7.8.05

Declaração formal de guerra poética para tomar o céu por assalto


O surrealismo está vivo e lança-se à acção.

Leia-se e multiplique-se

Considerando:

a) que cada dia que passa são cada vez mais as perversões esclavagistas dos Impérios e dos seus cúmplices

b) que a miséria cresce, o crime cresce, a injustiça cresce, as ameaças crescem

c) que está em marcha um ataque armado imperial para cancelar definitivamente a liberdade

d) que somos reféns das ditaduras financeiras, bancárias, clericais, massmediáticas, legalóides, politiqueiras e moralistas

e) que não temos descanso nem nos deixam respirar

f) que pretendem usurpar-nos a vida e a esperança

g) que semearam com mortos os nossos sonhos e vigílias

h) que o medo inunda as noites e dias com noticiários, embargos judiciais e moral policial

i) que o terror tem cotação nas bolsas

j) que estamos acorrentados aos fios da consciência

k) que a podridão e a pouca vergonha desfilam triunfalmente pelas avenidas da impunidade

l) que a democracia fica desfigurada com a mais despudorada campanha nacionalista, fascista e patrioteira

m) que converteram o trabalho numa carnificina

n) que arrastamos pelas ruas as nossas depressões e cansaços como alma escondidas nas sombras elípticas dos abutres

o) que a fome nos tira lascas 365 vezes por minuto

p) que a humilhação goza de perfeita saúde

q) que o desemprego é um grande negócio

r) que tudo é ainda passível de piorar

s) que isto já não é assunto de caciques

t) que somos o alvo

u) que eles fabricam cada dia mais e melhores armas

v) que se votarmos neles seremos então seus

w) que não há tempo a perder. Que a consciência do nosso atraso não é suficiente

x) que o nosso trabalho, tal como está, faz-nos cada vez mais escravos e mais miseráveis

y) que eles estão organizados e se preparam para nos dar o golpe final

z) que não basta unirmo-nos… é preciso organizarmo-nos revolucionarmente




PROMULGAMOS A…

Real Declaração Universal

Dos Direitos da Revolução Permanente

( e as suas permanente obrigações)


I. Todos os seres humanos podem, devem e precisam de ser revolucionários. A partir de hoje será obrigação e direito de todos executar pelo menos três acções revolucionárias diárias contra qualquer sinal de escravidão física e mental.

II. Será reconhecida como revolucionária toda aquela acção organizada que contribua directa ou indirectamente, objectiva ou subjectivamente, para dar por terminado o modo esclavagista e de exploração criado pelo capitalismo imperial.

III. Esta declaração propõe o amor e a poesia como formas supremas da revolução. Toda a indiferença face à revolução será considerado como delito de lesa-majestade

IV. A mansidão, docilidade e inactividade complacentes para com o capitalismo serão consideradas indecentes e imorais

V. Está proibida qualquer revolução na solidão. ( salvo casos excepcionais ou extremos). É dever e direito de toda a pessoa, que se respeite, construir a revolução acompanhado. É mais produtivo, mais seguro e mais saboroso.

VI. Será propósito de cada acto de amor honesto e quotidiano converter-se em revolução que liberte corpos e espíritos para uma vida digna, dentro do possível, ainda que não pareça.

VII. É prerrogativa e obrigação da humanidade contribuir para a construção de uma grande frente única revolucionária ( a Revolução Mundial) que será com a maior brevidade convertida num poema colectivo para a redistribuição equitativa da felicidade e justiça. Tudo isto está nas nossas mãos, isto é, de todos nós.

VIII. É certo que não basta ser rebelde, mas há que começar por alguma coisa. Quando começar a grande revolução mundial, o que só acontecerá quando toda a opressão, escravatura e exploração estejam desterradas, manter-nos-emos revolucionários para não nos transformarmos no seu contrário.

IX. É preciso que a revolução se expresse por todas as áreas da vida. Por isso, daqui para diante, será necessário sermos revolucionários nos sonhos e no descanso, nos jogos e nos trabalhos, pública e em privado. Será prerrogativa de todo o revolucionário produzir beijos revolucionários, abraços revolucionários, carícias revolucionárias. Ciência, artes, filosofias e ofícios revolucionários. Não há desculpas para não se amar em revolução crescente e postergar um minuto que seja os mandatos do desejo.

X. Esta declaração é uma declaração de guerra contra toda a hegemonia da razão sobre os instintos e vice-versa. É uma declaração contra a separação entre a consciência e o inconsciente. É uma declaração de guerra contra a separação entre o espírito e o corpo. É uma declaração de guerra contra a separação do trabalho intelectual e o trabalho manual. É uma declaração de guerra contra a separação entre a riqueza material e os povos que a produzam. Contra a propriedade privada.

XI. Esta declaração é uma declaração de guerra contra a apatia, a desorganização, a depressão, a mediocridade, a sujidade, a miséria, a corrupção, os saldos amargos, a austeridade para tantos, a abulia, as doenças, as deficiências, os atrasos, as desigualdades, os maus tratos, a intranquilidade, a insónia, a impotência, a frigidez, o bom comportamento, as atitudes burguesas, a desnutrição, o abandono, a solidão e a tristeza.

XII. A partir de agora é obrigatória a revolução que fecunde alegria para todos, o bem estar material e emocional, o sexo criativo, lúdico e amoroso, o trabalho não alienante, a paz entusiasta, a vontade de rir-se sem ser por motivos estúpidos, a amizade contundente, o amor louco e tudo quanto a nossa consciência exigir para satisfazer as necessidades, pessoais e colectivas, para aproximarmo-nos daquilo que todos sonhamos como um mundo melhor, que é um mundo sem exploração, feito por e para uma humanidade renovada. E isso não é impossível.

XIII. É inaceitável ser-se indiferente a esta declaração.

XIV.

«Não será o medo à loucura que nos obrigará a baixar as bandeiras da imaginação»


Autor: Fernando Buen Abad Domíngueztradução para português de um original de Fernando Buen Abad Domínguez, sob o título CARTAS DESDE EL SURREALISMO Nº 5 que se encontra em:
www.barriodelcarmen.net

Quando os Estados Unidos se preparavam para invadir Portugal

Algum tempo depois do 25 de Abril e face ao desencadeamento de um processo revolucionário que se lhe seguiu o governo norte-americano acompanhava de perto o desenrolar dos acontecimentos em Portugal, até pelo facto do país ser um membro fundador da aliança militar que é a Nato.
Numa primeira fase enviou observadores ( serviços secretos) para o terreno, isto é, para Portugal. Toda a gente sabia ,por exemplo, que o embaixador americano em Lisboa era um alto funcionário da Cia, em «comissão de serviço» em Portugal, cujo trabalho foi, de resto, reconhecido quando anos mais tarde esse mesmo Embaixador chegou à Chefia da Agência Nacional de Segurança (vulgo, CIA) dos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo o governo americano abria os cordões à bolsa e criava linhas de financiamento para as forças contra-revolucionárias portuguesas. É graças aos dólares americanos e aos marcos alemães que é criada a UGT, a actual central sindical social-democrata. São criados também jornais contra-revolucionários e até mesmo de direita mais extremista, com a ajuda dessas verbas disponibilizados pelas agências de informação dos serviços governamentais, com o claro objectivo de desinformar e intoxicar a população contra o «papão comunista» e o «perigo da anarquia».
Como tais operações não fossem suficientes para travar a dinâmica revolucionária em Portugal os Estados Unidos começaram a recorrer à força armada para abafar a revolução portuguesa.
Surgiram assim várias redes terroristas de carácter contra-revolucionário patrocinadas na sombra pelos serviços secretos americanos.
Mas como isso não chegasse o governo norte-americano começou seriamente a pensar numa intervenção militar no território português para que deu ordem para a realização por mais de duas vezes durante ano de 1975 de manobras militares da Esquadra da Nato que simularam inclusivamente desembarques nas praias atlânticas do Alentejo.
Afinal não foi necessário desembarque nem invasão. Os homens de mão dos americanos estiveram á altura da encomenda que lhes tinha sido ordenada.
Assim se explica que o golpe militar reaccionário do 25 de Novembro de 1975 que veio a instaurar a Recuperação Capitalista tenha tido como centro de operações a base aérea da Nato em Cortegaça, perto de Ovar.
Daí partiriam as ordens e os aviões que vieram a intimidar e atacar as força revolucionárias que exigiam transformações profundas na organização social no sentido de criar uma sociedade socialista, tal como se encontra ainda na actual Constituição da Republica Portuguesa, mas que não passa de letra morta para os nossos políticos e governantes para os quais a Lei e a Constituição só devem ser seguidas e respeitadas quando estiverem ao serviço dos interesses da classe dominante dos capitalistas e aos americanos.

Os zapatistas



Autor do texto:
Boaventura de Sousa Santos

Saio da cidade do México num momento em que a classe política e os movimentos e organizações sociais reflectem sobre a última declaração política do movimento zapatista, a Sexta Declaração da Selva Lacandona. É uma declaração importante para o México, a América Latina e, em geral, para os cidadãos que em todo o mundo lutam contra a exclusão social e aspiram a uma renovação da vida política democrática. Trata-se de um texto escrito num estilo desconcertantemente simples, dirigido à «gente simples e humilde» e em termos que esta entenda, pleno de ironia e carregado de imagens que apelam à experiência vivida das classes populares. E este é um primeiro aspecto a salientar, já que uma das manifestações da crise da política do nosso tempo reside na opacidade dúplice do discurso político dominante, um discurso que nega o que faz (submeter-se aos imperativos do capitalismo global) para fazer o que nega (deixar de estar ao serviço do bem estar dos cidadãos).

A declaração está dividida em cinco partes: o que somos; onde estamos; como vemos o mundo; como vemos o nosso país, o México; o que vamos fazer. Destaco nela três aspectos principais. O primeiro consiste na opção mais inequívoca do que nunca, pela acção política pacífica: «o que vamos fazer no México e no mundo, vamos fazê-lo sem armas, com um movimento civil e pacífico». Está aberta, pois, a possibilidade de o movimento zapatista vir a integrar o Fórum Social Mundial (cuja carta de princípios exclui a luta armada) o que, em meu entender, seria bom para ambos. É certo que, no seguimento dos encontros «intergalácticos» promovidos pelos zapatistas na década de noventa, são propostos agora novos «encontros intercontinentais» e são mesmo avançadas datas prováveis, mas nada disto parece colidir com a entrada em força no FSM.

O segundo aspecto é que a intervenção zapatista não é feita contra a política, mas antes contra «esta política que não serve, e não serve porque não toma em conta o povo, não o escuta, não faz caso dele, só se aproxima dele quando há eleições e já nem sequer quer votos, pois bastam as sondagens para dizer quem ganha». Contra uma democracia representativa de baixa intensidade, propõe-se uma democracia de alta intensidade, que combine a democracia representativa com a participativa, pressionando os partidos a partir «de baixo», ou seja, através de uma forte mobilização social e política, uma campanha nacional para a construção de outra forma de fazer política», de um programa de luta nacional e de esquerda que esteja para além dos processos eleitorais. Esta mobilização deixa de se dirigir exclusivamente aos povos indígenas, a base social originária dos zapatistas, para incluir todos os explorados e excluídos: operários, camponeses, jovens, mulheres, deficientes, micro-empresários, reformados, homossexuais e lésbicas, crianças, emigrantes, etc. Trata-se, pois de organizar um vasto movimento social rebelde e pacífico.

O terceiro aspecto a salientar é que a luta social e acção política de base têm de ser, não apenas intersectoriais, mas também transnacionais. A globalização neoliberal, ao globalizar os processos de exclusão social, cria também as condições para organizar globalmente a solidariedade, solidariedade, antes de tudo, com os povos latino-americanos, mas também com todos os outros povos do mundo. Eis, em pleno estilo zapatista, como se dirigem aos povos europeus: «...e queremos dizer aos irmãos e irmãs da Europa Social, ou seja, a que é digna e rebelde, que não estão sós. Que nos alegram muito os seus grandes movimentos contra as guerras neoliberais. Que seguimos com atenção as suas formas de organização e de luta para aprender com elas. Que estamos a ver os modos como apoiá-los nas suas lutas e que não vamos mandar euros pois logo se desvalorizarão dada a desordem na União Europeia. Mas talvez lhes vamos mandar artesanato e café para que o comercializem e tirem disso algum proveito para as suas lutas.»

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Sexta Declaración de la Selva Lacandona
I, II, III

Alexandre Vieira, director d’«A Batalha», jornal da CGT


Quando se reconhece que está por fazer a história dos últimos cem anos, com os acontecimentos que derivaram do surto da industrialização e das suas consequências sociais e políticas, a I República e o reinado sombrio do salazarismo, é preciso conhecer e revelar o valor e o papel que desempenhou nessa época o movimento operário e sindicalista. Deste modo a História não aparecerá somente feita pelas personalidades políticas ombreando apenas com poetas, literatos e cientistas mas também por outras figuras que marcaram essa nova expressão democrática, o movimento operário, que muito contribuiu para a transformação da sociedade portuguesa.

Alexandre Vieira, operário gráfico, cujo centenário do seu nascimento se completou a 11 de Setembro de 1980, foi uma notável figura marcante nos grandes acontecimentos que caracterizaram a I República e os anos posteriores como militante sindicalista e na acção que o movimento sindical revolucionário desempenhou na melhoria e elevação da condição operária e da sua intervenção nessa evolução.
Nasceu no Porto, na freguesia de Santo Ildefonso, em Setembro de 1880 e, em breve, vai com os pais para Viana de Castelo onde, aos 10 anos, começou como aprendiz de latoeiro. Aos 15 anos de idade, na sua passagem por Coimbra, inicia a aprendizagem de tipógrafo, condição profissional que jamais abandonaria e seguiu sempre com paixão e orgulho.
Por esse tempo, bastante convulso, pelas consequências da crise de 91, dos problemas coloniais e do processo de industrialização, o movimento operário que já vinha dos meados do século a afirmar o valor e a presença operária no processo de produção, mas condicionado a um reformismo que a hegemonia do Partido Socialista patrocinava como indispensável ao papel político que julgava poder realizar segundo a dialéctica marxista, viu surgir novas concepções revolucionárias inspiradas na experiência da Primeira Internacional.
Alexandre Vieira, trabalhando nas artes gráficas, além dos contactos com essas movimentações, começou a privar com leituras de carácter social e naturalmente a formar uma personalidade que cedo se vem a afirmar. Com 23 anos de idade ele dirige, em Viana de Castelo, o jornal «O Lutador»,órgão local da Federação das Associações Operárias.
Não tarda a aparecer em Lisboa onde se fixou definitivamente, filiando-se na Associação dos Compositores Tipográficos.
As grandes lutas operárias na Europa e as suas contingências iam produzindo uma experiência. A social-democracia, que se gerara nos votos do Congresso de Haia de 1872, propostos pelos postulados de Marx, entrava no parlamentarismo e no terreno resvaladiço do constitucionalismo burguês, ao mesmo tempo que os movimentos operários mais amadurecidos se iam inspirando no princípio que, para além das reivindicações económicas imediatas, se abrangia a própria socialização dos meios de produção, e seriam, portanto, os próprios sindicatos os instrumentos válidos dessa socialização.
O movimento das Bolsas de Trabalho em França toma, por inspiração anarquista de Pelloutier, da crítica marxista de Lagardelle e Berth e da crítica sorelliana, uma notável autonomia. Formulava-se, na teoria e na prática, o sindicalismo revolucionário, e em 1906 constitui-se a CGT estruturada na célebre carta de Amiens.
A influência cultural francesa transporta para Portugal, pelo veículo da literatura anarquista , o sindicalismo revolucionário que ensaiava.
Alexandre Vieira, que privava nos meios libertários, com Emílio Costa, Pinto Quartin, Campos de Lima, Neno Vasco, Adolfo Lima e Aurélio Quintanilha, integra-se na proposta revolucionário do sindicalismo e torna-se um dos seus mais activos militantes e propagandistas depois da célebre conferência de Emílio Costa sobre o tema «Acção directa e acção legal».
Em 1908, animando a crítica e a experiência sindicalista transposta para as associações de classe de tipo profissional, começa a publicar-se o diário sindicalista «A Greve», redigido, composto, impresso e vendido por um grupo de militantes entre os quais estava Alexandre Vieira como seu director, coadjuvado por Pinto Quartin, anarquista, e Fernandes Alves, socialista.
O jornal durou apenas seis meses e Vieira viria a confessar «se bem que o novo jornal defendesse com vivacidade os trabalhadores, manda a verdade que se diga que fez uma medíocre divulgação do Sindicalismo» ( in «Para a História do Sindicalismo em Portugal», A. Vieira, col. Seara Nova,pág.30)
Esta confissão é um dos traços do seu carácter. Vieira era um homem íntegro, duma extraordinária lealdade, sem dogmatismos, praticando uma amizade firma com todos; se discordava não se irritava e até seria capaz de contemporizar, o que o levou também muitas vezes a posições de certo modo ambíguas quer quando se definiu a influência anarco-sindicalista quer depois do aparecimento do Partido Comunista, e do dissimulado grupo dos «Partidários da ISV», encontrando-se muita vez no meio com o seu ramo de oliveira.

Em Novembro de 1910, ainda na euforia da implantação da República, algo parecido ao 25 de Abril, surge o novo semanário «O Sindicalista», também com a direcção e colaboração de Alexandre Vieira, para substituir «A Greve».
Marcando claramente uma posição e doutrinação sindicalista revolucionária, «O Sindicalista» veio desenvolver uma nova dinâmica sindical e despertar nas classes trabalhadoras um espírito novo de autonomia e da sua missão histórica, a marcar a sua presença e identidade própria na evolução da sociedade portuguesa e nos acontecimentos que agitam a I República e, depois, durante o período fascista.
Alexandre Viera teve uma notável intervenção e perseverante acção na evolução sindical a começar na Casa Sindical. Gérmen da futura central sindical.

A fundação da União Operária Nacional

Em Maio de 1914 o Congresso Operário Nacional, realizado em Tomar, toma decididamente a posição sindicalista e constitui a União Operária Nacional. Alexandre Vieira teve grande intervenção nos debates e resoluções que suplantaram a influência socialista, tendo no final sido eleito secretário-geral da Comissão Executiva. Nos acidentados anos que se seguem, que a guerra vem agravar, com as suas crises, tumultos e agravamento das condições de vida da população e o conturbado perído sidonista a UON demonstra uma capacidade de resposta da posição sindicalista.
Esta será a grande afirmação da geração de A. Vieira, em que se evidenciou sempre com a sua presença e capacidade de acção e de reflexão.

Esta força que nascia e se afirmava carecia, portanto, duma voz equivalente à sua presença. Exactamente quando na serra do Monsanto sucumbia a aventura duma pretendida restauração monárquica, breves dias após, começa a publicar-se em Lisboa o diário operário e sindicalista «A Batalha», dirigido por Alexandre Vieira.

O que o jornal «A Batalha» representava pela acção dos que o lançaram é que tendo sido uma iniciativa arrojada, mesmo temerária, apenas igualada pelo sindicalismo espanhol, não soçobrou e desempenhou a sua importante missão, ser a voz dos trabalhadores que só o terror amordaçou para não voltar hoje a ser repetida como iniciativa do movimento sindical.
A projecção que o jornal teve, e que ainda se repercute, foi em muito, obra de Vieira. A sua acção como jornalista operário, já experimentado como autodidacta, afirma-se e notabiliza-se na orientação do jornal como na formação do seu quadro redactorial, exclusivamente composto de operários militantes, alguns ainda jovens, tendo assumido uma nova categoria na Imprensa como jornal de combate, ideológico, crítico, cultural e informativo do quotidiano, sendo por isso, e pela sua tiragem, um dos principais do país.
Quase sempre os governantes respondem aos grandes problemas ou conflitos com a prisão dos militantes sindicais. Várias vezes Vieira, como tantos outros, estanciou no Limoeiro, no governo civil e até no forte de Elvas. Quando da célebre bomba do Carmo, em 1911, A. Vieira e os companheiros da redacção de «O Sindicalista» foram presos, o jornal publicou-se indicando como local e sede da redacção e da administração, a cadeia do Limoeiro.
Alexandre Vieira como todos os militantes sindicalistas da época foram impressionados pela revolução de 1917 e manifestaram-se de maneiras diferentes. Vieira acolheu-a e guardou sempre aquela simpatia inicial, mas não alterou a sua posição sindicalista nem se dispôs a críticas ou louvores.
Os polémicos debates desencadeados pelos maximalistas, a formação da Federação Maximalista e do seu órgão «A Bandeira Vermelha», primeiro as reflexões, depois, a crítica aos anarquistas, decorreram sem que Vieira tomasse posição. Mesmo depois do Partido Comunista aparecer, e se ampliarem os debates polémicos, A. Vieira mostra-se inalterável, acolhendo todos com a mesma amizade, a mesma bonomia, porfiando na convicção dum sindicalismo autónomo e apto à gestão sindical da produção e na formação duma sociedade socialista, um sindicalismo da carta de Amiens, reafirmado ainda em 1925 numa pequena polémica em «A Batalha».
Paternal, contemporizador, sem pretender elaborar quaisquer sínteses, solução de compromisso ou miscelânea, deixou-se ficar um tanto à parte, e todos contemplava com o seu sorriso aberto, a sua palmada no ombro do amigo conservando amizades com os outros.
De formação libertária, tendo convivido e colaborado com muitos anarquistas, nunca se afirmou como tal, conservando o essencial de não aceitar a ideia de Partido nem do Estado como construtor do socialismo. Nessa posição rigidamente sindical tropeçou algumas vezes em várias ambiguidades que uma leitura unilateral do sindicalismo pode conduzir.
Por influência dos seus amigos do grupo dos Partidários da ISV em 1928, Vieira foi convidado a participar em Moscovo num Congresso da Internacional Sindical Vermelha, como «delegado fraternal», isto é, convidado, e aceitou.
No relato da sua missão publicado num livro cujo título é bastante inexpressivo -«Delegacia a um congresso sindical» - relata-nos com agrado os convívios de camaradagem e asa solenidades a que assistiu ou algumas impressões da vida quotidiana. Não entrou no debate dos principais problemas do movimento internacional quando o estalinismo já dominava.
Não obstante, um certo tipo de neutralismo, Vieira sintetizava toda a grandeza dum movimento e uma corrente de pensamento e de acção, que no dédalo das contradições da época, continuava a afirmar, pela sua autonomia e pelo conteúdo de ideias, a sua missão histórica que entre nós alterou positivamente a condição operária.
Quando se preparava o Congresso Confederal da Covilhã e constava da sua ordem de trabalhos a adesão da CGT à Internacional anarco-sindiacalista, a Associação Internacional dos Trabalhadores, a que o pequeno núcleo dos partidários da ISV se opunha, Alexandre Vieira adopta uma posição neutralista e leva o Sindicato dos Compositores Tipográficos a propor ao Congresso a neutralidade internacional da CGT.
Vieira criou grandes amizades para além dos quadros sindicais e conviveu com grandes figuras da intelectualidade que o apreciavam pelas suas notáveis qualidades de inteligência e de acção, colaborando em muitas publicações.
Depois de ter sido chefe da tipografia da «Seara Nova». E quando Jaime Cortesão e Raul Proença assumiram a direcção da Biblioteca Nacional, Vieira – sempre operário gráfico de que se orgulhava – foi com eles para chefiar a tipografia. Quando a tempestade reaccionários os afastou, Vieira, na defesa das regalias do pessoal gráfico, teve polémicas com o director, o dr. Fidelino de Figueiredo, e como este o ofendesse, pela primeira vez na sua vida, agrediu-o. Quando foi julgado em tribunal rodearam-no numerosos amigos de variados quadrantes.
A sua acção estendeu-se para além do movimento sindical. Teve grande actividade na Universidade Popular Portuguesa, conjuntamente com Bento Caraça, Dias Amado, Avelino Cunhal, José Carlos de Sousa, e Augusto Carlos Rodrigues. Foi também um dos organizadores da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, dando-lhes boa parte da sua colaboração.
Infatigável militante, persistente jornalista, homem de pensamento e de acção duma geração que revolveu Portugal, Alexandre Vieira morreu com 93 anos, sempre com a mesma grandeza de espírito e duma bondade singela, em Março de 1974, não chegando, por escassos dias, a ver a queda de um regime a que ele permanentemente se opôs.

(Texto de autoria de Emídio Santana, publicado em «O Jornal» de 12/9/1980)


Bibliografia de Alexandre Vieira:
= Em volta da minha profissão subsídios para a história do movimento operário no Portugal continental – edição de autor, 1950
=Como se corrigem provas tipográficas – noções úteis para quem manda executar impressão às tipografias. De colaboração com Gonçalves Piçarra – Edição da Albagráfica, Lda, Lisboa 1951
=Figuras gradas do Movimento Social Português – Edição do autor, Lisboa 1959
=Delegacia a um Congresso Sindical – Lisboa, 1960
= Para a História do Sindicalismo em Portugal – edição da Seara Nova, 1970