Fonte: jornal Público
Lisboa é uma cidade onde a abstenção nas eleições autárquicas se tornou uma tradição, mas cuja população tem um nível de instrução superior três vezes maior do que o resto do país. "É um eleitorado sofisticado, com formação e informação, o que explica em parte o elevado nível de abstenção", defende o sociólogo Villaverde Cabral.
Os últimos dados do recenseamento eleitoral (2006) mostram que há 525 mil pessoas inscritas para votar na capital, onde no próximo dia 15 de Julho será escolhido o próximo presidente da câmara. Mas quem são estes eleitores?
"A ideia de que Lisboa é uma cidade envelhecida não corresponde à verdade. A população da capital não será mais envelhecida do que a do resto do país. Os dados de um inquérito que realizei em 2004 mostram que 80 por cento dos eleitores da cidade de Lisboa terão menos de 60 anos, explica o também historiador. "Mas tem menos jovens e crianças do que os bairros da periferia."
Numa radiografia social feita aos habitantes da capital, há 35 por cento da população que pertence à classe média, média alta. "Neste grupo incluem-se licenciados, quadros médios e técnicos", explica. "Outros 30 por cento inserem-se no que classificamos como classe média baixa e muito poucos, apenas 15 por cento, serão trabalhadores manuais, uma percentagem claramente inferior à do resto do país", adianta.
Mas há dados que surpreendem: na capital, 44 por cento dos eleitores têm um nível de ensino superior. "Este dado é muito significativo, porque é o triplo do verificado no conjunto do país e o dobro daquele que se verifica na periferia", especifica.
Apesar do grau de instrução, o eleitorado lisboeta não tem tradição de afluência às urnas, pelo menos quando se trata de autárquicas. A abstenção nas quatro últimas eleições foi sempre superior a 45 por cento, tendo atingido os 51,7 por cento em 1997 e os 47,5 por cento em 2005, explica o politólogo Pedro Magalhães. "Tradicionalmente, a votação nas legislativas é superior, mas os níveis de abstenção têm vindo a aumentar, aproximando-se da média registada nas autárquicas", diz o investigador.
A instrução do eleitorado é uma das explicações desta abstenção, defende Villaverde Cabral . "A população lisboeta é mais sofisticada e informada do que a média do país. Discute mais política, é mais crítica e tem uma maior identificação com o sistema democrático. Esta informação, ao contrário de provocar uma grande adesão aos partidos, gera antes um comportamento mais crítico, que se traduzirá também em abstenção", adianta.
Outra parte do fenómeno prende-se com a população idosa da cidade, que não sairá de casa para votar, mas que é um grupo da população que tem sido privilegiado ao longo da pré-campanha pelos candidatos ao lugar deixado vago por Carmona Rodrigues.
A expectativa sobre o comportamento da população numas eleições intercalares em plena época de férias não gera optimismos na corrida às urnas, onde o número recorde de candidatos, 12, não gerará um aumento da mobilização. "O facto de as eleições se realizarem em Julho, o que nunca aconteceu recentemente, terá certamente consequências negativas na afluência às urnas", assume Pedro Magalhães. O politólogo também não acredita que a proliferação de candidatos dê à população mais um motivo para exercer o voto. "Não há nenhum dado que indique que o aumento do número de candidatos se traduza num aumento da participação eleitoral", afirma. "Nas últimas autárquicas, os 24 concelhos com candidatos independentes que nas eleições anteriores não tinham registado estas candidaturas não tiveram um aumento da participação eleitoral."
Mais optimista, Villaverde Cabral admite que poderá haver surpresas: "O elevado número de candidatos poderá originar uma taxa de participação superior àquela que ocorreria num outro 15 de Julho." "As autárquicas são eleições mais voláteis, onde o eleitorado reage consoante o que está em jogo. A crise na Câmara de Lisboa é grande e isso envolve, mobiliza", concluiu.
Villaverde Cabral diz que os lisboetas são em Portugal os que mais discutem política e são também os mais críticos