Retirado de:
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A comunidade cigana de campanhã (cidade do Porto) continua a resistir às ameaças da Câmara Municipal, de despejo do terreno onde vivem há mais de duas décadas.
O terreno em causa (privado) parece ter muito mais valor do que as famílias que ali vivem em condições miseráveis.
A câmara deu um prazo até esta sexta-feira (23 Março) para que as pessoas abandonem o local. A alternativa apresentada foi o alojamento em pensões da cidade até que sejam encontradas habitações para todos, mas sem qualquer garantia de que isso venha a acontecer. Aliás, a julgar por casos recentes onde essa "solução" foi aplicada, o futuro destas famílias não promete ser muito risonho... A proposta não deixa grande margem de manobra: Vão para a pensão ou então desenrasquem-se...
Os ciganos de campanhã tornaram-se incómodos depois das obras de requalificação da zona do Freixo, com a construção de uma marina (onde estão ancoradas várias lanchas) e o restauro do Palácio do Freixo. Os terrenos em causa são agora bastante apetecíves e as pessoas que lá vivem há tanto tempo, são tratadas como lixo que se encosta a um canto...
O mais curioso, é que a Câmara do Porto tem um Programa chamado "PortoFeliz". Segundo o site oficial da Câmara Municipal do Porto:"O Projecto Porto Feliz foi instituído em decorrência do plano municipal de combate à exclusão social aprovado pela Câmara Municipal do Porto, em 18 de Junho de 2002.O Projecto alicerça-se num conjunto de protocolos de colaboração entre a Fundação e várias instituições, como o Centro Hospitalar do Conde Ferreira (pertença da Santa Casa da Misericórdia do Porto) hospitais Joaquim Urbano e São João, ARS/Norte e faculdades de Direito e Psicologia da Universidade do Porto.O Projecto envolve três vertentes principais: a intervenção sócio-sanitária, o reforço da segurança e a sensibilização da opinião pública.São objectivos específicos do Projecto Porto Feliz: no plano comunitário, diminuir as zonas de exclusão social, nomeadamente as unidades territoriais dos arrumadores, dos sem-abrigo e os espaços urbanos geradores de exclusão social; no plano individual, restituir uma adequada qualidade de vida aos actores sociais excluídos, nomeadamente aos toxicodependentes, aos delinquentes, aos marginais em geral."
Na prática este programa consiste em fazer às pessoas o mesmo que os funcionários camarários fazem com o lixo... Despeja-se o contentor e está limpo!Várias pessoas têm permanecido no local, demonstrando a sua solidariedade com esta gente simples, de grande dignidade que merece ser respeitada e aguardando a chegada das "máquinas" que ameaçam limpar o local.
Artigo 65.º(Habitação e urbanismo) da Constituição da República Portuguesa:
1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;
d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.
3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.
5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.
Preocupação junto das famílias ciganas de Campanhã ( texto retirado do jornal Primeiro de Janeiro)
Estavam sentados em círculo à porta do acampamento. O Sol reflectia nos seus rostos muito morenos e aquecia-lhes a pele sem pedir autorização, substituindo a pequena fogueira ao centro, da qual só restavam cinzas mortas. Uma faixa pendurada esclarecia sentimentos.
As perguntas tornaram-se, desde logo, escusadas. «Pensões não são solução. Direito à habitação», podia ler-se.
A possibilidade de serem transferidos provisoriamente para tendas num terreno privado com outras condições de salubridade e de higiene e próximo do actual acampamento na Travessa do Bacelo, freguesia de Campanhã agrada à comunidade cigana, mas as desconfianças de que a Câmara do Porto vá aceitar estabelecer um acordo por escrito com a Segurança Social – garantindo o realojamento de todas as famílias ao fim de 60 dias – são mais que muitas.
Os ciganos do Bacelo dizem-se “entregues a Deus”. Contudo, não vá o diabo tecê-las, continuam a apelar à autarquia para que encontre uma solução antes de efectuar o despejo e consequente demolição das suas construções abarracadas. “Parece que o sr. Rui Rio não está com muitas intenções de dar casas e não nos parece que vá assinar o acordo com a Segurança Social”, constata José Machado. Já que assim é, prossegue, “que nos deixe ficar aqui mais 60 dias”. Este morador salienta que todas as famílias sobrevivem com o Rendimento Mínimo de Inserção e não têm possibilidades financeiras para alugar uma habitação: “Mas com os rendimentos que temos queremos pagar algum dinheiro pelas casas que nos arranjarem”, afiança.
José Machado não tem qualquer pejo em reiterar que ir “para pensões está fora de hipótese” porque “a gente quer cozinhar, lavar roupa e ainda vai estar em condições piores do que aqui”. Manuel Carvalho, outro morador, partilha da mesma opinião e diz mais: “Se vierem cá demolir isto não deixamos”. “Eu já disse que se me tirarem à força sem ter para onde ir vou acampar nos terrenos da escola dos meus filhos”, declara José Machado. As frases surgem em catadupa quase sem tempos de respiração. Desabafos para quem quiser ouvir são lançados para o ar em fiel constância.
Sem comer e dormir
As famílias de etnia cigana afirmam ainda estar desconfiadas de que estão a tentar colocar os moradores uns contra os outros. Manuel Carvalho teme que seja “uma ratoeira, mas nós não caímos nisso. Estamos unidos e vamos sair daqui todos juntos para o mesmo sítio”. “Isto era tão fácil de resolver e só estão a complicar. Porque é que não analisam já a situação das famílias e nos atribuem casas. Para quê esperar 60 dias. Mas só se engana quem se deixa enganar”, garante José Machado. Uma mulher da comunidade passa junto aos homens e solta o seu sentir: “Uma pessoa nem consegue comer nem dormir com esta história toda”. Um outro morador, até aí bastante calado e refastelado na sua cadeira de esplanada, aproveita a deixa: “Estamos em cima de uma ponte e não sabemos se vamos cair lá abaixo ou se vão segurar-nos cá em cima”. A analogia sintetiza tudo e seca as palavras de todos os outros moradores.
Prazos administrativos decorrem
Entretanto, e enquanto os ciganos se debatem com dúvidas e procuram explicações e soluções, o tratamento do problema prossegue em termos legais e administrativos. O advogado representante das famílias adiantou ontem que o recurso a propósito do indeferimento da Providência Cautelar que pede a suspensão da ordem de despejo está a ser preparado, estimando que, o mais tardar, na próxima segunda-feira possa dar entrada no Tribunal Central Administrativo. Jorge Ribeiro da Silva frisou ainda que anteontem foi entregue na Câmara do Porto a resposta dos moradores à ordem de despejo, processo designado de audiência preliminar, aguardando-se agora que a autarquia apresente o projecto de decisão do qual as famílias serão notificadas. Posteriormente ainda decorrerá um prazo de 10 dias para que os moradores, através do seu representante legal, façam o contraditório. Jorge Ribeiro da Silva defendeu que, segundo a sua interpretação da lei, a edilidade “não poderá proceder ao despejo e demolição dos barracos enquanto todos os procedimentos administrativos não forem totalmente esgotados”.A ordem de despejo foi dada no passado dia 8 de Março aos 46 moradores, entre eles 20 menores.
ReuniãoDiagnóstico
Ontem à tarde os moradores do Bacelo voltaram a reunir na Junta de Campanhã com técnicos da Segurança Social e da junta, tendo sido possível fazer um levantamento dos agregados familiares que será útil caso se confirme a hipótese de os instalar provisoriamente em tendas num terreno privado. Ao mesmo tempo, a Segurança Social recolheu elementos mais exaustivos, designadamente sobre os rendimentos para poder enviar os processos à Câmara do Porto e esta analisar se as pessoas têm ou não direito a habitações municipais. O presidente da junta, Fernando Amaral, disse que a Segurança Social ainda não tinha recebido resposta à proposta de acordo enviada à autarquia. O autarca salientou que a partir de agora a junta “também já não pode fazer mais nada, porque não é da sua responsabilidade”.
Fonte: jornal Primeiro de Janeiro