Embora quase exclusivamente financiado pelos nobres, Beethoven era extremamente desrespeitoso com eles. Considerando-se um cidadão livre, tachava os seus mecenas de "ralé aristocrática" e tratava-os de forma coerente com essa opinião. Financeiramente dependente deles, o músico sonhava com liberdade e revolução. Beethoven escapou, não obstante isso, à censura e à polícia secreta austríaca.A Beethovenfest 2008 foi dedicada desta vez ao tema «Poder e Música», pretendendo questionar o papel desempenhado pela música nas épocas onde não há liberdade, e como os poderosos se servem dela, nomeadamente das várias composições do conhecido músico alemão.
Esta temática convida-nos para uma pergunta inevitável: qual foi a relação do próprio compositor (Beethoven) com a nobreza? Dividido entre o sustento e o desapontamento, ele criou obras até hoje representativas da ideia de revolução. Mas não foi ele também um simples criado de patrões aristocráticos e seus mecenas?
Ainda em vida, a obra de Ludwig van Beethoven elevou-o à categoria de mito. Ele tornou-se o modelo do artista romântico, assim como do desejo de se libertar tanto de formas musicais como de concepções obsoletas do mundo.
O mestre de Bonn tornou-se uma figura de identificação musical numa fase de reviravolta política, da era aristocrática para a burguesa. Ao escrever música para o ballet «As criaturas de Prometeu», Beethoven já se dedicava em 1801 a um tema altamente actual. O semideus da mitologia grega Prometeu, portador da luz e patrono da humanidade, era o símbolo do Iluminismo e personificação mítica da revolução. Napoleão Bonaparte era considerado o "Prometeu moderno".
Durante toda a vida, o músico alemão esteve dividido entre servir e desprezar a nobreza, entre o anseio pela revolução e a resignação. A sua atitude perante os poderosos foi sempre ambivalente. Entre esperança na nobreza e desilusão em relação a ela, oscilou todo o trajecto da vida de Beethoven.
Nascido em 1770, filho de um tenor da corte do príncipe eleitor, o menino-prodígio já era exibido à aristocracia aos 8 anos de idade. Aos 19, protestava pela primeira vez: o piano da corte era ruim, impossível tocar nele, afirmava. Era o ano da Revolução Francesa.
Porém a vida de um instrumentista e compositor era, na época, subordinada à corte e à Igreja. A convite do veterano Joseph Haydn, o jovem vai estudar em Viena. E resolve permanecer na cidade imperial, embora o príncipe eleitor de Bonn jamais o haja libertado oficialmente dos serviços de sua corte.
E Beethoven tornou-se o queridinho da nobreza vienense. Graças a ela, foi um dos primeiros músicos verdadeiramente autónomos, independentes de postos na corte ou eclesiásticos. O Barão van Swieten, os príncipes Liechnowsky, Lobkowitz e Kinsky pagavam-lhe respeitáveis subvenções anuais e pensões vitalícias. Beethoven foi ainda professor de piano do arquiduque Rudolf, para quem escreveu o Concerto triplo em dó maior opus 56, para violino, violoncelo, piano e orquestra.
Embora quase exclusivamente financiado pelos nobres, Beethoven era extremamente desrespeitoso com eles. Considerando-se um cidadão livre, tachava seus mecenas de "ralé aristocrática" e os tratava de forma coerente com essa opinião.
Em Viena, era notório o entusiasmo do compositor pelas ideias liberais e pelo inimigo público número um, Napoleão. E no entanto, Beethoven escapou à censura e à polícia secreta austríaca. Em liberdade quase absoluta, até mesmo compôs em 1803 uma homenagem sinfónica a Napoleão: a Sinfonia nº 3, opus 55 (Heróica).
Apesar de fanático pela liberdade, o músico estava longe de ser um observador arguto da situação política. A viragem de Napoleão, de herói revolucionário para absolutista, consternou-o. Ao saber que o general francês se fizera coroar imperador, Beethoven rasgou a homenagem original da Heróica e dedicou a sinfonia ao seu mecenas, o príncipe Lobkowitz, um nome representativo do Ancien Régime.
No ápice da fase anti-napoleónica, o compositor escreveu em 1813 uma peça de guerra. Com A vitória de Wellington ou a Batalha de Vitoria, Beethoven torna-se de um só golpe popular também entre a burguesia vienense. O elaborado espectaculo bélico-musical descreve em sons a derrota das tropas francesas pelo marechal inglês Arthur Wellesley, duque de Wellington, na cidade de Vitoria, no norte espanhol. Era o início da derrocada de Napoleão.
"Nada além de tambores, canhões, miséria humana de toda sorte", exclamou Beethoven por ocasião da investida militar contra Viena, em 1809. Ele era um pacifista decidido, como fica claro na sua representação sonora de batalhas.
O músico reagiu ao Congresso de Viena de 1815, que definiria a nova ordem política na Europa, com a monumental cantata Der glorreiche Augenblick (O glorioso momento). Para ele, tudo o que contava era a vitória sobre Napoleão, o rebaixamento da França e a esperança na segurança e na liberdade reconquistadas.
Já em 1805, Beethoven denunciara a tirania e a ditadura na sua única ópera, Fidelio (de início intitulada Leonore). Entre os alvos desta crítica, estavam sem dúvida os invasores franceses de Viena.
Desde a ditadura napoleónica, Beethoven não mais acreditou que a rebelião corajosa e as revoluções pudessem reverter hierarquias e depor tiranias. Quase todas as suas obras foram dedicadas a patronos nobres, quem quer que fossem.
Durante a vida inteira, ele serviu aos poderosos, vendendo-lhes a sua música. E ao mesmo tempo sonhava com a independência em relação a eles. No fim da vida, realizou este sonho na Nona sinfonia, integrando nela a Ode à Alegria de Friedrich Schiller. Um monumento humanista feito de sons, embora a sinfonia fosse dedicada ao rei Frederico 3º da Prússia. Em 1824 a Nona sinfonia é estreada.
Três anos mais tarde, morre Ludwig van Beethoven.
Fonte do texto: aqui ___________________________________________
Entrevista com a directora da Beethovenfest sobre a política da Nona Sinfonia de Ludwig Von Beethven e a forma como o poder se tem servido da música e das várias composições de Beethoven
Beethovenfest Director Ilona Schmiel spoke about the power of Beethoven's famous Ninth Symphony, and why the month-long event focuses on the influential work.
The motto of this year's Beethovenfest is "Macht.Musik," which in German can mean both "power.music" and "make.music." The play on words reflects the turbulent history of the Ninth Symphony: its repeated exploitation by powerful figures, as well as its withstanding power to move people.
Ms Schmiel, how did you choose the motto "Macht.Musik"?
Ilona Schmiel: The Ninth Symphony was of course the impetus to ask how this work can be used to represent a whole program. And that was the reason to hold the festival under the motto "Macht.Musik" and to follow the path of the Ninth Symphony from its premiere in 1824 to today.
Beethoven's political commitment, this utopia -- the "Ode to Joy" by Friedrich Schiller, which he set to music, is a utopia -- hasn't lost any of its relevance. We are still living in an age of war, suppression, hunger and many other injustices. Back in his time -- the work was completed in 1824 -- Beethoven probably thought things would improve. And that alone is a reason the Ninth Symphony can be made a focal point.
The question of how the reception of this piece continues in 2008 has always moved me because, as far as I know, there is no other work in the world that is played so often and deliberately chosen for so many different occasions.
The piece has not only been a part of triumphs, but also of many mistakes that have been made by governments, rulers and leaders, where the symphony was totally appropriated by politics and exploited for political purposes and dictatorial statements.
Relatively speaking, Beethoven had a lot of contact with the powerful figures of his time, and if you look back on his work -- for example the "Eroica," "Wellington's Victory" or "Egmont" -- he often expressed himself politically through his music. But he did so quite differently in each case.
The issue of how he surrounded himself with powerful figures, but at the same time also left them hanging, was a central theme in his life, I think. And it begs the question of where Beethoven's development through the symphonies leads -- past a rejection of the powers that be, to a civil society.
On the one hand it is really a path beyond the worship of powerful figures -- such as Napoleon -- but, on the other hand, he is using the civil society, which finances the music and supports the composer.
That's is why I think this music is still so relevant and moving today. Questions about how to deal with works of music today, how music is used, what demands are placed on it, how much it needs to align with the state to be performed on certain occasions, and how music is twisted or the text is rewritten, for example, so that it fits a particular regime -- the Ninth Symphony has already been through all of that.
Who else then has used Beethoven's music to serve their own ends?
Goebbels always had the Ninth Symphony played for Hitler's birthday. The GDR (communist East Germany) chose it as their national anthem, albeit with a different text. It has been played constantly both in the East and the West.
It has become the European anthem, and since the Olympic Games it has also been mentioned that Mao used the Symphony to motivate workers in the fields. Kamikaze pilots listened to this music -- I'm jumping through time a bit -- and it was also the national anthem of Rhodesia.
I think no other work has ever been so globalized. Nevertheless this human message, this commitment to human kindness has survived -- and you could almost say this message is indestructible.
How would you judge Beethoven's music today? What is the situation with "power" and "music"?
For me personally, the power of music is at the forefront because I'd like to keep believing in the utopia that music can change a lot.
In 2006, we had a guest youth orchestra from South Africa, where musicians with different backgrounds performed together, for example. Music can also be a social instrument. And this power can't be burned onto a CD. The reproduction of music in a concert is something exclusive. There you can really feel the power of music -- and I don't think you can get away from it.