Desde há alguns anos florescem em algumas cidades os jardins «solidários», «familiares», «culturais», «pedagógicos» ou de «reinserção». Instalam-se ao longo das ruas, ao pé dos edifícios, no coração de bairros, nos enfiamentos ou nas franjas de certas ruas e aglomerações.
Tais realizações, com diversas escalas, são de iniciativa de residentes locais que formam associações para o efeito e que pretendem dar força às actuais tendências para a ecologia urbana assim como do desenvolvimento da democracia participativa ao nível dos bairros e quarteirões urbanos.
Este tipo de projectos resulta da má consciência ambiental que ocupa hoje o espaço mediático e que se explica pelo desfasamento entre as promessas a longo prazo próprias dos discursos políticos e a mais que constatada ausência de uma melhoria significativa das condições de vida das metrópoles ( barulho, poluição atmosférica, carácter anónimo da vida urbana,…). Quem participa na criação destes jardins pretende partilhar a ocupação física do solo e levar à prática as suas preocupações numa pequena parcela. Reivindicam com algum esforço cândido o uso de ancinhos e enxada, apesar dos dois séculos de urbanização e cimento que tivemos, e através de protocolos e acordos com duração limitada conseguem obter que terrenos públicos fiquem à sua disposição para serem tratados e ajardinados. Os detractores são muitas vezes os profissionais da política ou do urbanismo que não vêem com bons olhos os habitantes de uma cidade a tratarem a sua própria cidade. Ironizam mesmo sobre a sua incultura urbana, a sua ingenuidade ou o seu entusiasmo pelos legumes.
Todavia se prestarmos atenção a estes habitantes não é difícil encontrar o gosto e prazer que eles sentem pela realização desta actividade pública que resta inclassificável no âmbito institucional. Nos seus gestos vê-se menos o predomínio da palavra sobre o agir, mas sobretudo os encontros através da partilha de tarefas e actividades. Os trabalhos de limpeza e as práticas de jardinagem entre os interessados, muitos deles vizinhos de todas as idades permitem experimentar a todos o carácter mítico-poético dos trabalhos artesanais de outrora.
Na maior parte dos casos os terrenos são redescobertos após um período de abandono nas múltiplas dobras que a cidade não deixa de mostrar. O sentimento de abandono que impregna os terrenos abandonados à vegetação espontânea confere-lhes uma poética e pouco a pouco toda um novo estatuto.
Dentro da programação levada a cabo por várias associações as actividades estritamente hortícolas misturam-se quase sempre com projectos de outra natureza ( de carácter pedagógico, cultural, …) que se renovam ao longo das estações do ano. Assim, o jardim não é o fim em si mesmo mas um quadro onde aventuras culturais e sociais se podem desenvolver.
Encontramos mesmo, por vezes, animais como coelhos e galinhas cuja presença sonora em pleno meio urbano marcam a diferença e subentendem uma rede que os sustenta.
Em certos destes jardins familiares e de reinserção paira algum espírito comunal, semelhante ao que existia antigamente, durante o Ancien Regime, em que os habitantes detinham verdadeiros direitos adquiridos. ( eram terrenos que eram cultivados para garantir a autosuficiência alimentar tal como nos diz Nadine Vivier no seu livro « Propriété collective et identité communale, les liens communaux en France, 1750-1914).
Nas nossas sociedades sobrepovoadas a exclusão, a pobreza levaram muito longe a aridez orgânica dos solos entregues à lógica imobiliária. Donde o desejo das povoações em retomar as competências iniciais de apropriação por parte das comunidades e a sua reivindicação de uma base territorial que não esteja comprometida à lógica da especulação e ao aumento aberrante dos custos dos terrenos.
Estes jardins improvisados reforçam as práticas sociais baseadas nas relações de vizinhança e visam uma certa reterritorialização do ordenamento no sentido dado por Alberto Magnaghi quando fala de uma mundialização por baixo em reacção à globalização por cima.
(texto de Xavier Bonnaud, publicado na Revue de l’Urbanisme nº 343, Juillet-Aout 2005 com o título «Cultiver la conscience du lieu»)
Consultar:
www.jardinons.com
www.jardins-familiaux.fr
http://jardinons.com/cadrexp.htm