Uma das taras características de um certo modo de vida é aquilo que, em linguagem psiquiátrica, se designa por oniomania, isto é, a tendência obsessiva para fazer compras. Trata-se, com efeito, de um dos legados das nossas sociedades contemporâneas. Tendência essa que, de resto, ameaça expandir-se e transformar-se num síndroma social do consumismo compulsivo e larvar das futuras relações sociais se não atalharmos a tempo a evolução de tudo transformar em valor de troca os bens e serviços da mais variada natureza.
Ao contrário do século XIX em que a preocupação maior dos economistas era como produzir em mais quantidade, o principal motivo de apreensão dos actuais responsáveis empresariais prende-se em encontrar os meios e as estratégias que melhor garantam o crescimento das despesas por parte dos consumidores de forma a assegurar a continuidade do ciclo económico da produção-rendimento-despesa, para o que contam com os mais variados instrumentos, de uma sofisticação e eficácia jamais vista.
Acontece que esta “modernização económica” releva mais de um eufemismo de linguagem do que propriamente de um verdadeiro processo de desenvolvimento social e humano uma vez que a um tal processo “modernizador” está presente um fervor religioso em tudo submeter aos diktats imperativos da razão económica senão mesmo do deve-e-haver contabilístico, ignorando completamente todos os outros aspectos da vida social e humana. A “doxa” económica e contabilística converteu-se hoje efectivamente em dogma indiscutido e indiscutível a que, sem hesitação, prestam vassalagem as élites arrastando consigo a massa informe das nossas sociedades .
As sociedades de consum0 - que também, sintomaticamente, são conhecidas por sociedades do desperdício - constituem um modelo social e económico que tem sido objecto de estudos e análise pelas mais variadas áreas científicas, desde a antropologia até à economia, passando pela sociologia, psicologia social, ecologia, etc, e graças aos quais tem sido possível a compreensão e a crítica da sua lógica interna e dos respectivos dispositivos de funcionamento.
Paralelamente a tomada de consciência dos consumidores da sua função económica e do seu papel face aos interesses empresariais levou à verificação de quanto era frágil a sua posição no jogo de interesses em presença. Daí à acção de defesa dos direitos e interesses do consumidores e respectiva consciencialização para o consumo responsável foi um pequeno passo, logo dado, em 1º lugar, nos países onde se regista maior nível cultural e participação das pessoas na vida pública, mas rapidamente propagado para os demais países. Emerge então o movimento consumerista destinado a sensibilizar os próprios consumidores para as múltiplas implicações que o acto de consumo envolve, desde logo,as consequências de carácter ambiental, mas também de ordem económica, social, cultural,etc. Aliás, um outro movimento precedente tinha tido um papel pioneiro na defesa e consciencialização dos consumidor: falamos, como não podia deixar de ser, do cooperativismo (em especial, das cooperativas de consumidores) que, constituiu na sua face inicial, uma viva esperança, alimentada pelos espíritos mais lúcidos da época, contra o poder abusivo das empresas e os efeitos danosos provocados pela mão cega do mercado.
Já mais perto de nós no tempo surgiram novas iniciativas e movimentos como é o caso do comércio justo que são tentativas de criar circuitos comerciais paralelos de forma a satisfazer quer os interesses dos consumidores como inclusivamente dos próprios produtores, muitos deles do mundo subdesenvolvido que são, literalmente, espoliados pelas grandes cadeias de comercialização dos seus produtos e das suas matérias-primas. Tudo isto vem a desaguar numa nova ética do consumidor, mais exigente em termos ambientais, sociais e económicos.
A última iniciativa para alertar as consciências individuais foi a promoção do Buy Nothing Day por ONGs internacionais como forma de relançar o debate e a reflexão acerca da problemática relacionada com o consumo desenfreado. O próximo dia 26 de Novembro foi justamente escolhido para marcar a nível internacional o dia sem compras. Apesar do carácter simbólico, esta iniciativa não deixa de ter um interesse redobrado se constituir um momento para a consciencialização dos indivíduos para o estado actual do planeta e da humanidade, de que o fenómeno consumista é, infelizmente, um triste sinal. Cabe a todos nós assumir a sua quota de responsabilidade nessa situação e retirar daí as suas devidas consequências.
Um Dia Sem Compras é um dia em que sabemos apreciar as coisas do mundo que não têm preço.