17.11.06

As «malditas palmeiras»




As lógicas dos impérios têm muito em comum e será, pois, oportuno relembrar o que se passou quando um governador imperial britânico, Sir Stamford Raffles, visitou uma das ilhas da Indonésia, no final do século XIX. Aqui as populações viviam autonomamente, graças a uma vida frugal e às palmeiras espontâneas locais que lhes forneciam tudo aquilo de que necessitavam.
Afirmou então o Governador: «Mas estas pessoas são ingovernáveis!».
Queria ele dizer que eram ingovernáveis porque não havia nada que o poder lhes pudesse dar e que elas quisessem ou precisassem.
Perante isso, é evidente que o governo sob a chefia do dito Governador foi forçado a deitar abaixo as «malditas palmeiras» a fim de tornar as populações locais dependentes e, por conseguinte, governáveis.



As ideologias das missões, da colonização e do «desenvolvimento»

Antes da colonização, a ideologia da missão dividia os seres humanos em cristão e pagãos, tendo os primeiros o «dever» de levar a «fé» aos pagãos.
A ideologia da colonização, surgida no século XVIII dividia os seres humanos em civilizados e selvagens, competindo aos civilizados a tarefa de levar a «civilização» aos «selvagens».
A partir da II Grande Guerra Mundial começa-se a falar e a fazer-se a distinção entre desenvolvimento e subdesenvolvimento: os seres humanos são então divididos em ricos e pobres, cabendo aos ricos ajudar os «pobres» de forma a estes se tornarem «ricos». Esta ideologia do «desenvolvimento» aparece nos Estados Unidos e visa substituir a ideologia da colonização, já que os próprios Estados Unidos tinham sido colónias pelo que dificilmente poderiam aceitar a ideologia da colonização.
Hoje em dia em plena época do capitalismo financeiro e da globalização capitalista o termo subdesenvolvidos toma um tom pejorativo e passa-se a estabelecer diferenças na base do maior ou menor grau de industrialização, aparecendo então a distinção entre 1) países industrializados; 2) Novos países industrializados; 3) Países em Desenvolvimento
.

O colonialismo destruiu sociedades e culturas inteiras (genocídio e etnocídio)




O colonialismo assenta fundamentalmente na imposição de um modelo económico-cultural a outras sociedades e culturas que provocou a desintegração, senão mesmo o desaparecimento, das economias e culturas autóctones, forçando essas populações a inserirem-se na chamada economia-mundo.
Com efeito, antes desses povos serem colonizados havia neles uma economia de subsistência e um certo grau de progresso como o demonstram historicamente algumas sociedades que atingiram um elevado grau de evolução.
Na verdade, os povos colonizadores não eram mais ricos nem mais civilizados do que os povos colonizados, antes da expansão das sociedades europeias através das cruzadas e da colonização, ao contrário do que muitas vezes se pretende fazer crer.
A imposição aos povos de valores, modos de vida e comportamentos a que eram alheios trouxe como consequência a destruição de muitas sociedades no plano económico e cultural e a perda e inferiorização das suas identidades próprias. Em não poucos casos chegou-se mesmo ao ponto da eliminação física de povos e sociedades (genocídio e etnocídio).

Para ilustrar tudo isso leia-se este texto com data de 1971 de autoria de Aimé Cesaire:

«É a minha vez de propor uma equação: colonização-coisificação
Já ouço a trovoada. Falam-me de trovoada, de «realizações», de doenças curadas, e de níveis de vida elevados acima de si próprios.
Eu falo de sociedade esvaziadas de si próprias, de culturas espezinhadas, de instituições minadas, de terras confiscadas, de religiões assassinadas, de magnificências artísticas enfraquecidas, de possibilidades extraordinárias suprimidas.
Atiram-me à cabeça com factos, estatísticas, quilómetros de estradas, canais e caminhos-de-ferro.
Eu falo de milhares de homens sacrificados no Congo.
Falo dos que, à mesma hora em que escrevo, escavam à mão o porto de Abidjan. Falo dos milhões de homens arrancados aos seus deuses, hábitos, vidas, à vida, à dança e à sabedoria.
Enchem-me os olhos com toneladas de algodão ou de cacau exportadas, com hectares de plantações de olivais ou de vinha.
Eu falo de economias naturais e de economias harmoniosas e viáveis que, apesar de serem desorganizadas, estavam à medida do homem indígena, e que foram destruídas juntamente com as suas culturas alimentares, falo de subalimentação crónica, de desenvolvimento agrícola orientado para benefício exclusivo das metrópoles, de saque de produtos e de matérias-primas.»

Canção burguesa ( de Raul de Carvalho)

Consolo e delícia
Da vida burguesa...

Sete horas em ponto
O jantar na mesa;
Café bem quentinho,
Conversa tranquila,
E um lençol de linho
Esperando o seu dono
Para um belo sono...

Que bom não ter sonhos,
Dormir sossegado!
Já estou acordado,
Já salto da cama,
- Maria, Maria,
Traga os chinelos,
Traga o meu pijama...
A alma lavada,
O corpo limpinho.
- Bom dia vizinha!
- Bom dia vizinho!


Consolo e delícia
Da vida burguesa...
Se isto continua,
Morro, com certeza!

( de Raul de Carvalho, 1920-1984)

Raul de Carvalho foi um poeta irreverente, marcado pela influência de algum surrealismo, tendo colaborado em revistas como a àrvore, Seara Nova e Cadernos de poesia.



"Quem somos? Um grão de areia no sapato" pelo Teatro dos Sentidos (dia 17, às 21.30, na Junta de Massarelos, Porto)

Na próxima sexta-feira, 17 de Novembro, pelas 21.30 horas, no Salão Nobre da Junta de Freguesia de Massarelos (ao Campo Alegre), a companhia Teatro dos Sentidos representará a peça de teatro "Quem Somos? Um Grão de Areia no Sapato".


O texto é de Vera Cunha com um poema de Tiago Magalhães
Encenação: Vera Cunha
Elenco: Graziela Sousa, Isabel Pinto Morais, José Stuart Torrie, Miguel Peixoto, Sérgio P



Sinopse:
Na brevidade de um momento, cinco personagens dão a conhecer a sua identidade.
Num universo, inicialmente, camuflado: Júlia, Pedro, Tiago, Matilde e Lucas conversam acerca daquilo que, à partida, não havia para conversar. Desvendam-se experiências de vida, partilham-se sentimentos, exteriorizam-se emoções, afinal e quiçá, desnecessárias... Uma performance em que o desenvolvimento dramaturgico é, propositadamente, linear e onde se dispensam clímaxes. Em conformidade com a nota introdutória: "Um texto superficial, monótono, pouco significativo... como, também, a vida consegue ser." "Quem somos?", serve de mote para uma encenação que, se pretende, fulcral para a compreensão dos significados implícitos na incapacidade humana e presentes ao longo de toda a acção.Porque, Júlia, Pedro, Tiago, Matilde e Lucas são apenas uma ilustração do que cada um de nós talvez seja, tenha sido ou possa ainda vir a ser... nada mais, nada menos que um grão de areia no sapato
….


IR AO TEATRO É UM PRAZER