17.12.05

Os brinquedos sexistas


O sexismo está presente em muitos dos nossos actos do quotidiano. Os seus estereótipos teimam em manter-se nas atitudes, mentalidades e estruturas sociais. A sua superação permitirá certamente a desmontagem de muitas estruturas de micro-poder que se impõem nas relações sociais.
Os brinquedos, na medida em que são excelentes veículos de valores e atitudes, constituem um dos meios mais privilegiado através dos quais o sexismo é reproduzido, muitas vezes de maneira imperceptível mas sempre com bastante força e que permite a perpetuação de preconceitos e modelos de comportamento discriminatórios. É o caso dos brinquedos que são associados a um ou a outro sexo e que geram mecanismos estereotipados de identidade sexual. Aos rapazes é-lhes incutido a vontade de domínio, enquanto para as raparigas está reservada a função de submissão.
Basta observarmos as centenas de brinquedos que se perfilam ao longo das prateleiras dos hipermercados para constatarmos uma permanente divisão sexual que se pretende assim reproduzir. Desde a divisão entre as cores azul ( para os rapazes) e o cor de rosa (para as raparigas) até ao género de brinquedos ( casas e bonecas para elas e comboios e carros para elas), passando pela parafernálias de super-heróis é toda uma vastíssima gama de dispositivos que são permanentemente actualizados no sentido de manter e reproduzir os estereótipos sociais ligados uma identidade sexual, presumida como fixa e inalterável, quando na verdade não passam de construções sociais que visam a manutenção de relações de poder e de valores e mentalidades conservadores.

Mal o rapaz e a rapariga saiam destes arquétipos sociais relativos à divisão sexual patriarcal mantida ao longo de séculos são imediatamente encarados com um olhar perscrutador de reprovação social, e objecto de cuidados correctivos de quem defende a velha ordem social.
Não poucas vezes são também incutidos valores que geram a homofobia, a submissão e uma atitude pró-activa relativamente à guerra, ao machismo, à submissão, obediência e docilidade. Consciente ou inconscientemente são transmitidas unilateralmente certas ideias-feitas sobre a «inevitabilidade» do casal heterossexual e do modelo familiar monoparental que explicam depois, no futuro, muitas das angústias e «desajustes» das personalidade em gestação relativamente aos modelos comportamentais impostos.
Para terminar toda essa formatação social de carácter unilateral que recai sobre as crianças e jovens importa, desde logo, dessacralizar os caducos padrões culturais que são utilizados e combater os respectivos métodos de execução.

Oferecendo brinquedos não-sexistas e jogos cooperativos ou que, pelo menos, não veiculem clichés sexistas, estamos a contribuir para a superação da velha ordem moral e o desmantelamento dos micro-poderes instituídos.

Contra os estereótipos, sejamos inventivos.

O espírito sinistro do catolicismo

Há em todos nós, por mais modernos que queiramos ser, há lá oculto, dissimulado, mas não inteiramente morto, um beato, um fanático ou um jesuíta! Esse moribundo que se ergue dentro de nós é o inimigo, é o passado. É preciso enterrá-lo por uma vez, e com ele o espírito sinistro do catolicismo de Trento.

Antero de Quental, in
Causas da decadência dos povos peninsulares, 27 de Maio de 1871