11.7.05

A personalidade autoritária ( segundo Adorno)

Adorno defendia que a formação de uma personalidade autoritária se liga fundamentalmente às frustrações a que os indivíduos estão sujeitos ao longo do seu processo de socialização, mormente na sua face inicial ( infância e adolescência).
Na continuação do que tinha sido exposto por Freud, certos autores como Adorno pensam que o desenvolvimento da personalidade envolve necessariamente alguma repressão e o redireccionamento das «pulsões agressivas».
A repressão e os padrões severos de disciplina estariam na origem da emergência, nas crianças, de fortes impulsos de agressão que, não podendo ser dirigidos directamente sobre os próprios pais, incidem sobre outros alvos, preferencialmente percepcionados como os mais fracos e/ou inferiores, tal como por exemplo, os indivíduos socialmente desviantes e as minorias étnicas.
A expressão desta agressão seria pois socialmente influenciada uma vez que as pessoas seriam levadas a deslocarem as suas pulsões agressivas para alvos atingíveis e socialmente admissíveis, como sejam os grupos desviantes ou minoritários convertidos em «bodes expiatórios» preferenciais, e que se estenderiam rapidamente sobre os grupos sociais com dificuldades de atingir os objectivos socialmente partilhados.
A resultante seria a tendência para perceber o mundo de um modo totalitário e um comportamento caracterizado por elevada submissão às figuras autoritárias, simultaneamente com uma afincada hostilidade para com outros grupos.
Este padrão de valores e atitudes constituiria aquilo que Adorno designa por personalidade autoritária.
Adorno e outros autores construíram a escala F que consistia num questionário com uma série de 48 afirmações a fim de avaliarem a dimensão fascista da personalidade autoritária. De acordo com as suas respostas, as pessoas poderiam ser caracterizadas num continuum cujos pólos são as tendências fascistas e racistas e as tendências democráticas. A aplicação deste questionário, combinado com metodologias clínicas, permitiriam descobrir que os indivíduos com uma pontuação elevada na escala F tinham tido uma socialização familiar dogmática e altamente repressiva comparativamente com aqueles que tinham obtido uma baixa pontuação na escala, em que a educação e a socialização se teria desenvolvido em ambientes mais permissivos e tolerantes.
A proposta teórica de Adorno mereceu a atenção e o interesse subsequente de muitos investigadores. Uma pesquisa posterior pretendeu confirmar a teoria de Adorno sobre a personalidade autoritária a concluir que os indivíduos autoritários tendem a simplificar, a dicotomizar a forma de ver e encarar a vida quotidiana.
Outros autores criticaram a teoria de Adorno por negligenciar os factores situacionais e socioculturais
E um outro investigador formula a hipótese de que a hiper-simplificação e a rigidez de estilo de pensamento que Adorno associa à «Personalidade autoritária» não eram apenas apanágio dos fascistas, dos indivíduos racistas ou de extrema-direita, mas encontravam-se em indivíduos e grupos que partilhavam e se caracterizavam por um «espírito fechado».
Segundo o mesmo investigador o «espírito fechado» é uma forma de raciocínio que se define por uma separação mental de dois ou mais sistemas de crenças diferentes, de modo a permitir (a) a conciliação de opiniões de outro modo contraditórias, (b) a resistência dessas crenças à mudança, face a nova informação, (c) a utilização do recurso ao argumento de autoridade para justificar a correcção das crenças ameaçadas.

A loucura é a terra onde floresce a lucidez do homem (a propósito de Flaubert)


Excertos do livro «Diário de um louco» de Flaubert

...fui agredido em todos os meus gostos: na aula, pelas minhas ideias; nos recreios, pelo meu pendor para a selvajaria solitária. Desde então, sou um louco!
Vivi lá portanto sozinho e aborrecido, atormentado pelos meus mestres e escarnecido pelos meus colegas......

(…)

....vejo-me ainda, sentado nos bancos da minha sala de aula, absorto nos meus sonhos de futuro, pensando no que a imaginação de uma criança pode sonhar de sublime, enquanto o pedagogo troçava dos meus versos latinos, os meus colegas me olhavam zombeteiros. Que imbecis! Eles, rirem-se de mim! Eles tão fracos, tão vulgares, com um cérebro tão exíguo; eu cujo espírito se afundava nos limites da criatividade, que andava perdido em todos os mundos da poesia, que me sentia maior do que eles, que recebia alegrias infinitas e que tinha êxtases celestes perante todas as revelações íntimas da minha alma!

(…)

Nunca apreciei uma vida regrada, horas certas, uma existência de relógio em que é preciso que o pensamento pare com o sino, em que tudo já foi percorrido de antemão por séculos e gerações. Esta regularidade sem dúvida pode convir á maioria, mas para a pobre criança que se alimenta de poesia, de sonhos e de quimeras, que pensa no amor e em todas as tolices, é o despertar incessante deste sonho sublime, é não lhe deixar um momento de repouso, é asfixiá-la transportando-a para a nossa esfera do materialismo e do bom senso a que ela tem horror e nojo!

(…)

... tinha deturpado o gosto e o coração, como diziam os meus professores e, entre tantos seres de tendências tão ignóbeis, a minha independência de espírito levava a que fosse tomado pelo mais depravado de todos; era rechaçado para o nível mais baixo da própria superioridade, Mesmo reconhecendo-me imaginação, o que é, segundo eles, uma exaltação do cérebro vizinha da loucura!

(…)

.....abandonemos o manto real, o ceptro, os diamantes, o palácio em derrocada, a cidade em queda , para irmos ter com a égua e a loba!....

(…)

.....a natureza será livre sem o homem ...

(…)

Há mulheres em quem detectei o pretensiosismo a um quarto de légua de distância, só pela maneira como elas olhavam as ondas.....