27.10.05

Contrato tácito das pessoas que dormem…


O mundo em que vivemos assenta num contrato tácito entre os conformistas amorfos e cujo conteúdo é o seguinte:

1) Aceito a competição como base do nosso sistema social e económico, mesmo se tenho consciência que o seu funcionamento gera frustração e cólera por entre a esmagadora maioria dos perdedores.

2) Aceito ser humilhado ou explorado na condição de também eu humilhar e explorar quem quer que se encontre abaixo de mim na hierarquia social

3) Aceito a exclusão social dos marginais, desadaptados e dos fracos em geral, uma vez que a integração social tem que ter limites

4) Aceito remunerar os bancos a fim destes investirem o meu salário conforme as suas conveniências, mesmo sem receber qualquer dividendo pelos seus gigantescos lucros. Aceito igualmente que os bancos me exijam uma comissão elevada para me emprestarem dinheiro que não é outro senão o dos seus clientes.

5) Aceito que permanentemente sejam congeladas e sejam lançadas fora toneladas de alimentos a fim que os preços não baixem, o que é preferível a dá-los às pessoas necessitadas e que permitiriam salvar algumas centenas de milhar de pessoas da fome, cada ano que passa.

6) Aceito que seja expressamente proibido pôr fim aos seus dias, mas que seja perfeitamente tolerável que se vá morrendo aos poucos ao inalar-se ou ingerir-se substâncias tóxicas autorizadas pelos Estados.

7) Aceito que se faça a guerra para fazer reinar a paz. Aceito que em nome da paz a primeira despesa pública dos Estados seja para o orçamento do exército. Aceito igualmente que os conflitos sejam criados artificialmente a fim de garantir o escoamento dos stocks de armas e de fazer girar a economia mundial.

8) Aceito a hegemonia do petróleo sobre a nossa economia, muito embora se trate de uma economia de elevado custo e geradora de poluição, pelo que estou de acordo em travar ( e mesmo impedir) qualquer substituição, mesmo se se vier a descobrir um qualquer meio gratuito e ilimitado de produzir energia, o que seria uma grande perda e prejuízo elevado para o nosso sistema económico.

9) Aceito que se condene a morte do próximo, salvo se o Estado decretar que se trata de um inimigo, caso esse em que devemos então encorajar a que seja morto.

10) Aceito que se divida a opinião pública criando partidos de direita e partidos de esquerda, que passarão o seu tempo a combater-se entre si, dando a impressão de fazer avançar o sistema. Aceito, além disso, todas as divisões possíveis e imagináveis, visto que elas me permitirão canalizar a minha cólera para os tais inimigos referenciados, e cujo retrato será agitado perante os meus olhos.

11) Aceito que o poder de moldar e formatar a opinião pública, outrora entregue às religiões, esteja hoje nas mãos dos negociantes, não eleitos democraticamente e que são totalmente livres de controlar os Estados, já que estou plenamente convencido do bom uso que não deixarão de fazer daquele poder sobre a opinião pública.

12) Aceito a ideia que a felicidade se resume ao conforto, amor ao sexo, e à liberdade de satisfazer todos os desejos, pois é isso que a publicidade não se cansa de me transmitir. Quanto mais infeliz, mais eu hei-de consumir, e ao desempenhar com competência este meu papel, estou a contribuir para o bom funcionamento da nossa economia.

13) Aceito que o valor de uma pessoa seja medido em função da sua conta bancária, assim como a sua utilidade social esteja dependente da sua produtividade, e não tanto da suas qualidade, pelo que será excluído o sistema quem não se mostre suficientemente produtivo.

14) Aceito voluntariamente que sejam prodigamente pagos os jogadores de futebol e os actores e actrizes, e a um nível muito inferior os professores e médicos, profissionais encarregados da educação e da saúde das futuras gerações.

15) Aceito que sejam lançados para os lares, especialmente destinados para esse fim, as pessoas de idade, cuja experiência poderia ser útil, uma vez que sendo nós a civilização mais evoluída do planeta ( e, sem dúvida, do universo) sabemos bem que a experiência não se partilha nem se transmite.

16) Aceito que todos os dias sejam apresentadas as notícias mais terríficas e mais negativas do mundo a fim que possa apreciar até que ponto é normal e possa dar-me por satisfeito a sorte que tenho em viver numa sociedade ocidental, tanto mais que incutir o medo nos nossos espíritos só pode ser benéfico para todos nós.

17) Aceito que os industriais, os militares e os políticos se reúnam regularmente para tomar decisões, sem nos consultar, sobre o futuro da vida e do planeta.

18) Aceito consumir carne bovina tratada com hormonas sem que eu esteja informado sobre o assunto. Aceito que a cultura dos transgénicos se expanda por todos os sítios do mundo, permitindo às transnacionais do sector agro-alimentar patentear as sementes, recolher dividendos e colocar sob o seu jugo toda a agricultura mundial.

19) Aceito que os grandes bancos internacionais emprestem dinheiro aos países desejosos de adquirir armamento, escolher aqueles que farão a guerra e os que a não farão. Estou plenamente consciente que mais vale financiar as duas partes beligerantes a fim de estar seguro que o conflito possa durar o mais tempo possível, de modo a ser possível pilhar os seus recursos caso não possam reembolsar os empréstimos recebidos.

20) Aceito que as empresas multinacionais se abstenham de aplicar os progressos .sociais do ocidente nos países desfavorecidos. Considerando que é uma verdadeira beleza vê-los a trabalhar, prefiro que seja permitido o trabalho de crianças em condições infra-humanas e precárias e que, em nome dos direitos do homem e do cidadão, não haja o direito de ingerência nesses assuntos.

21) Aceito que os políticos possam ter uma duvidosa honestidade e, por vezes, sejam corruptos, perante as fortes pressões de que eles são alvos, desde que para a maioria dos cidadãos a regra seja a tolerância zero.

22) Aceito que os laboratórios farmacêuticos e os industriais do sector agro-alimentar vendam aos países subdesenvolvidos produtos fora do prazo ou com componentes cancerígenas, e que estejam interditas no ocidente.

23) Aceito que o resto do mundo não-ocidental possam pensar diferentemente de nós, sob a condição de não virem para cá exprimir as suas crenças, e ainda menos tentar explicar a nossa História com as suas noções filosóficas primitivas.

24) Aceito a ideia que não existe senão duas possibilidades na natureza, a saber: caçar ou ser caçado. E se somos dotados de uma consciência e de linguagem, não é com certeza para saber escapar a esta dualidade, mas sim para justificar porque é que agimos assim.

25) Aceito considerar o nosso passado como uma sucessão ininterrupta de conflitos, conspirações políticas e de vontade para obter hegemonias, mas eu sei que hoje tudo isso já não existe porque estamos no apogeu na evolução humana, e que as únicas regras que regem o nosso mundo são a busca da felicidade e da liberdade de todos os povos, tal como ouvimos dizer constantemente nos discursos políticos.

26) Aceito sem discutir e considero como verdades todas as teorias propostas para explicar o mistério das nossas origens. Além disso, aceito que a natureza tenha demorado milhões de anos para criar um ser humano, para o qual o único passatempo é a destruição da sua própria espécie daqui a alguns instantes.

27) Aceito que a procura do lucro seja o fim último da Humanidade, e que a acumulação das riquezas seja realização efectiva da vida humana.

28) Aceito a destruição das florestas, a quase destruição da fauna marítima dos rios e eoceanos. Aceito o aumento da poluição industrial e a dispersão de venenos químicos e de elementos radioactivos na natureza. Aceito a utilização de todas as espécies de aditivos químicos na minha alimentação, porque estou convencido que, se aí são introduzidos, é porque são úteis e desprovidos de risco.

29) Aceito a guerra económica que alastra pelo planeta, mesmo se sinto que ela nos conduz para uma catástrofe sem precedentes.

30) Aceito esta situação e admito que não posso fazer absolutamente nada para a mudar ou melhorar.

31) Aceito ser tratado como besta, pois feitas as contas, penso que não valo mais que isso.

32) Aceito não levantar qualquer questão, de fechar os olhos a tudo isso e em não me opor a nada, uma vez que estou demasiado ocupado com a minha vida e já tenho preocupações que me cheguem. Aceito mesmo defender até à morte este contrato se mo pedirem.

33) Aceito pois, consciente e voluntariamente, este meu triste destino contratual que me colocaram à frente dos olhos e que vou assinar, apesar de tal me impedir de ver a realidade das coisas.


Nota final:
Caso estejas contra e recusas subscrever este contrato, podes em alternativa começar por utilizar os recursos que a amizade e o amor, a fraternidade e a responsabilidade partilhada, te oferecem e passar a reflectir, a conceber, a ousar e a tecer uma teia não-venenosa, mas saudável, para manter vivo o nosso planeta e garantir à Humanidade o direito a viver com justiça e liberdade.
Todo o atraso é demais.

(Texto retirado da net e de autoria dos Amigos da Terra.)