16.7.07

O frango global: um livro sobre a produção industrial de aves


«Pode acontecer que, enquanto se come peito de frango em Colónia, alguém está comendo a cabeça do mesmo frango em Hong Kong e a coxa em Acra (Gana).»


Entrevista com Francisco Mari , um dos autores do livro «O frango global» (Das Globale Huhn, ed. Brandes & Apsel, 2007), que fomos buscar à Deutsche Welle


Com baixo teor de gordura e livre de tabus religiosos, a produção industrial de aves é o sector de carnes que mais cresce mundialmente. Carne magra do peito para europeus e norte-americanos, pés e cabeça para asiáticos, coxas para latino-americanos, entranhas para africanos.


O que é o "frango global"?

Mari: O "frango global" é o pioneiro da globalização na agropecuária. É líder no comércio de carnes. Em nenhum lugar a concentração internacional e a interdependência das empresas de agronegócios são tão grandes como na produção de aves. Em nenhum outro ramo da agropecuária a produção é tão globalmente homogénea como aqui.

Os frangos consumidos no Rio, Xangai ou Berlim provêm, em sua maioria, das mesmas matrizes originárias das poucas granjas de criação espalhadas pelo mundo. Mundialmente, existem somente algumas poucas raças que estão à disposição da produção industrial.

As partes dos frangos, produzidos e abatidos mundialmente com as mesmas estruturas industriais, são vendidas para Ásia, América do Sul e Europa, conforme o gosto do consumidor. Pode acontecer que, enquanto se come peito de frango em Colónia, alguém está comendo a cabeça do mesmo frango em Hong Kong e a coxa em Acra (Gana).

Qual é a peculiaridade do frango como exemplo de globalização?

Não existe até agora nenhum outro produto agropecuário, cujas etapas (criação, produção, processamento e comercialização) sigam, mundialmente, as mesmas regras. O "frango global" mostra a unilateralidade da agropecuária do futuro, pois as especificações de raças, tamanho de gaiolas em bateria, tempo de criação, aplicação de medicamentos, abate e preços são os mesmos em todo o mundo.

O sucesso do "frango global" explica-se também porque satisfaz os mais diferentes hábitos alimentares: carne magra de frango para as européias adeptas da dieta, pés de frangos tostados em Xangai ou uma boa coxa em um churrasco no Rio de Janeiro.

Dos cinco pintos no quintal de uma camponesa de Mali aos cinco milhões de uma fábrica de produção em massa na China, todos fazem parte do comércio globalizado de carne de frango e todos são afectados por epidemias. O surgimento mundial da gripe aviária afecta a todos.

Existe uma correlação entre epidemias, como a gripe aviária, e a globalização?

Sim, claramente. O comércio mundial de ovos para chocagem e de matrizes vivas para criação representam 5% de todas as taxas de frete aéreo. Este comércio global de produtos aviários é ideal para a propagação de epidemias. Milhões de toneladas de fezes de frango são jogadas no mar para produção de peixes. Aves migratórias comem estes peixes. Com grande probabilidade, esta é a origem da disseminação da gripe aviária na Ásia.

As fábricas de frangos com os seus milhões de aves são responsáveis por mutações perigosas como o vírus H5N1. As aves dos quintais de pessoas pobres não sofrem mutação tão facilmente. É o "frango global" que primeiro espalhou estes vírus perigosos por todo o mundo, tornando-os cada vez mais perigosos.

Quem são os perdedores e ganhadores do "frango global"?

Os que ganham são, com certeza, as grandes firmas de abate e as grandes empresas agropecuárias, e, naturalmente, a indústria de criação, de onde saem todos os pintos, e as fábricas de ração.

Os perdedores são os frangos locais. Principalmente os pobres camponeses dos países do Hemisfério Sul que vendiam seus animais normalmente vivos. São sobretudo milhões de mulheres asiáticas e africanas, que começaram a sua produção com algumas centenas de pintos.

Produzido em grandes gaiolas em bateria, o frango industrial é vendido em partes e, devido à aplicação tecnológica, é muito mais barato que os produzidos pelos pequenos camponeses. Cada vez mais a indústria obriga os camponeses a assumir este tipo de técnica, onde o excedente é comercializado entre os pobres.

Perdedor também é o consumidor que é obrigado a consumir um produto sem gosto, mas fácil de preparar e condimentado, geralmente, quimicamente. Perdedor também é o meio ambiente: no Brasil, florestas são devastadas para a plantação de soja, na Ásia, fezes de frango poluem esgotos e mares.

O Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de frango. Como é a relação entre a grande indústria e os pequenos avicultores?

Em apenas cinco anos, o Brasil duplicou sua produção avícola. A indústria levou milhares de camponeses a fazerem empréstimos e investirem na produção de aves. Para isto, indústrias fecharam contratos com os camponeses, obrigando-os a comprar pintos, ração e medicamentos da sua fabricação e a entregar-lhes os frangos a preços por ela estipulados. Assim funciona a produção agrícola em quase todo o mundo.

Os riscos de criação ficam por conta dos pequenos avicultores. Empresas de abate como a Sadia ou a Frangosul, no Sul do Brasil, cuidam do que vai acontecer depois. No Brasil, no entanto, tais empresas de abate fazem contratos injustos com preços fixos para os avicultores. Devido aos empréstimos adquiridos, nada mais resta a estes do que aceitar o preço imposto. Para baixar o preço, as empresas exigem um número cada vez maior de gaiolas, o que provoca cada vez mais dívidas.

Famílias inteiras trabalham na criação de frangos, não tendo mais tempo para a lavoura. Se, por medo da gripe aviária, por exemplo, os seus frangos não mais forem vendidos, os camponeses estão arruinados. Tudo isso é consequência da globalização. Há poucas semanas, presenciei em Santa Catarina uma barricada de pequenos avicultores que queriam chamar a atenção para sua situação desesperadora, exigindo contratos mais firmes com a indústria e créditos mais baratos do Estado.

Como os países mais pobres e os pequenos camponeses podem ser ajudados e por que escreveu O Frango Global?

Eu trabalho para o Serviço das Igrejas Evangélicas [de confissão luterana] na Alemanha para o Desenvolvimento (EED). Ajudamos muitas camponesas, na África, a construírem cooperativas de produção de frangos que não sobreviveram à concorrência das exportações de frango congelado da Europa, Brasil ou Estados Unidos.

Damos dinheiro e crédito para a execução de pequenos projetos e, ao mesmo tempo, os dizimamos através da exportação de nossos excedentes aos africanos. Tais países não podem proteger-se, porque as regras da Organização Mundial de Comércio os proíbem de aumentar a alíquota de importação de tais produtos.

Nós exigimos que existam mecanismos de proteção para os países mais pobres contra este comércio injusto com mercadorias subvencionadas ou excedentes da União Européia. É necessário que os governos de tais países apoiem os pequenos camponeses. Como vivenciei há pouco, o governo brasileiro tem um bom programa de apoio a pequenos avicultores. Cantinas públicas só são subvencionadas se comprarem produtos destes avicultores.

Isto também deveria ser permitido aos países africanos, onde 70% da população ainda vive da agropecuária e ela é tudo o que têm para sobreviver. Criar uma consciência de que estas pequenas estruturas camponesas têm que ser mantidas, mas que são ameaçadas pelo agronegócio é a meta de O Frango Global.

Fonte:
www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2681702,00.html

Sumário da edição portuguesa do mês de Julho do Le Monde Diplomatique





ÍNDICE DE ARTIGOS

EDITORIAL

● «Kosovo» (editorial de Ignacio Ramonet)

DOSSIÊ: A União Europeia na Encruzilhada – Limites e Possibilidades do Projecto Europeu

● «Neoliberalismo e crise do projecto europeu» (João Rodrigues e Ricardo Paes Mamede)

● «Por uma Europa federal e democrática» (Pedro Nuno Santos)

● «A “Europa dos cidadãos” tem medo dos cidadãos da Europa» (António Figueira)

LISBOA

● «Lisboa: de capital acanhada a metrópole assanhada» (Duda Guennes)

ESCUDO ANTIMÍSSIL

● «A obsessão antimíssil dos Estados Unidos» (Olivier Zajec)

SUICÍDIOS E CANCROS PROFISSIONAIS

● «Morte e violência no trabalho» (Annie Thébaud-Mony)

● «Finalmente indemnizados» (A. T.-M.)

● «Deslocalização dos riscos» (A. T.-M.)

ELEIÇÕES LEGISLATIVAS FRANCESAS

● «As ilusões perdidas da “esquerda de esquerda”» (Frédéric Lebaron)

PALESTINA

● «Como o mundo enterrou a Palestina» (Alain Gresh)

GEÓRGIA

● «O coqueteil explosivo dos “revolucionários” na Geórgia» (Vicken Cheterian)

● «Escalada militar no Cáucaso» (V. CH.)

ESTRATÉGIAS ISLAMITAS

● «A Al-Qaeda contra os talibãs» (Syed Saleem Shahzad)

● «Os xiitas: o novo inimigo» (A. G.)

● O takfirismo: uma ideologia messiânica (S. S. SH.)

GUERRA DO IRAQUE

● «Onde andam os pacifistas americanos?» (Alexander Cockburn)

CONFORMISMO

● «Individualismo de massas na Califórnia» (Christian Ghasarian)

POVOS INDÍGENAS

● «Viagem pela Venezuela índia» (Maurice Lemoine e Alexis Lemoine)

VIDEOJOGOS

● «Videojogos: guerras ao alcance de todos» (Tony Fortin)

EM DEBATE: Património

● «Deverão ser restituídos os despojos das expedições coloniais?» (Bernard Müller)

LEITURAS

● «A África para além dos preconceitos» (Augusta Conchiglia)

ESCRITOS DO MÊS

> John Kenneth Galbraith, Anatomia do Poder (recensão crítica de Edalina Sanchez);

> Fernando Correia e Carla Baptista, Jornalistas: do Ofício à Profissão (recensão crítica de Rogério Santos);

> Raimundo Narciso, Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via (recensão crítica de Ivan Nunes);

> Álvaro Cunhal, Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal - Tomo I (1935-1947) (recensão crítica de João Madeira);

> Lígia Amâncio, Manuela Tavares, Teresa Joaquim e Teresa Sousa de Almeida, O Longo Caminho das Mulheres – Feminismos 80 anos depois (recensão crítica de Inês Brasão).