13.8.05

Camões, defensor dos pobres



«Nem, Camenas, também cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar ao Rei no oficio novo,
a despir e roubar o pobre povo»

«Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente»

(versos extraídos do Canto VII dos Lusíadas)


«Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino e ao povo caridade
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade;
Da feia tirania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade:
Leis em favor do Rei se estabelecem,
As em favor do povo só perecem

(versos extraídos do Canto IX dos Lusíadas)

O dogma da infalibilidade do Papa e as manipulações que foram feitas para ser aprovado



O concílio da infalibilidade do Papa foi manipulado para consagrar o absolutismo papal.

O Concílio Ecuménico Vaticano I, o concílio que consagrou a infalibilidade do Papa, não foi verdadeiramente livre. Pior: foi manipulado. Esta é a conclusão que chega o historiador e investigador suíço, padre Augustin B. Hasler num seu livro que já correu mundo.

Anunciado põe Pio IX, em Junho de 1867, e convocado solenemente pela bula «Aeternis Patris», de 29 de Junho de 1868, o Concílio abriu solenemente em 8 de Dezembro do ano seguinte. De acordo com a bula convocatória, o Concílio destinava-se a analisar «os males da sociedade contemporânea», mas não havia qualquer referência ao problema da infalibilidade.
De qualquer modo, a questão andava na mente de todos nos anos que precederam a realização do Concílio e se os mais conservadores esperavam a confirmação do «Syllabus» ( 4 de Dezembro de 1864) e a proclamação da infalibilidade papal em sentido teocrático, os liberais defendiam a inoportunidade desta definição e tinham esperança na aceitação das ideias modernas, concretizada numa reforma do Direito Canónico e numa ampla descentralização eclesiástica.
Seja como for, a constituição «Pastor Aeternus», com todos os seus complexos problemas relativos ao primado romano e à infalibilidade do seu magistério, só veio a ser aprovada e proclamada na quarta sessão solene do Concílio, exactamente na véspera do conflito entre a França e a Prússia. O Concílio, por sua vez, havia de ser suspenso pela bula «Posquam Dei Munere», de 20 de Outubro de 1870, no dia em que Vítor Manuel tomou a cidade de Roma.

Um Papa castigador

Não é segredo para ninguém que alguns padres conciliares ( a maioria, evidentemente, liderada por Mons. Dupanloup, bispo de Orleães) se manifestaram, desde sempre, numa linha anto-infalibilista. A pergunta que hoje se põe é no sentido de saber se todos os que votaram a favor do dogma da infalibilidade o fizeram de acordo com a sua consciência e em liberdade.
As investigações feitas pelo padre Hasler levam a concluir que o Concílio foi manipulado.
O que se passou com o patriarca grego melquita de Antioquia, Gregório II, anti-infalibilista, por exemplo, é sintomático. Durante uma audiência papal, quando se inclinava para beijar o sapato de Pio IX, o Papa, inesperadamente, colocou-lhe um pé na cabeça e disse, com uma certa energia: «Gregório, cabeça dura; Gregório, cabeça dura!».
Também o cardeal Gustav A. Hohenlohe-Schillingsfuerst se viu em situação semelhante. Durante uma audiência, Pio IX não hesitou e, quando se aproximou dele, puxou-lhe a orelha e interrogou-o: «Porque não amas o Papa que é tão teu amigo?»
O historiador e investigador, padre Augustin B. Hasler, estudou na Suiça, na Alemanha e em Roma, sendo chamado depois para dirigir uma secção no Secretariado para a União dos Cristãos. Foi esta experiência no Vaticano que permitiu consultar muitos arquivos e documentos, levar a cabo a pesquisa sobre o processo que levou à definição e consagração do dogma da infalibilidade papal, em Maio-Julho de 1870. A provas que fornece levam a conclusão que os membros conciliares não agiram livremente.
Mas quem era Pio IX? Tratava-se de um homem culturalmente simples e não muito preparado do ponto de vista teológico. Para além disso, estava velho ( tinha 78 anos), o que levava uns a dizer que «era um velho transformado em menino», enquanto outros o viam como um velho convencido de que era um «iluminado», obcecado pela ideia de que Deus o iluminava e o guiava.
Segundo certos testemunhos Pio IX voltara a ter sintomas de epilepsia que o atormentara entre os 17 e 29 anos.
Intransigente na sua posição, Pio IX defendia em absoluto o dogma da infalibilidade e, não hesitou nos meios para impor a sua vontade. A constituição sobre a dogma do primado e da infalibilidade papal foi votada em 13 de Julho de 1870 na congregação e, em 18 do mesmo mês, na sessão solene. Na primeira tinham-se registado 451 votos a favor, 88 contra e 62 «com reserva», mas já na sessão solene dos 535 votantes, os votos a favor foram 535 !
A infalibilidade do papa estava decidida e a Igreja Católica transformava-se numa monarquia absolutista e… infalível.
De acordo com o dogma eclesial o Papa é infalível, mas nem por isso as suas decisões são contestadas e discutíveis mesmo no seio do catolicismo…

(texto escrito com base num artigo publicado no «O Jornal» de 3de Fevereiro de 1978)

O SAAL foi o 25 de Abril nos bairros das cidades



O 25 de Abril é uma data histórica para Portugal. O que nem todos sabem é que o SAAL representou o 25 de Abril nos bairros das cidades portuguesas e que ganhou um relevo especial na cidade do Porto, onde se terá desenvolvido e ganhado mais raízes. Constituiu inclusive uma experiência que mereceu o estudo e a referência em textos e obras sobre arquitectura e urbanismo escritos em vários pontos do mundo.

A sigla SAAL significa «Serviço Ambulatório de Apoio Local», tendo este organismo sido criado pouco depois do 25 de Abril pelo então secretário de Estado da Habitação, Arq. Nuno Portas, como forma de responder às necessidades habitacionais das classes populares, e que foi dirigido pela socióloga Maria Proença. O programa SAAL inspirou-se em experiências similares da qual a mais conhecida é o movimento dos «pobladores» do Chile do tempo de Salvador Allende.
O SAAL propunha-se apoiar as iniciativas dos próprios moradores que viviam em más condições de habitação e que, por iniciativa própria, normalmente por via de Comissões de Moradores e/ou de Cooperativas de Habitação, procuravam construir casas com condições de habitabilidade dignas. Para tal careciam certamente de apoio técnico e financeiro que lhe era prestado pelos serviços e técnicos do SAAL que estava estruturado em brigadas técnicas de intervenção cuja missão era a de acompanharem de perto, juntamente com os interessados, todo o processo de construção ou de reconstrução de habitações. Uma vez que o acompanhamento era feito em articulação com as pessoas e no próprio local o apoio prestado será designado de «ambulatório» que nada tinha a ver com «o trabalho de gabinete».

Foi graças a estes condimentos que se desencadeou um considerável movimento de moradores em Portugal nos anos de 1974 e 1975 com vista à melhoria das suas condições de alojamento.
O SAAL ganhou um ímpeto especial na cidade do Porto. Quando o SAAL foi extinto em 1976 pelos governos apostados na recuperação capitalista, tinham sido elaborados naquela cidade nortenha projectos que envolviam cerca de 16.442 famílias, ou seja, 60.366 habitantes. Já estavam em fase de construção 320 fogos, enquanto 1.752 estavam prestes a iniciar as obras.
O SAAL foi criado em 31/7/1974 e extinto em 31/10/76, tendo, durante a sua existência, sido lançados um total de 170 operações em todo o país, envolvendo 41.665 famílias, encontrando-se em construção à data do seu desaparecimento 2.259 fogos.

O SAAL tornou-se um perigo, e por isso foi extinto pelas forças direitistas que se apossaram do poder político depois do 25 de Novembro de 1975. E o perigo radicava justamente na enorme eficiência revelada pelas equipas técnicas e os moradores, organizados em comissões de moradores e associações de bairro, na resolução dos problemas que afligiam os moradores pobres das cidades portuguesas.
A dinâmica revelada pelo movimento de moradores só tinha paralelo com o movimento sindical, mas permitiu quebrar muitos estereótipos organizativos prevalecentes, segundo os quais era fundamentalmente nos locais de produção que se podiam organizar os trabalhadores. O SAAL mostra que, também a propósito das questões habitacionais, foi possível construir uma lúcida consciência social por parte das camadas mais pobres da sociedade.
E se a social-democracia, aliada à forças reaccionárias da direita, conseguiu aniquilar a rede orgânica do SAAL, substituindo por organismos estatais de mais fácil controle, o certo é que o SAAL ficou na história, e é hoje recordado e é motivo de atenção e estudo, em todo o mundo, nos fóruns e nas escolas de arquitectura e de urbanismo contemporâneo