31.5.05

Os ecossistemas não têm preço...



O ritmo de esgotamento das matérias-primas é insustentável. E tal não diz unicamente respeito aos recursos não renováveis, os que têm origem mineral, como os hidrocarbonetos, os minerais e os metais. Também para os recursos renováveis, o ritmo de esgotamento é excessivo: é o caso da água, das pescas e das madeiras tropicais. O modo de produção é, além disso, gerador de poluição, redução da biodiversidade, e destruição do capital natural: o empobrecimento dos solos sob o efeito da agricultura intensiva, o aquecimento climático, o desaparecimento de espécies vivas ou a destruição de ecossistemas…

Não é, contudo, uma lei geral, e muitos exemplos existem que mostram os ecossistemas complexos podem ser muito produtivos sem estarem sob pressão excessiva sobre o seu ambiente.
Mas, sem dúvida, que o formidável crescimento da produção material e dos transportes, desde há dois séculos, veio a traduzir-se numa acentuação muito significativa da «pegada ecológica». Um recente relatório das Nações Unidas («Avaliação dos ecossistemas para o Milénio») constata que, « no decurso dos últimos cinquenta anos, a humanidade transformou mais intensa e rapidamente os ecossistemas do que em qualquer período da história humana». E acrescenta que o crescimento do bem estar que daí resultou para uma parte da humanidade foi feito «em detrimento das vantagens para as futuras gerações, daquilo que estas poderiam obter dos tais ecossistemas». Ou seja, estamos prestes a comer o que nos resta.

Ora o ritmo desta degradação não pára de aumentar. Os derivados de nitratos duplicaram desde 1960, e os dos fosfatos triplicaram. 60% do crescimento do efeito de estufa foram registados desde 1960. O desaparecimento de espécies animais são mil vezes mais ao longo do último século do que ao longo de milénios precedentes: 10% a 30% das espécies encontram-se ameaçadas. Uma parte não negligenciável destes problemas está ligada ao modelo de desenvolvimento industrial, que se mostra muito consumidor de recursos não renováveis. Ainda que terciarizadas, o consumo de matérias primas não pára de crescer: em seis anos (1998-2003) o consumo mundial do nickel aumentou em 16%, o do alumínio em 24%, o do cobre em 14% e o de chumbo em 13 %. Ritmos manifestamente excessivos para o futuro do nosso planeta.

Danos colaterais.

O problema não é tanto, como vulgarmente se crê, o risco de penúria. Tal risco só existe, a médio prazo, para o petróleo ( talvez, o urânio), o que explica, de resto, que a alta dos custos verificada actualmente não é conjuntural: o consumo de petróleo passou de 3 mil milhões a 4,5 mil milhões de toneladas anuais em vinte anos, um aumento de ultrapassa os novos recursos redescobertos durante o mesmo período .Quanto às outras matérias-primas, elas não correm o risco de se esgotarem.
Em contrapartida, o ritmo de extracção gera efeitos colaterais dramáticos para a populações atingidas: forte aumento da radioactividade foi registada no Níger, intoxicações por mercúrio para os produtores de moluscos, redução de superfícies agrícolas cultiváveis, descida dos lençóis de água, e desaparecimento de espécies utilizadas em certas actividades.
Verifica-se, sobretudo, um crescimento significativo da poluição difusa, a que ninguém se sente responsável porque todo o mundo é responsável: nitrificação dos lençóis freáticos causado pelo uso de produtos químicos na agricultura, salinização das terras, dispersão de metais pesados, poluições urbanas, etc. E, com certeza, há que acrescentar o aquecimento climático produzido pela acumulação dos gazes com efeito de estufa, devido principalmente à combustão de carvão e de hidrocarbonetos. O relatório da ONU sublinha que, no domínio das pescas e da água, as intervenções efectuadas ultrapassam já a capacidade regenerativa dos ecossistemas. Num total de 24 ecossistemas estudados pelos investigadores, 15 encontram-se degradados de forma profundamente inquietante.

A regulação dos preços não basta

O mecanismo dos preços – principal, senão mesmo a única via de regulação numa economia liberal – não permite travar de maneira significativa ( e, muito menos, inverter) toda esta degradação dos ecossistemas. Desde logo, porque a maior parte deles são ecossistemas não mercantis: as dificuldades dos pescadores tradicionais na Mauritânia e no Senegal, confrontados com a falta de peixe, não se repercutem em qualquer cotação bolsista, mas traduzem-se na prática na contínua degradação das condições de vida para aqueles que vivem desses ecossistemas.
Mesmo um alta de preços ( do petróleo, por exemplo) não reduz o consumo nem constitui grande estimulo para a produção de recursos alternativos renováveis. A alta o ouro negro nos últimos dois anos não impediu que a procura mundial continuasse a crescer 4% ao ano, principalmente devido ao aumento do parque de veículos e a lentidão de transformação dos sistemas de transportes no seio de um ambiente urbanizado que implicariam investimentos extremamente onerosos . A inércia não é absoluta, mas seriam necessários movimentos consideráveis no sistema de preços para as coisas se modificarem. No fundo, o ajustamento é pago pelas populações mais frágeis que pagam a maior factura para algo de que não são, de todo, responsáveis.
É, pois, pela via de políticas públicas cada vez mais restritivas que se poderá assegurar um desenvolvimento durável. E tal passará pela obrigação da reciclagem, o prolongamento do ciclo de vida dos produtos industriais, a sua redução no consumo, a fixação de taxas com efeitos no ambiente, etc. Já que o problema é mundial, as políticas públicas também o deverão ser. E como os meios dos países ricos não são os dos países pobres, tais políticas terão que ser também solidárias. Infelizmente, ainda não se começou a trilhar por esse caminho. A tomada de consciência planetária ainda não se deu, e a regra ainda continua a ser a de «cada um por si», e que os outros de desenrasquem.

( tradução do texto «Les écosystèmes n’ont pas de prix» publicado em Alternatives Economiques de Avril 2005)

Ecocrítica literária



A ecocrítica é o estudo das relações entre a literatura e o meio ambiente, segundo Cheryll Glotfelty na introdução do livro « The Ecocriticism Reader», que é, até ao momento, a obra mais completa sobre a matéria.
E não faltam críticos que têm explorado esta grelha de análise interdisciplinar, baseados no pressuposto ecológico de que tudo está interligado e, consequentemente, separar a qualidade de uma obra do seu contexto (sócio-económico, político, etc) será cair no simplismo redutor.
Segundo o próprio Glotfelty a evolução da ecocrítica processou-se ( e continuará a fazer-se) segundo o mesmo esquema evolutivo do feminismo: no início recorre-se às imagens da natureza na literatura canónica, tentando-se identificar determinados estereótipos ( Éden, Arcádia, etc) e ausências significativas; depois, num segundo momento, recupera-se alguma tradição marginalizada de textos escritos a partir da natureza; e, por último, evolui-se para uma fase teórica, preocupada por construções literárias do ser humano em relação com o seu meio natural, e daí o interesse por poéticas ligadas a movimentos como a ecologia profunda ou o ecofeminismo.
Como sempre acontece com os movimentos embrionários, logo apareceram uma praga de leituras fáceis que reivindicavam esta leitura analítica, sem com isso querer negar o aparecimento de uma série de perspectivas novas e interessantes desenvolvidas por um grupos de lúcidos ecocríticos.
No seu livro «The Environmental Imaginaions» , Lawrence Buell interessa-se pelos caminhos que levam do antropocentrismo e do egocentrismo para um ecocentrismo, procurando as obras, cujo meio natural deixou de ser um simples referencial e se tornou no verdadeiro protagonista. Estuda o «place-sense», ou seja, a consciência dos seres humanos – quer sejam narradores, personagens ou simples falantes poéticos – quanto à sua pertença a um lugar específico e que influencia, em grande medida, a sua forma de ser de agir. Existem muitos textos «ecológicos» que insistem na importância de um olhar atento, desfamiliarizador, sobre o espaço local; por outro lado, uma escrita acerca da morada ou oikos ( raiz etimológica latente na palavra ecologia) responderia à alienação que anda associada ao nosso modo de vida. Como diz Jonathan Bate, « a casa e a morada são importante para os seres humanos porque é sabido por todos o que é o desenraizamento ( o estar-sem.casa) e a alienação», enquanto outras espécies se encontram permanentemente dentro do seu ecossistema. O ser separado procura sempre efeitos catárticos na arte: « a arte é o lugar do exílio onde lamentamos a perda do nosso lugar na terra».
Ao reformular as relações entre o eu e o seu meio natural, Buell propões uma aesthtics of relinquishment, uma «estética de renúncia» que consiste fundamentalmente numa «literatura de simplicidade voluntária», em que o narrador ou o falante – personagens da obra – renunciam aos bens materiais. Mas também, de uma maneira mais radical, pode levar à renúncia do eu e a deixar-se permealizar pelo outro, ou a um cruzamento entre outros eus; outras vezes, é-se levado a uma personalização de seres não-humanos que eliminaria o abismo hierárquico entre o homo sapiens e as demais espécies; pode ainda ser-se levado a uma representação dos interesses e dos desejos das plantas e dos animais e a um retorno a formas míticas e animistas do passado.
Vários ecocríticos dedicaram-se a investigar formas pastoris. Terry Gifford, por exemplo, fala no seu livro «Green Voices» de uma poesia «post-pastoril» -a de Ted Hughes e Seamus Heaney, entre outros – em que o mundo estático da tradição virgiliana foi substituída por uma natureza dinâmica sujeita a processos cíclicos. A crítica marxista – nomeadamente Raymond Williams - refere-se às injustiças sociais que a poesia pastoril secularmente ocultou, mas Jonathan Bate defende que a representação de mundos ideais, ainda que aparentemente falseadora da realidade, é como que uma resposta a uma necessidade inerente ao ser humano, e como uma mecanismo admonitório e de sobrevivência para termos consciência das perdas provocadas pela degradação ecológica: «A idealização das comunidades orgânicas do passado, tal como a idolatria dos povos aborígenes que teriam supostamente evitado alguns males da modernidade, poderiam servir para uma máscara para as opressões do presente. Mas o mito de uma vida perdida não é menos importante pelo facto de ser mito e não história. Os mitos são imagens necessárias, relatos exemplares que ajudam a nossa espécie a dar sentido ao seu papel no mundo.»

Outros críticos investigaram as relações entre literatura e ciência: Fala-se muito, por exemplo, das ideias de Gary Snyder sobre a tradição poética como um processo análogo aos ciclos naturais de decomposição e de novo crescimento, em que o poeta seria emergia do detritus simbólico da biomassa morta, ou seja, dos escritores mortos. Fala-se também das reelaborações contemporâneas do mito do apocalipse, quer como holocausto nuclear, quer como destruição ecológica do nosso mundo em que os símbolos poéticos intemporais voltam a ser problemáticos: o ar transparente, hoje contaminado; o céu infinito, danificado pelo buraco do ozono; a chuva purificadora, convertida em chuva ácida; a terra-mãe, hoje desértica; os mares agonizantes; os rios e lagos mortos.

Também a teologia, especialmente a teologia da libertação, mostrou-se também sensível ao pensamento ecologista – e existem tanto na prosa de Boff como na poesia de Cardenal, por exemplo – um incisivo questionamento do cristianismo, a «religião mais antropocêntrica de todas a que o mundo conheceu.»
Por sua vez, o ecofeminismo ligou o activismo feminista com a causa ecologista e dedica-se ao estudo de como o androcentrismo moderno explorou quer as mulheres quer a natureza, ou como as metáforas e as imagens literárias reflectem a analogia mulher-natureza, e ainda como o actual interesse pela Deusa resulta de uma longa tradição mítica e literária que procede da tradição greco-latina, de Gaia dos hinos homéricos.
Por outro lado, os ecocríticos, enquanto se dedicam a recuperar a visão animista e harmónica das literaturas indígenas, também se viram para os discursos urbanos contemporâneos trespassados pelo lixo e despejos tóxicos.
Enfim, mil e um caminhos que o crítico e o leitor podem explorar, e que funcionam não só a nível social para despertar as nossas consciências adormecias em matéria ecológica, como também para enriquecer as nossas leituras.
Como quer que seja os notáveis estudos levados a cabo por Buell e Bate são a melhor garantia para o futuro da ecocrítica, pelo menos para os falantes de inglês. No mundo hispano é todo um imenso campo de investigação que se abre, e que se mantém virgem até agora.

Tradução de:
http://www.babab.com/no07/ecocritica.htm

Mais info em:
http://www.iyume.com/nonature/ecolinks.htm



Science and Ecocriticism
By Ursula K. Heise
The American Book Review 18.5 (July-August 1997): 4+.

Ecocriticism, or "green" criticism, is one of the most recent interdisciplinary fields to have emerged in literary and cultural studies. Ecocriticism analyzes the role that the natural environment plays in the imagination of a cultural community at a specific historical moment, examining how the concept of "nature" is defined, what values are assigned to it or denied it and why, and the way in which the relationship between humans and nature is envisioned. More specifically, it investigates how nature is used literally or metaphorically in certain literary or aesthetic genres and tropes, and what assumptions about nature underlie genres that may not address this topic directly. This analysis in turn allows ecocriticism to assess how certain historically conditioned concepts of nature and the natural, and particularly literary and artistic constructions of it, have come to shape current perceptions of the environment. In addition, some ecocritics understand their intellectual work as a direct intervention in current social, political, and economic debates surrounding environmental pollution and preservation.
Excerto de:
Science and Ecocriticism
By Ursula K. Heise
The American Book Review 18.5 (July-August 1997): 4+.

Epicuro, o filósofo dos desejos



No século IV a.c., a Grécia está sob a tutela da Macedónia. Alexandre acaba de morrer, os generais lutam entre si, e as cidades gregas perdem a sua autonomia. Epicuro (341-270 a.c.) nasce na ilha de Samos, segue o ensinamento de vários mestres, põe-se a viajar e acaba por fundar uma escola de filosofia em Atenas: o Jardim.
As mulheres e os escravos eram bem-vindos e admitidos no «Jardim», coisa rara para a época. A influência da sua filosofia foi enorme nos séculos seguintes. A verdade, porém, é que a sua filosofia foi objecto de frequentes deturpações. Epicuro buscava a «felicidade», o prazer, e os meios mais simples para os alcançar.
Não raro procurou-se converter o epicurismo numa busca do puro prazer, no sentido moderno do termo. Certo é que os cristão nunca pararam de o criticar. Mas os enganos multiplicaram-se sobre um pensamento mais próximo do ascetismo que do hedonismo.

O epicurismo opera uma distinção entre os prazeres que são naturais e necessários, como comer, beber, e aqueles que, apesar de serem naturais, não são necessários, como comer uma refeição farta, ou beber muito. Relativamente aos prazeres que não são nem naturais nem necessários, como a procura de poder, de homens ou de riquezas, tais procedimentos só podem trazer instabilidade e desequilíbrio. Perante isto, só o primeiro género de prazeres deve ser seguida: a vida feliz baseia-se na moderação dos desejos, e nas coisas simples. Epicuro suprime todas as necessidades supérfluas. Não é preciso, de todo, multiplicar os nossos desejos, que acabam por nos alienar. Precisamos de nos acautelar relativamente as estes prazeres não naturais que nos acabam por nos prender.

O pensamento de Epicuro torna-se, nos dias que correm, uma voz a ouvir. Ele viveu, tal como nós, numa sociedade despolitizada, e a sua filosofia pode ser vista como um convite para uma auto-reflexão, um caminho para a felicidade. Vinte e cinco séculos depois de ter vividos, não faltam os convites para o «expansão pessoal», e os magazines encarregam-se de vender cada um a sua receita…Mas, ao contrário do vendedores de felicidade e das ilusões, Epicuro não vê no consumo de bens materiais uma forma de atingir a felicidade. Muito pelo contrários, ele seria hoje o primeiros a estigmatizar os nossos hábitos de conforto, a nossa necessidade imperiosa de nos deslocarmo-nos a toda a velocidade, a nossa necessidade de comer carne três vezes por semana…Ora todos estes prazeres, que muitos de nós colocam no centro da sua vida, tornam-nos cegos sobre aquilo que o filósofo grego chamaria a felicidade: a simplicidade voluntária.

(texto de Sophie Divry, publicado no nº 26 de La Décroissance, le journal de la joie de vivre)

Rede internacional da hospitalidade



A associação Hospitality club é uma rede internacional de hospitalidade fundada em 2000 e que se baseia no sistema de trocas vi net, reunindo presentemente mais de 43.000 membros em 170 países. O princípio maior que inspira a rede consiste no contacto e troca entre culturas, fora do circuito turístico. Um encontro internacional realizar-se-á proximamente nos dia 13-17 de Julho em Monnai ( em Orne, França). O encontro é organizado por jovens artistas e todos os interessados são bem-vindos.

www.monnai2005.com