região parisiense realizada por aquele gabinete: Suresnes, Gennevilliers, Stains, Drancy, Le Pré-Saint-Gervais, Les lilás, Charenton, Champigny, Maison-Alfort, Vitry, Malabry, Le Plessis-Robison, Vanves e Boulogne. Elas envelheceram e algumas acabaram por ser patrimonializadas e reabilitadas. As que estavam mais inseridas no urbanismo periférico acabaram por se fundir nele e, actualmente, um observador dificilmente reconhecerá a marca de presença de uma cidade-jardim. A diversidade das tipologias dos 13.000 alojamentos destas residências ( casas individuais, casas-gémeas, loteamentos em grupo, pequenos imóveis isolados, imóveis sobre a via de circulação…) a presença de um jardim diante e atrás da habitação, as ruas, as ruelas, os bcos, as pracetas, as alas, um mobiliários urbano específico, tudo isso confere às cidades-jardins uma real originalidade e um qualidade indiscutível, mesmo se as actuais normas de conforto não são completamente satisfeitas, e se a vida urbana dos primeiros militantes se mostra amputada da sua dimensão participativa.
Será necessário ainda evocar as outras cidades-jardins espalhadas pelo mundo, como em Espanha ( Sevilha, mais concretamente), em Itália ( Littoria, hoje Latina), em Israel ( Telavive), Finlândia ( Helsínquia), na Polónia ( Wroclaw), na Bélgica ( Le Logis-Floréal, perto de Bruxelas), mas sobretudo nos Estados Unidos, e compreender o que funcionou bem e aquilo que contribuiu para o esgotamento deste modelo de vida urbano.


A história da cidade-jardim segundo Ebenezer Howard demonstra que a opinião não chega para mudar a face das cidades, isto é, que uma ideia generosa, desinteressada, não chega para reformar pacificamente uma sociedade. Certamente que a intervenção de habitantes motivados e organizados, apoiados por uma associação dispondo de capitais e do contributo de competências de arquitectos e de urbanistas, pode levar à realização de uma cidade-jardim. Mas os bons exemplos não desencadeia por si a proliferação espontânea…A questão política mantém-se, ainda mais numa época de grande reagrupamentos territoriais ( União Europeia, por exemplo) e da globalização. Ora que democracia urbana promover? Que relações se estabelecem entre a cidade e a generalização dos territórios urbanos? Que relações entre a Natureza e a Técnica? Ebenezer Howard, na sua época, deu respostas. Mas a problemática mantém-se…

Autor do texto: Thierry Paquot
Publicado na revista Urbanisme nº 343, Juilet-Août de 2005

Fusão dos portais de contra-informação La Haine e Rebelión


É, sem dúvida, uma das notícias que marcam o final deste ano de 2005: o anúncio que os conhecidos portais de contra-informação em língua castelhana La Haine ( de matriz libertária) e Rebelión ( de matriz marxista) decidiram fundir-se.

A muito custo e bastante lentamente parece que comunistas e anarquistas, depois de mais de século e meio de intermináveis disputas, começam a aproximar-se mais não seja no mundo virtual da net.

Para o colectivo editorial de La Haine este é «pequeno passo para a contrainformação, mas um grande passo para a Humanidade». Sobre as suspeitas que tradicionalmente os libertários lançam sobre o comunismo marxista, o colectivo afirmou: « Tanto na guerra civil espanhola como na revolução russa existiu colaboração entre anarquistas e comunistas com bons resultados.»
Agustín Morán, do CAES, foi o grande artífice desta fusão, se bem que Pascual Serrano, um dos mais conhecidos articulistas de Rebelión já tinha surpreendido todo o mundo, há algumas semanas atrás, ao confessar que não encontrava nenhuma diferença entre o pensamento de Lenine e o de Bakunine.

Pela nossa parte, não levantamos qualquer objecção e desejamos afincadamente que esta colaboração seja produtiva e um exemplo a seguir. Tal não impedirá, no entanto, a opinião que as duas correntes do movimento operário em questão tenham suficientes divergências para não ser fácil uma sã convivência, até porque se trata de universos teóricos substancialmente distintos.

Não obstante, não se perde nada em se tentar mais uma vez…
Porque não?

Vendaval, uma editora literária


www.edicoes-vendaval.pt


Vendaval é uma pequena editora surgida em 2000 e que tem lançado ensaios, traduções e textos literários muito interessantes, desde Emerson até Jean-Luc Nancy. No seu catálogo editorial destaca-se ainda os ensaios de Silvina Rodrigues Lopes.

Um dos seus últimos lançamento é o pequeno volume do filósofo Jean-Luc Nancy com o título «Resistência da Poesia» e que já nos referimos há alguns meses atrás aqui no Pimenta Negra, aquando do seu aparecimento em França. Da contracapa da edição portuguesa pode ler-se:

«Assim, a história da poesia é a história da renúncia persistente em deixar a poesia identificar-se com qualquer género ou modo poético – não, todavia, para inventar um outro mais preciso do que os outros, nem para os dissolver na prosa como na verdade que lhes cabe, mas para determinar incessantemente uma outra, uma nova exactidão.»
Jean-Luc Nancy

29.12.05

Kropotkine, defensor da cooperação e do apoio mútuo



Pierre Kropotkine ( 1842-1921), anarquista russo, preconizava uma «revolução» baseada no apoio mútuo e inspirada nas comunidades tradicionais, em oposição às ideias darwinistas da competição surgidas na época e que são hoje dominantes. Era também um dos poucos anarquistas a rejeitar toda a violência.

«Quando deixei as montanhas depois de uma semana passada junto dos trabalhadores relojoeiros suíços, a minha opinião sobre o socialismo tinha-se consolidado. Tinha-me tornado anarquista ». Tais são as palavras pronunciadas em 1872 pelo príncipe russo de 30 anos, Pierre Kropotkine. Nenhuma teoria da hereditariedade ou do meio ambiente permitiria explicar a evolução deste homem, muito diferente dos príncipes czaristas do seu tempo. A sua vida tinha tido um percurso assaz clássico. O seu pai era rico e possuía 1.000 servos; a sua família passava o tempo entre a residência moscovita e as suas propriedades rurais. Com a idade de 15 anos, Pierre Kropotkine entra num corpo de elite do exército russo, destinado a tornar-se oficial. Mas desde os 20 anos o seu interesse pela ciência política suplantou o gosto pela vida militar. Solicita então a sua transferência para a Sibéria Oriental, perto da fronteira chinesa, esperando que nesta longínqua região pudesse dedicar-se às suas actividades preferidas. Empreende então um grande número de viagens de exploração totalizando cerca de 80.000 Km, a maior parte delas a cavalo. As observações por si realizadas constituem um contributo ainda hoje largamente reconhecido para o conhecimento da estrutura geológica do continente asiático. Mas a sua vida intelectual enriquece-se, sobretudo, graças às suas observações antropológicas e zoológicas. Encontra numerosos povos tradicionais e apercebe-se que eles eram naturalmente sociáveis…sem necessitarem do auxílio do Estado ou de leis! Foi então levado a questionar a ênfase dada pelo darwinismo sobre a competição e a luta entre os animais da mesma espécie como factor de evolução.
Em 1867 Kropotkine abandona o exército, desiludido com as brutalidades cometidas pelo regime czarista. Nos anos seguinte ocupa-se a dar cursos de geografia, interessando-se pela história da mudança climática e da era glaciar. Por volta de 1871 decide-se consagrar-se à reforma social. Naquela época reforma não podia significar outra coisa que não fosse revolução; é assim que Kropotkine decide viajar pelo estrangeiro a fim de clarificar as suas ideias através dos encontros que manteve com revolucionários da Europa ocidental. O movimento socialista internacional estava em vias de se cindir em dois ramos irreconciliáveis, marxistas e libertário. Não foi preciso muito tempo para Kropotkine escolher o seu campo, graças a uma curta visita à federação igualitária dos relojoeiros na região suíça da Jura.

Kropotkine regressa à Rússia como convicto anarquista e abraça o papel de revolucionário profissional. Não demorou a ser detido. Após dois anos de prisão os seus amigos organizaram a sua evasão do cárcere assim como da Rússia. Nunca mais regressará à sua terra natal até 1919. Passou ainda 3 anos de prisão em França. Entre 1886 e 1917 viveu na Inglaterra como escritor reconhecido, em pleno meio intelectual, tornando-se um destacado teórico do anarquismo.

Um teórico concreto do anarquismo

Os escritos de Kropotkine diferem de muitos textos anarquistas pelo seu conteúdo legível e factual. Desejava lançar os fundamentos científicos e teóricos ao anarquismo. Ao longo dos seus textos ele não discursa, antes dirige-se de forma cortês, afável e erudita ao leitor. Os seus livros resistiram ao tempo e são periodicamente reeditados.

Foi um dos primeiros pensadores a levar a cabo uma análise detalhada sobre a descentralização como a melhor maneira de viver numa sociedade humana. Kropotkine era um optimista e pensava que o mundo iria inelutavelmente nesse sentido. As mudanças previstas levaram, é certo, algum tempo a realizar-se. Foi ele que antecipou assim o tempo em que os países exportadores de alimentos consumiriam a sua produção. «Toda a nossa civilização de classe média está baseada na exploração de raças ditas inferiores e de países industriais menos avançados. A Revolução acabará de produzir benefícios derrubando esta civilização e permitindo que as raças ditas inferiores se libertem. Mas este resultado exteriorizar-se-á por uma diminuição regular da alimentação oferecida nas grandes cidades ocidentais.»A Revolução não é para ele o catalizador necessário deste processo, uma vez que as forças económicas em presença encarregar-se-iam de conduzir a este desenlace. Os economistas ortodoxos do século XIX consideravam o futuro económico do mundo em termos de especialização crescente dos países. «A humanidade deve ser dividida em indústrias especializadas por países. A Rússia devia tornar-se num celeiro de milho, a Inglaterra numa imensa fiação de algodão, a Bélgica num atelier de tecelagem…esta especialização devia abrir uma imenso campo de produção, de consumo de massa e a uma era sem fim de riquezas para toda a humanidade.» Kropotkine notava que os exportadores tradicionais de matérias-primas começavam já a abrir as fabricas nas suas terras. Assim também a Inglaterra devesse abandonar a ideia que os seus habitantes pudessem viver da exportação de bens manufacturados. A Inglaterra devia tornar-se auto-suficiente.
Kropotkine foi muito optimista, pois os optimistas ortodoxos não estavam tão inactivos como ele pensava em 1890… nem mesmo um século mais tarde! Cada vez mais países se especializam em bananas, açúcar, cobre ou cacau.

Campos de alimentação

A etapa seguinte na sua argumentação permanece válida para os países ocidentais. As matérias-primas são cada vez mais difíceis de serem obtidas: se a auto-suficiência é hoje desejável, amanhã ela será uma necessidade. Kropotkine crê firmemente que a Inglaterra, por exemplo, pode ser auto-suficiente, tendo consagrado o primeira parte do seu livro «Fields Factories and Workshops», escrito em 1898, a defender esta tese. Ele escreveu-o após um longo período de diminuição da produção agrícola e, se os números já não são actuais, o certo é que os seus argumentos mantém-se válidos. O mal-estar agrícola era causado pela «deserção, o abandono das terras. Cada cultura exigindo trabalho humano viu a sua área reduzida (…), longe de serem superpovoados os campos ingleses careciam de braços.» No Middlesex, Kropotkine podia percorrer 8 quilómetros ao longo dos campos, «nos quais mal se produziam duas toneladas de palha por meio hectare, e em que um hectare dava para alimentar uma vaca leiteira. E isso a 24 km de Charing Cross ( bairro de Londres), cidade de 5 milhões de habitantes que era abastecida com batatas vindas de New Jersey e do País de Gales, hortaliças francesas e maçãs canadianas.». Ou seja, um modelo oposto à produção intensiva de hortaliça em França, das ilhas Anglo-Normandas e mais uns quantos. Kropotkine era um bom jardineiro, tinha produzido legumes…na prisão e vinhas nos arredores de Londres. O seu entusiasmo pelos hortelãos não tinha limites. «Eles criaram uma agricultura nova…a sua ambição era de ter entre seis a nove culturas sobre o mesmo naco de terra durante um ano. Eles não compreendem o discurso sobre os bons e os maus solos porque são eles próprios que os fazem» com estrume, algas, composto e tudo o que é localmente disponível.
«Mas em Paris o jardineiro não desconfia só do solo mas ainda do clima» pelo que utiliza uns tubos de vidro para aquecer o solo. Com tais métodos uma horta de um hectare, perto de Paris, e no qual trabalham oito pessoas (o que representa um trabalho muito duro segundo Kropotkine, que preferia ver 12 homens a realizar essas tarefas em quatro horas por dia) produz num ano dez toneladas de cenouras, 6.000 alfaces, 3.000 couves-flor, 5.000 cestos de tomates, 154.000 saladas, o bastante para alimentar 350 pessoas.
«Se a população de um país duplicasse tudo o que era preciso para produzir alimentos para 90 milhões de habitantes seria cultivar o solo tal como é cultivado nas melhores quintas. E utilizar os campos que hoje não estão explorados de modo a que as periferias das grandes cidades francesas sejam aproveitadas para o cultivo de hortas».

Na Inglaterra actual existe apenas um meio hectare de terra por pessoa (em França a proporção é de um pouco menos de um hectare por habitante) e produz-se metade da nossa alimentação, os holandeses com três quartos de um hectare por pessoa, mas com um agricultura mais «kropotkiniana» produzem mais de 50% das suas necessidades em alimentação. Um agricultor inglês objectaria dizendo que os seus solos são melhores, mas Kropotkine responderia certamente que a terra é o que se faz dela. «Os solos mais férteis não são as pradarias da América, nem as estepes da Rússia, são antes as turfeiras da Irlanda, as colinas arenosas da costa marítima setentrional francesa, as montanhas pedregosas do Reno, as paisagens modeladas pelo homem.»

A questão da especialização

O grande aumento das horas de trabalho agrícola poderia ser contrariado graças fazendo da agricultura uma actividade a meio-tempo. Note-se que a separação da agricultura com a indústria é um fenómeno moderno, sendo que na Inglaterra essa separação era na época um facto consumado. No resto da Europa milhões de pessoas viviam ainda como camponeses-artesãos ignorados pelos economistas ortodoxos que só viam o seu sistema baseado na indústria logo, o desaparecimento daquele mundo rural. Kropotkine encarou sempre de forma optimista este mundo e pensava que as vantagens lhe garantiriam a sobrevivência. O seu maior argumento a favor das pequenas indústrias descentralizadas era de natureza social ou moral: elas eram: elas eram compatíveis com a felicidade humana numa sociedade justa e livre. Mas era suficientemente realista para se aperceber que as suas convicções morais deviam basear-se no bom senso económico. A maior parte das pessoas não farão o que é justo se não estiverem convencidas que os benefícios materiais serão, pelo menos, iguais aos benefícios de quem pensa as coisas ao contrário. Por isso mesmo é que Kropotkine teve tanto cuidado em demonstrar a eficácia da descentralização económica. A revolução industrial foi feita com base no princípio da divisão do trabalho: uma maior especialização deveria significar maior produtividade. A falha deste raciocínio está em pensar que as pessoas têm necessidade de trabalhar para serem felizes. O ideal da indústria moderna é o de uma criança controlar uma máquina que não entende nem pede satisfações…O ideal da agricultura moderna é o de desembaraçar-se do camponês e de enviar um homem que faça pequenos trabalhos de vigilância e controle sobre uma máquina de ceifar. A divisão de trabalho significaria especializar certos homens nas fábricas de tecelagem, outros como contramestres, outros ainda destinados a puxar os carrinhos de carvão no fundo das minas; mas sem que nenhum deles faça alguma ideia sobre o funcionamento global da maquinaria fabril ou da mina. Ora isso destrói o espírito de inventividade e o amor ao trabalho que permitiu criar a máquina que habitualmente somos tão orgulhosos.

Relocalizar a economia

Mesmo se Kropotkine não escondeu o seu entusiasmo pró-maquinismo, ele foi dos raros a aperceber-se que o problema principal era a escala da mecanização. Aprovava a electricidade como um meio de distribuir facilmente a energia a diferentes locais, tornando assim obsoleto a centralização do industrialismo baseado no carvão. Certamente que a grande escala é necessária a certas indústrias: «Os barcos a vapor não podem ser construídos nas aldeias» ( mesmo se ele se interroga sobre a verdadeira necessidade desses barcos), mas frequentemente «as grandes indústrias não são senão aglomerações…de várias indústrias distintas ou de várias centenas de cópias da mesma máquina». A maior parte das indústrias, conclui, são centralizadas por razões históricas e comerciais, e não técnicas. A relocalização da indústria em pequenas unidades através do campo seria realizável; a agricultura beneficiaria da acumulação do saber-fazer e da disponibilidade dos braços suplementares para o trabalho sazonal. Os trabalhadores seriam mais felizes e com mais saúde, e as clivagens entre cidade e campo, trabalho manual e intelectual seriam superadas. O fosso entre trabalhadores e os consumidores desapareceria e as unidades sociais seriam reduzidas a um tamanho que permitiria o desenvolvimento do sentido de comunidade e a expansão da liberdade.

As provas dadas pela natureza e as populações tradicionais

A crítica mais frequente ao anarquismo é que não toma em consideração o carácter anti-social da natureza humana. Numa das suas obras mais célebres, o Apoio Mútuo, Kropotkine tentou responder a esta objecção fornecendo provas zoológicas, antropológicas e históricas do lugar central da cooperação comparativamente à competição na vida animal e humana. Esse livro era uma resposta a um ensaio de T.H. Huxley ( 1825-1895) sobre a luta pela sobrevivência em que ele comparava o mundo animal a um combate de gladiadores «os mais fortes, os mais apetrechados e os mais preparados que alguma vez apareceram até à próxima batalha.». Ele falava da vida dos homens primitivos como se fosse uma batalha contínua e uma guerra hobbesiana de todos contra todos como o estado normal da existência. Ora as observações feitas por Kropotkine sobre os animais e os povos primitivos na Sibéria rejeitavam aos seus olhos as opiniões de Huxley. No seu livro «Apoio Mútuo» ele baseia-se em numerosas referências para sustentar que aqueles que sobrevivem não são os mais competitivos, mas antes os mais «cooperativos». Ele cita por exemplo os escaravelhos ( necróforos) que enterram os animais mortos para aí porem os seus ovos. Os pelicanos nadam de frente para armadilhar os cardumes de peixes. Os cavalos selvagens reúnem-se para se defenderem dos lobos e dos ursos. Kropotkine explica que as espécies que contam com maior número de indivíduos são aquelas que têm o instinto de cooperação mais desenvolvido. Seria estranho que o homem fosse a excepção, tanto mais que sendo, «no início, uma criatura tão frágil não deixasse de encontrar protecção no apoio mútuo , tal como os outro animais, e não numa acirrada competição sem olhar para o bem da espécie.» Os elementos apresentados por dezenas de exploradores e antropólogos confortaram Kropotkine na ideia que o«selvagem» é uma ficção. As relações dos povos primitivos eram doces, espontâneas e afectuosas. Kropotkine regozijava-se do comunismo natural destes indivíduos materialmente atrasados
como Hutentotes que « não podendo comer sozinhos, mesmo quando tivessem fome, pediam aos colegas para virem partilhar o seu alimento» ou ainda dos Aleut em cuja comunidade se algum dos seus membros se enriquecia, logo convocava o clã para uma festa a fim de distribuir a sua fortuna.

O seu livro «Apoio Mútuo» traça a historia da ajuda recíproca e insiste no estudo das cidades livres da Idade Média e as confrarias dessas cidades. Elas eram, para ela, modelos de sociedade e estruturas económicas em pequena escala. Considerava o aparecimento dos Estados-Nações no século XVI como uma aberração ao arrepio do progresso histórico. Mesmo na Europa do século XIX ele acreditava ver os fermentos de uma sociedade mais natural. O que é descrito no livro «Apoio Mútuo» é parcial, e o próprio Kropotkine admite-o, mas justifica-se com a necessidade de um antídoto à escola do pensamento individualista.

Não obstante as suas perspectivas revolucionárias, Kropotkine é o fruto da sua época como bem o demonstra a sua fé no progresso e no poder benéfico da ciência. As suas ideias eram influenciadas pelo seu temperamento, doce, moderado, ignorando os baixios da alma humana. Se Kropotkine se resumisse a estes traços podíamos ignorar o seu pensamento. Mas os seus ideais são baseados em factos, em comunidades russas, nas tribos da Sibéria, nos agricultores relojoeiros das Ilhas Anglo-Normandas e por toda uma experiência consolidada graças a uma pesquisa meticulosa e exaustiva.
O optimismo cego é uma falha, mas um optimismo a longo prazo, baseado num saber do mundo natural e das capacidades humanas é uma virtude que bem pode aproveitar à nossa época tão privada de referências.


Autor: Nicholas GouldTexto publicado na edição francesa do nº 17 da revista L’Ecologiste, correspondente aos meses de Dez/2005 e Jan/Fev de 2006

28.12.05

A Amizade ( letra e voz de Herbert Pagani)


A Amizade ( letra e voz de Herbert Pagani, 1944-1988)
Notável cantor, falecido em 1988, muito influenciado pelos ideais ecologistas, Herbert Pagini nasceu em Tripolí de uma família de líbios italianos durante a administração colonial francesa vindo a instalar-se mais tarde em França. Tem discos editados em Portugal.

http://www.megalopolis.it/

A Amizade

Floresce como uma erva selvagem
Não importa onde, na prisão ou na escola
Apanha-se como o sarampo
Apanha-se como um banho

É mais forte que os laços de família
É menos complicado que o amor
Está lá quando estás redondo
Está lá quando pedes socorro

É o único carburante que se conhece
Que aumenta à medida que é usado
O velho encontra nele a sua juventude
E os jovens fazem dele a sua fé

É o banco de todas as ternuras
É uma arma para todos os combates
Aquece e dá-nos coragem
E não tem senão um slogan: partilhar-se

À luz da amizade
O céu é mais bonito
Vem beber à amizade
Meu amigo Pierrot


A amizade é uma outra linguagem
Um olhar e compreendes tudo
É como um S.O.S. de avarias
Que podes telefonar dia e noite


A amizade é o falso testemunho
Que te salva num tribunal
É o tipo que vira as páginas
Quando estás só na cama do hospital

É o banco de todas as ternuras
É uma arma para todos os combates
Aquece e dá-nos coragem
E não tem senão um slogan: partilhar-se

À luz da amizade
O céu é mais bonito
Vem beber à amizade
Meu amigo Pierrot



No original:

Ça fleurit comme une herbe sauvage
N’importe où, en prison, a l’école
Tu la prends comme on prend la rougeole
Tu la prend comme on prend un virage


C’est plus fort que les liens de famille
Et c’est moins complique que l’amour
Et c’est là quand tu rond comme une bille
Et c’est la quand tu cries au secours

C’est le seul carburant qu’on connaisse
Qui augmente a mesure qu’on l’emploie
Le vieillard y retrouve sa jeunesse
Et les jeunes en on fait une foi


C’est labanque de toutes les tendresses
C’est une arme pour tous les combats
Ça rechauffe et ça donne du courage
Et ça n’a qu’un slogan: on partage

Au clair de l’amitié
Le ciel est plus beau
Viens boire a l’amitié
Mon ami Pierrot

L’amitié c’ést un autre langage
Un regard et tu as tout compris
Et c’est comme un S.O.S. depannage
Tu peux telephoner jour et nuit

L’amitié c’est le faux temoignage
Qui te sauve dans un tribunal
C’est le gars qui te tourne les pages
Quand t’es seul dans ton lit d’hopital

C’est labanque de toutes les tendresses
C’est une arme pour tous les combats
Ça rechauffe et ça donne du courage
Et ça n’a qu’un slogan: on partage

Au clair de l’amitié
Le ciel est plus beau
Viens boire a l’amitié
Mon ami Pierrot

Serge Utge-Royo, cantor libertário


http://www.utgeroyo.com/

Serge Utge-Royo é autor-compositor-intérprete, filho de exilados anarquistas catalães, Utge-Royo canta canções de sua autoria assim como do repertório da memória social internacionalista desde temas de Ferré, Debronckart, Victor Jara, Pete Seeger, Lluis Llach, etc.
Vive em França e realiza inúmeros concertos, possuindo ainda uma já vasta discografia. Reproduzimos uma das letras da sua autoria.


Para vós, exilados, serei sempre um irmão
Nem sempre vos compreendo, mas é-me igual…
Hoje saúdo a vossa infinita paciência,
Eu que tenho papéis…e que me queimo de vergonha

Anda, canta!

«Senhor comissário, acabas de me bater…
Porque tens os direitos que te dá a profissão;
E eu, pobre imbecil, como um bom operário,
Construí a masmorra para onde me vais enviar!
É verdade, que eu sou árabe e um pouco português;
Tenho todo o sangue do mundo, excepto o de francês.

Senhores magistrados, fui condenado;
Por tão pouca coisa…Mas o exemplo é importante!
E quando imagino que os vossos carros…fui eu que os construí…
Não inteiramente, é evidente; fui apenas uma marioneta…
É verdade, que eu sou árabe e um pouco português;

Tu, madame, que me insultaste-me
E podes continuar ferindo e humilhando,
Enquanto que eu devo pagar o amor
Em sítios feitos para isso…
É verdade, que eu sou árabe e um pouco português;

O meu país é esse, onde como o pão,
Onde o amor é um fruto que sacia a minha fome…
Se o meu ventre se sente em casa, aqui, de vez em quando…
O meu olhar e a minha vida continuam sempre emigrantes…

Nós somos todos árabes, negros, estrangeiros:
Nós somos a riqueza, nós somos os operários,
Nós somos os esquecidos…»


No original:

A toujours, exilés, je serai votre frère
Je ne vou comprends pás toujours, mais c’est égal…
Aujourd’hui je salue votre infinie patiente,
Moi qui ai dês papiers…et que brûle la honte

Allez, chante!

«Monsieur le commissaire, tu viens de me frapper…
Toi, tu as tous les droits que donne ton métier;
Et moi, le pauvre com, comme un bom ouvrier,
J’ai construit la prison où l’on va m’emfermer!
C’est vrai, je suis árabe et un peu portugais;
J’ai tout le sang du monde, sauf celui de français

Messieus les magistrats, vous m’avez condamné;
Ça valait pás tant qu’ça…Mais l’exemple c’est sacré!
Et dire que vos voitures…C’est moi qui les ai faites…
Pás entièremente, bien sûr, j’étais qu’la marionnette…
Et puis… je suis árabe et un peu portugais…

Madame la Française, toi, tu m’as insulte
Et peux à ton aise blesser et humilier
Je dois payer l’amour, quand ça devient trop dur
Dans dês endroits faits pour qui ressemblent à tes ordures…
C’est vrai, je suis árabe et un peu portugais…

J’ai quitté má région où le pain n’poussait pás
Ils ne viennent plus, les colons, chez eux c’est nous qu’on va
Au lieu d’mourir là-bas…On vient crever ici
L’été on reste là, eux, ils sont au pays
C’est vrai, je suis árabe et un peu portugais…

Mon pays c’est celui où je mange le pain,
Où l’amour est un fruit que je cueille à ma faim…
Si mon ventre est chez lui, ici, de temps en temps,
Mes regards et ma vie sont toujours émigrants…

Nous sommes tous des Árabes, des Noirs, des étrangers:
Nous sommes la richesse, nous sommes les ouvriers,
Nous sommes les oubliés…»

26.12.05

Projecto (de defesa) dos grandes primatas


"Somente quando entendermos, nos importaremos.
Somente quando nos importarmos, ajudaremos.
Somente quando ajudarmos, os salvaremos."
Jane Goodall



O projecto dos Grandes Primatas ( The Great Ape Project) – que no Brasil se chama «Projecto de Protecção dos Grandes Primatas» (GAP) - é um movimento internacional, com representações nos cinco continentes, que tem como objectivo garantir os mesmos direitos aos Grandes Primatas (Chimpanzés, Gorilas e Orangotangos) que aos seres humanos, assim como os locai onde habitam. Lutamos pela sua liberdade e que lhes sejam reconhecidos direitos como o direito à vida e o de não serem torturados

Este projecto baseia-se nos últimos desenvolvimentos da

A) Genética
O grande parentesco que estes animais têm com o homem é enorme. Partilhamos 98,4% dos genes com os chimpanzés, 97,7% com os gorilas e 96,4% com os orangotangos.

B) Comunicação homem-chimpanzés, homem-gorila e homem-orangotango
Os trabalhos realizados pela equipa Gardner e Roger e Deborah Fouts com chimpanzés ( Washoe, Loulis, Dan, etc), H. Lyn White com orangotangos ( Chantek) e Francine Patterson e Wendy Gordom com gorilas ( koko e Michael) ensinando-os a linguagem dos signos dos surdos-mudos mostra bem que não só nos assemelhamos nos genes mas também em termos de comportamento e de capacidades. Foram feitas descobertas surpreendentes como mostrar que têm a sua própria cultura, que são capazes de transmiti-las aos seus filhos, que conversam entre si, que têm pensamentos privados, imaginação, recordações, autoconsciência, empatia, capacidade de enganar, curiosidade, sentido de humor, sentido do tempo, consciência da morte e que têm igualmente capacidade de manter uma amizade duradoira ao longo de toda a vida.

O Projecto Grande Primatas conta com o apoio de cientistas de todos o mundo, entre os quais: , Jane Goodall, Toshisada Nishida, Roger y Deborah Fouts, Lyn White, Francine Paterson, Wendy Gordon, Richard Dawkins, Jared Diamond, Tom Regan, Carl Sagan. Os seus argumentos estão expostos no livro «O projecto Grande símio – a igualdade para além da humanidade»
O The Great Ape Project International é presidido pelo filósofo Peter Singer, Catedrático de Bioética da Universidade de Princeton.

O Projecto GAP ( no Brasil)

O Projecto GAP no Brasil começou há pouco mais de 1 ano. Um Chimpanzé órfão de 3 meses de idade, de nome GUGA, foi criado como humano. A sensibilização de todos aqueles que colaboraram na criação do GUGA, motivou a pesquisa sobre o motivo pelo qual os seres humanos maltratam e abusam destes seres tão próximos de nós, e levou ao desenvolvimento do Projecto GAP-Brasil. Na realidade, quem criou o GAP-Brasil foi um pequeno Chimpanzé de 3 meses de idade, abandonado aparentemente pela sua mãe e criado como humano, e que foi chamado GUGA. Ele foi o primeiro membro não humano do Projecto GAP e a sua razão de ser.
No Brasil existe uma legislação avançada que protege a fauna local, porém não protege os animais estrangeiros, que ficam a mercê da cobiça e da crueldade dos homens. O primeiro objectivo é conseguir que a lei que protege a nossa Fauna seja estendida a toda a FAUNA MUNDIAL em especial para os PRIMATAS. Tal como um primata brasileiro não pode ser vendido, exibido comercialmente, nem confinado em pequenos recintos ou ser propriedade de alguém, também todos Grandes Primatas do mundo, que compartilham connosco 98,6% de nosso DNA, também devem ter esses direitos.
No Brasil o problema principal é com os chimpanzés, pois os gorilas e orangotangos quase não existem. Os Chimpanzés são o principal problema, estimando-se que existam 150 em poder de humanos, que incluem zoológicos, circos, criadouros particulares e coleccionadores. A grande maioria deles são maltratados, abusados, ridicularizados e explorados comercialmente.

Um Chimpanzé não é um “Pet” ou animal de companhia. Ele pensa, conhece, sente, se afeiçoa, odeia, sofre, é igual a um humano, a única diferença é que ele não fala. Quando pequeno, pode viver com humanos. Após 4 a 5 anos de idade ele tem uma força extraordinária (quando adulto pode carregar 3 homens sozinho) e a sua inteligência convertem-no num ser diferente, difícil de dominar. Geralmente nessa idade os donos encerram-nos em pequenas gaiolas, e os circos aprisionam-nos, condenando-os a viver prisioneiros nos próximos 40 a 50 anos, que é sua vida média em cativeiro.Alguns circos e pessoas que os usam para explorá-los, modificam o seu corpo para fazê-los mais dóceis, tirando-lhes os dentes e castram-nos, etc.
O Ser Humano não tem limites na sua crueldade para dominar outros seres que ele considera inferiores.

A Declaração do GAP, que aqui reproduzimos, resume o objectivo deste movimento mundial e todos aqueles que concordem com ela devem manifestar-se apoiando-a e dando seu nome e endereço para integrar esta cadeia de solidariedade mundial em defesa do nosso parente mais próximo no reino animal.

A ideia é incluir os antropóides não humanos numa comunidade de iguais e outorgar-lhes protecção moral e legal de que gozam só os seres humanos até à data. Visa-se ainda a supressão da categoria de «propriedade» que recai ainda sobre os antropóides não humanos

Declaração sobre os Grandes Primatas

Exigimos a extensão da comunidade dos iguais para incluir todos os grandes primatas: seres humanos, chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos. A comunidade dos iguais é uma comunidade moral, na qual aceitamos certos princípios básicos morais ou direitos, como por exemplo os que governam nossas relações uns com os outros e que podem ser cumpridos dentro da lei. Entre estes princípios ou direitos se encontram os seguintes:

1. O direito à Vida
A vida dos membros da comunidade dos iguais deve ser protegida. Os membros da comunidade dos iguais não podem ser mortos excepto em circunstâncias estritamente definidas, por exemplo, legítima defesa.

2. A Protecção da Liberdade Individual
Os Membros da comunidade dos iguais não podem ser privados arbitrariamente da sua liberdade; se eles são presos sem um devido processo legal, eles tem o direito de serem libertados imediatamente. A detenção daqueles que não são acusados de nenhum crime, ou daqueles que não são responsáveis criminalmente, deve ser permitida somente se for provado ser para o seu próprio bem, ou necessário para proteger o público da acção de um membro da comunidade, que colocaria claramente a vida de outros em perigo caso este estivesse em liberdade. Em tais casos, os membros da comunidade dos iguais devem ter o direito de apelar a um tribunal judicial, ou de forma directa, ou através de um advogado, caso lhe falte a capacidade relevante.

3. A Proibição de Tortura
A imposição deliberada de dor intensa a um membro da comunidade dos iguais, ou sem motivo, ou por um suposto benefício de outros é considerada uma tortura, e é uma ofensa.

Para mais informações consultar:
http://www.proyectogransimio.org/completa.htm
http://www.projetogap.com.br/

Breve Bibliografia ( em castelhano):

*Edição espanhola do livro El Proyecto «Gran Simio». La igualdad más allá de la humanidad publicado por la Editorial Trotta, Madrid, (1998) http://www.trotta.es
"Aunque espléndidamente diferentes, estos animales son como nosotros". Partiendo de esta convicción, 34 especialistas de todo el mundo, entre ellos figuras tan reconocidas como Jane Goodall, Richard Dawkins y Toshisada Nishida, se reúnen con un propósito: extender el ideal de igualdad moral, de libertad o de prohibición de la tortura existente ahora entre los seres humanos a los otros grandes simios - chimpancés gorilas y orangutanes -. Se busca una igualdad moral basada no en la arbitraria condición de que somos seres humanos, sino en el hecho de que somos seres inteligentes con una vida emocional rica y variada, cualidades que emparentan a los seres humanos entre sí tanto como los emparentan con los otros grandes simios. Combinando la observación y la interpretación, la etología y la ética, filósofos, zoólogos, sociólogos, antropólogos, psicólogos y juristas de nueve países diferentes presentan de una forma cohesiva y persuasiva, argumentos para la aceptación de algunos animales no humanos como personas. Así mismo recuerdan - a quien pudiera juzgar la propuesta de disparatada - que también hubo un tiempo en que los esclavos "humanos" fueron considerados como simple "propiedad inanimada".
Se trata, pues, de una obra revolucionaria, en cuanto trata de romper barreras impuestas por la pertenencia a una especie; polémica, al sugerir una tiranía institucionalizada de los hombres contra los demás animales y transcendental, en la medida que supone un paso más hacia la aceptación de los derechos fundamentales de los animales.

Edição americana: The Great Ape Project: Equality Beyond Humanity is published by St Martin's Press, New York, (1994).

* Los diez mandamientos. Livro de Jane Goodall y Marc Bekoff. Ed. Paidos.
Jane Goodalll defiende una vez más los derechos de los animales. Bekoff, el biólogo que le acompañó en la redacción de este texto, es el líder de uno de los programas de conservación del Instituto Jane Goodall. Juntos, estos dos expertos en el estudio del comportamiento animal nos proponen diez mandamientos, diez reglas básicas, si realmente pretendemos respetar el planeta. Son reglas simples, y al tiempo profundas, que se basan en el respeto a aquellos que algunos consideran inferiores.

* Gracias a la vida. Jane Goodall y Phillip Berman. Ed. Mondadori Jane Goodall es una de las mayores expertas mundiales en comportamiento animal y ha pasado gran parte de su vida en África. Este volumen recoge sus memorias, un testimonio directo de sus días en la selva, de su lucha por salvar a los chimpancés, de su absoluta confianza en las virtudes del espíritu humano y de su infinito amor hacia la vida.

* Animales y ciudadanos. Jesús Mosterín y Jorge Riechmann. Ed. Talasa.
¿Tenemos derecho a tratar a los animales como cosas, como meros instrumentos útiles para nuestros fines? Mientras que los filósofos del ámbito hispánico consideran, mayoritariamente, que la relación entre humanos y animales n o es un tema de discusión intelectualmente , este ensayo defiende la tesis contraria y querría estimular el debate social más amplio sobre el lugar que los animales ocupan (y el que deberían ocupar) en las sociedades industrializadas.

* A través de la ventana. Treinta años estudiando a los chimpancés. Jane Goodall. Ed. Salvat
Detallada y amena narración de la vida cotidiana de los chimpancés, de su estructura social, sus odios y sus amores, ejemplificada en ocasiones en individuos concretos que Goodall ha estudiado a lo largo de varios años.

*Bellas y bestias. Carole Jahme. Ateles Editores. El papel de las mujeres en los estudios sobre primates.La autora de este libro repasa de manera muy completa la contribución de la mujer al mundo de la primatología en los últimos cuarenta años, ofreciendo varias explicaciones al hecho de que haya un elevado número de mujeres dedicadas a este campo. En esta edición se ha añadido un capítulo sobre once primatólogas españolas entrevistadas, que explican sus estudios y motivaciones para pasar largas temporadas observando primates en su hábitat natural o en zoológicos.

* Nosotros los animales. Marc Bekoff. Ed. TROTTA,
Esta obra nos confronta con las múltiples preguntas que surgen cuando intentamos abordar en serio la cuestión de los derechos de los animales. Dirigido a un público preferentemente juvenil y escrito en un lenguaje ameno y ágil, el libro va desgranando las diferentes áreas de relación entre el ser humano y el resto de los animales: la ganadería, la pesca, la reintroducción de especies, la caza, la experimentación, los zoos y acuarios... El autor va examinando estas cuestiones y planteando una serie de preguntas en cada una, muchas de ellas nos asombrarán por su lógica aplastante y todas nos darán que pensar. Las preguntas se dejan en el aire y el autor prefiere que sea el lector, de forma individual o en grupo, quien busque las respuestas. Para ayudarnos en este interesante ejercicio, Marc Bekoff ofrece multitud de datos sobre diversas especies animales, algunos de ellos tomados de sus propias investigaciones de campo. Como experto en biología y etología, ofrece interesantísimos apuntes sobre la vida emocional de los animales, sus complejas estructuras sociales, su uso del lenguaje, sus capacidades cognitivas y perceptivas... Con este libro aprenderemos a conocer a los animales, y también a apreciarlos por lo que son: individuos con vida e intereses propios, que merecen todo nuestro respeto.

* Primos Hermanos. Lo que mis conversaciones con los chimpancés me han ensañado sobre inteligencia, compasión y humanidad, por Roger Fouts, con Stephen Tukel MillsIntroducción de Jane Goodall
Roger Fouts y Deborah Fouts colaboran en un capítulo del libro "El Proyecto Gran Simio". Es Co-Director del Chimpanzee and Human Communication Institute, Profesor de Psicología en Universidad Central de Washington y es miembro del Comité Ejecutivo de the Great Ape Project-USA.
Roger Fouts, treinta años después de conocer a Washoe, una pequeña chimpancé procedente del Programa Espacial de EEUU, siguen juntos; todavía conversando a través del lenguaje de signos. Fouts ha hecho historia consiguiendo el viejo sueño de la humanidad de hablar con otros animales.
Desafiando muchas de nuestras presunciones sobre los primates no humanos y sus habilidades cognoscitivas, este libro cuenta la odisea personal y profesional de Roger Fouts - de investigador principiante a célebre científico y apasionado luchador por los derechos de los animales.

Festival no Deserto (13,14 e 15 de Janeiro de 2006)


A sexta edição do Festival no Deserto realiza-se nos próximos dias 13,14, e 15 de Janeiro de 2006. Este festival tornou-se num dos mais significativos das chamadas músicas do mundo, muito especialmente as músicas dos povos do Sahra.
Começou por ser um festival itinerante mas acabou por se instalar, desde 2003, em Essakare, cerca de 60 km de Tombouctou, cidade em pleno deserto do Mali. Tornou-se, entretanto, numa espécie de Woodstock sobre as dunas do deserto
Para além da beleza natural, o local escolhido é um ponto de encontro das diferentes comunidades Toaregs ( ou Tamashek) do Mali, da Mauritânia, do Níger e da Argélia. A afluência é pois, sobretudo, de nómadas que se misturam com os participantes do festival.
O festival do deserto organiza, para além dos concertos de música dedicadas maioritariamente às culturas do deserto, outras iniciativas como corrida de camelos, sessões de Tindé ( cantos tradicionais de mulheres), exposições de artesanato, colóquios e outras actividades dirigidas sobretudo aos Nómadas.

Em edições anteriores já passaram por lá músicos como Ali Farka Touré, Oumu Sangaré, Amadou e Mariam, Manu Chão, Tinariwen ( grupo musical touareg do Mali), etc,etc. Para a edição de 2006 está prevista a vinda de músicos e grupos como: Habib Koité, Toumani Diabate, Tartit et Haïra Arby (Mali) ; TikenJah Fakoly (Côte d'Ivoire) ; Sekouba Bambino (Guiné), Manalemosh Dibo (Etiopia), Tiris (Argélia), Rachid Taha (França / Argélia), Dimi Mint Abba (Mauritânia), Abdallah Ag Oumbadougou et le groupe Takrist Nakal (Níger), etc

Como sempre, nestas ocasiões, aparece o perigo da iniciativa ser objecto de uma recuperação turística quer por parte das agências de viagens quer das autoridades locais. Mas não é menos verdade que há que conviver com riscos e desafios.

2006 será o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação


As Nações Unidas declararam 2006 o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação, decisão que visa alertar para a proliferação não natural da desertificação em várias partes do globo e que pretende promover medidas e acções que possam contrariar a desertificação e a degradação da terra.
Pretende-se ainda com esta iniciativa celebrar o ecossistema único e a diversidade cultural dos desertos do mundo inteiro., estabelecendo um clara diferença entre a necessidade de proteger os desertos e simultaneamente combater a desertificação.

Mais informações:
http://www.unccd.int/
http://www.unccd.int/publicinfo/iyddlogo/menu.php


Desertification, in the words of UN Secretary-General Kofi Annan, is one of the world’s most alarming processes of environmental degradation. The issue is often obscured, however, by a common misperception: that it’s a “natural” problem of advancing deserts in faraway developing countries
In fact, Desertification is about land degradation: the loss of the land’s biological productivity, caused by human-induced factors and climate change. It affects one third of the earth’s surface and over a billion people. Moreover, it has potentially devastating consequences in terms of social and economic costs.
With the adoption in 1994 of the
United Nations Convention to Combat Desertification (UNCCD), the issue was given proper recognition. Desertification as a global challenge, together with Climate Change and Biodiversity, now enjoys the support of a strong coalition of partners. But public awareness has not kept pace. In relation to the true scope and magnitude of the problem, Desertification still receives too little attention and is little understood by the public at large .
In view of this situation, the twenty-second session of the United Nations Environment Programme (UNEP), recalling the UNCCD, the Plan of Implementation of the World Summit on Sustainable Development and the Environment Initiative of the New Partnership for Africa’s Development (NEPAD), invited the General Assembly of the United Nations to consider declaring an international year of deserts and desertification.
Subsequently, at its 58 th ordinary session, the General Assembly declared 2006 the International Year of Deserts and Desertification (IYDD). In doing so, the General Assembly underlined its deep concern for the exacerbation of desertification, particularly in Africa, and noted its far-reaching implications for the implementation of the Millennium Development Goals (MDGs) which must be met by 2015.
At the 2002 World Summit on Sustainable Development, the Convention was singled out as a key instrument for poverty eradication in dryland rural áreas.
The IYDD therefore presents a golden opportunity to get the message across strongly and effectively that Desertification is a global problem which we ignore at our peril. It also provides an impulse to strengthen the visibility and importance of the drylands issue on the international environmental agenda, while providing a timely reminder to the international community of the immense challenges that still lie ahead.
It is important to recognize, however, that drylands are also home to some of the most magnificent ecosystems of this world: the deserts. These unique natural habitats with their incredibly diverse fauna have been home to some of the world’s oldest civilizations. They stand like open-air museums, bearing witness to bygone eras. The Year will therefore also celebrate the fragile beauty and unique heritage of the world’s deserts, which deserve protection.
To achieve a common strategy for the celebration of the IYDD, an inter-agency committee has been set up, bringing together the principal institutional partners of the United Nations active in the UNCCD implementation process, including UNEP, UNDP, IFAD, and other relevant UN bodies. All countries and civil society organizations are encouraged to undertake special initiatives to mark the Year and to get involved in any way possible. Through a concerted effort to raise awareness of Desertification, we can help stimulate efforts to fight it and make the International Year count.

Informação:


Listagem dos Anos Internacionais promovidos pelas Nações Unidas:
1959/60
World Refugee Year
1965
International Cooperation Year
1967
International Tourism Year
1968
International Year for Human Rights
1970
International Education Year
1971
International Year for Action to Combat Racism & Racial Discrimination
1974
World Population Year
1975
International Women’s Year
1978
International Anti-Apartheid Year
1979
International Year of the Child
1981
International Year of Disabled Persons
1982
International Year of Mobilisation for Sanctions Against South Africa
1983
World Communications Year
1985
International Youth Year
1986
International Year of Peace
1987
International Year of Shelter for the Homeless
1990
International Literacy Year
1992
International Space Year (endorsed, not declared)
1993
International Year for World’s Indigenous People
1994
International Year of the Family; and International Year of Sport & Olympic Ideal
1995
United Nations Year for Tolerance
1996
International Year for the Eradication of Poverty
1998
International Year of the Ocean
1999
International Year of Older Persons; and Centennial of the First International Peace Conference
2000
International Year for the Culture of Peace; and International Year of Thanksgiving
2001
International Year of Volunteers; and United Nations Year of Dialogue among Civilizations; and International Year of Mobilization against Racism, Racial Discrimination, Xenophobia and Related Intolerance
2002
International Year of Mountains; andInternational Year of Culture Heritage; and International Year of Ecotourism (http://www.world-tourism.org/index.htm or http://www.uneptie.org/pc/tourism/ecotourism/iye.htm)
2003
International Year of Freshwater
2004
International Year to Commemorate the Struggle against Slavery and Its Abolition; and International Year of Rice
2005
International Year of Microcredit; and International Year for Sport and Physical Education
2006
International Year of Deserts and Desertification

25.12.05

A Terra está doente do Homem


Durante muito tempo a Terra só conheceu mudanças de carácter natural. As variações da órbita terrestre, as erupções vulcânicas, as quedas de meteoritos gigantes e as modificações das correntes marítimas contribuíram no passado para variações climáticas e ambientais do nosso planeta. Quando tomaram certa amplitude, elas desencadearam mais do que uma vez extinções massivas de espécies já que os seus efeitos se mostram fatais. O planeta é mutável e todas as espécies, incluindo a nossa, sempre se encontram numa luta de subsistência. Coisa que o homem, com o seu espírito faustiano, tem tendência a esquecer.

Com a chegada do Homo Sapiens que, a partir do século XIX, começou a utilizar massivamente os combustíveis fósseis ( carvão, gás e petróleo) e injectar gazes com efeito de estufa na atmosfera, as coisas mudam. Inaugura-se então um período que, face à longa história da Terra, se pode considerar recente e breve e que o prémio Nobel da Química de 1995, Paul Crutzen, chamou de Antropoceno. Pela sua demografia galopante, e por obra da sua acção e domínio crescente sobre a natureza, a espécie humana está em vias de modificar o clima e o ambiente.

Desde há mais de 15 anos que os cientistas tocam o sinal de alarme sobre as consequências a logo prazo de tais mudanças. Os responsáveis políticos reunidos na Cineira da Terra do Rio de Janeiro em 1992 começaram a tomar em atenção o fenómeno. Redigiram por isso uma Convenção no quadro das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas que foi ratificada por mais de 180 países, inclusive os Estados Unidos, e que entrou em vigor em 1994.

A vontade foi explicitada mas faltam os meios para a aplicar. E aí é que bate o ponto. Como bem mostram as peripécias que envolveram a assinatura do protocolo de Quioto, nomeadamente as reticências e a recusa dos Estados Unidos, o país mais poderoso do mundo e o que mais polui. Porque a verdade é que agir com eficácia sobre o gás com efeito de serra significa pôr em causa um modelo económico baseado na utilização massiva dos combustíveis fósseis e a supor um crescimento perpétuo quer para os países industrializados quer para os outros.

Pelas demoras a agir corre-se o risco tornar difícil a vida para milhões de habitantes da Terra. «Subsiste ainda um grande desconhecimento a propósito da sensibilidade climática. Mas as incertezas não escondem as certezas», declarou Jean Jouzel director do Instituto Pierre-Simon-Laplace e membro do gabinete do GIEC, por ocasião dos Rencontres de Blois de Maio de 2004 sob o tem «Desafios para as ciências do clima».

Dan Schrag ( Universidade de Harvard), autor juntamente com o seu colega, Paul Hoffman, da hipótese da Terra «bola de nece», segunda a qual a Terra esteve inteiramente coberta de neve há 750 milhões de anos, vai no mesmo sentido: «Nós estamos lançados num comboio de alta velocidade, numa experiência muito perigosa que vai exigir talvez uma adaptação muito rápida às variações climáticas».

Uma tal adaptação arrisca-se a não ser nada fácil se observarmos os efeitos já produzidos num país como a França, rico e industrializado, pela canícula que em 2003 provocou inundações e tempestades fora do normal. A tudo isso há que acrescentar a inércia do sistema climático: o prazo de duração do metano na atmosfera é de 10 anos e o do gás carbónico é de 100 anos.

Por seu turno o oceano reage lentamente ao aquecimento através da sua dilatação. Por causa dos gazes que serão lançados na atmosfera ao longo da primeira metade do século XXI as nossas sociedades vão ter enfrentar um processo que se traduz na elevação do nível das águas do mar em mais de 2 metros.

Estudos recentes das Nações Unidas prevê o número de pessoas afectadas por inundações daqui até 2050 em cerca de dois mil milhões, sendo os país pobres, nomeadamente os do continente asiático, que vão sofrer mais com estas inundações. Como é de imaginar os desafios são enormes.

Texto publicado no jornal Le Monde de 21 de Junho de 2004