31.1.08

Bilhete ao dr. A. Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados

Deixe que lhe endosse felicitações, doutor A.Marinho Pinto.

É minha convicção que, se V.Exa. continuar a falar alto e claro, vão triturá-lo, estragar-lhe a vida, insinuar que é um agitador senão mesmo um louco.

O sr. presidente do Sindicato dos magistrados já deu um sinal inquietante: V.Exa. não devia dizer o que disse, visto que de acordo com aquele notável cidadão e sindicalista, o doutor Marinho Pinto é um membro do Estado. Dadas as funções que desempenha, não devia dizer e cito de memória “o que se costuma dizer nos cafés”.

E eu direi: benditos cafés, onde pelos vistos se fura o bloqueio de negrume que começa a cobrir-nos.

E mais: pelo que se entende, é nos cafés que se dizem as coisas - que partem da convicção geral - que em certos lugares expressos e estatais não se dizem mas deviam dizer-se. E mesmo descriptar-se.

Pelo que, sr. doutor, não lhe almejo grande futuro - a não ser que como sempre sucede passem por alto as suas afirmações como se fossem fumo e, num passe de mágica ou numa finta, escondam esse “esqueleto”,que o senhor acaba de destapar, no mais profundo armário.

Seja como for e mesmo que no futuro próximo o cubram de véus ou de opróbrio, V.Exa já prestou um enorme serviço ao Povo Português: abrir como que uma fresta por onde se soltou um livre e luminoso grito de indignação.

Que as pessoas do Povo, A NÃO SER NOS CAFÉS, por medo ou desesperança, já não se atrevem a soltar!

Bem haja, sr. Bastonário da Ordem dos Advogados!

Nicolau Saião

Nota – O dr. António Marinho Pinto, actual Bastonário da Ordem dos Advogados (cargo a que na recente eleição acedeu por maioria absoluta) deu uma entrevista à rádio na qual chamava vivamente a atenção para as “ligações perigosas” entre políticos dos governos e empórios argentários e comerciais.

(Texto enviado como comentário, mas não publicado, como ultimamente costuma ser cada vez mais frequente em relação aos comentadores em geral, no Portugal Diário).

O texto supra foi encontrado em:
http://triplov.com/blog/?p=510

A engorda do capital com a ajudinha do xuxialista Pinto de Sousa (vulgo, Sócrates)

Milhões para o capital

Entre 2004 e 2006, os lucros da banca cresceram 135 por cento.

Em 2006, os lucros das 500 maiores empresas não financeiras aumentaram 67 por cento. Nesse ano, os lucros dos cinco maiores grupos bancários, somados aos da PT, e Sonae, ultrapassaram 5 mil milhões de euros. E em 2007 continuaram a subir (mais 22 por cento, só no primeiro semestre). Os bancos e seguradoras alcançaram os lucros mais elevados de sempre (2 721 e 704 milhões de euros, respectivamente).

Só no primeiro semestre de 2007, os lucros das grandes companhias petrolíferas aumentaram 71 por cento, relativamente ao mesmo semestre de 2006, enquanto os lucros dos bancos cresceram 25 por cento.

No final de 2007, a lista das cem pessoas mais ricas do País juntou fortunas no valor de 34 mil milhões de euros (mais 36 por cento do que 2006), o que representa quase um quarto da riqueza produzida em Portugal e equivale a um salário mensal de 500 euros, pago a um milhão de trabalhadores, durante 5 anos.

São generosamente recompensados vários «gestores de topo» (que, por regra, fazem carreira associados a grupos económicos e aos partidos do «centrão»).
Paulo Teixeira Pinto, ex-presidente do BCP, saiu com uma indemnização de 10 milhões de euros e uma pensão anual de 500 mil euros (mais de 35 mil euros por mês).
Excluindo as remunerações variáveis (que representam outro tanto!), Henrique Granadeiro e administradores da PT recebem quase 87 mil euros por mês; a Brisa paga 137 mil euros; o BCP, 211 mil euros; a Sonae, 65 mil; o BPI, 62 mil; o BES e a Semapa, 50 mil.


Dar a quem mais tem, essa foi a opção no Orçamento de Estado

No Orçamento de Estado para 2008, quase duplicaram os benefícios fiscais destinados ao off-shore da Madeira, que passaram de mil milhões de euros, em 2007, para 1 780 milhões. Esta verba representa 44 por cento do défice das contas públicas previsto para este ano.

Ficaram apartados 1 200 milhões de euros, para estudos e pareceres, muitos dos quais vão alimentar a clientela que gravita ao redor da oligarquia que tem o comando do País.
O mesmo Governo e o mesmo PS que decidiram estas benesses, impuseram aos reformados um novo agravamento dos impostos, colocaram os salários da Administração Pública a perder poder de compra pelo sétimo ano consecutivo


Subida dos preços acima da inflação

No início do ano ocorreu um novo aumento generalizado de preços, em regra superiores à inflação prevista pelo Governo e que é esgrimida para travar a justa actualização de salários.

Os portugueses têm que pagar mais 3,9 por cento nos transportes; até mais 30 por cento no pão; mais 5 a 10 por cento, nos restantes produtos alimentares (e ainda mais no leite e derivados); mais 2,9 por cento na electricidade; mais 4,3 a 5,2 por cento no gás; mais 2,6 por cento nas portagens.

Na saúde, em 2007, as despesas subiram em média 7,5 por cento, o triplo da inflação registada; só os custos dos serviços hospitalares cresceram 53,8 por cento; e o Governo tenciona aumentar as taxas moderadoras em 4 por cento.

O aumento das taxas de juro sobrecarrega os orçamentos de um milhão e seiscentas mil famílias com empréstimos para habitação, cujas taxas de juro subiram quase 25 por cento em 2007. No ano anterior, já tinham disparado 46 por cento. Esta subida das taxas, no ano passado, traduziu-se, em média, num aumento de cerca de 13 por cento nas prestações mensais, segundo uma estimativa do Diário de Notícias (2 de Janeiro).
Acresce a subida do preço dos combustíveis...


O desemprego não pára de subir, ainda por cima com menos apoio social

Os níveis de desemprego são os mais elevados desde Abril de 1974, afectando 451 mil trabalhadores (média dos três primeiros trimestres de 2007), com uma taxa de 8 por cento, em sentido restrito (em sentido lato, incluindo as categorias estatísticas dos «inactivos disponíveis» e do «subemprego visível», são 595 mil desempregados e 10,5 por cento).

A taxa anual de desemprego está em crescimento desde 2001, e desde 2002 sobe o desemprego de longa duração (12 meses ou mais).

Entre o 1.º trimestre de 2004 e o 3.º trimestre de 2007, o número de desempregados aumentou 29 por cento (de 347 200 para 444 400), mas passaram a receber subsídio de desemprego menos 9 por cento (de 290 200 para 264 200). A percentagem de desempregados com direito a subsídio desceu de 89,6 por cento para apenas 59,5 por cento.

Portugal é campeão da desigualdade na divisão de rendimentos

A parte dos salários no rendimento nacional, que atingiu 59 por cento em 1975, era de 40 por cento em 2004.

Em 2005, Portugal apresenta o maior nível de desigualdade de rendimentos entre os estados membros da UE27.
Na relação entre as partes recebidas pelos 20 por cento com maiores rendimentos e os 20 por cento com menores rendimentos, Portugal (e Lituânia) apresentavam um rácio de 6,9 (a média da UE25 era 4,9 e o rácio mais baixo pertencia à Finlândia, com 3,5). Em 2006, este indicador baixou... para 6,8.

Pobreza aumenta nos trabalhadores

Quase dois milhões de pessoas estão em risco de pobreza, com o INE a revelar, no dia 15, que esta situação abrangeu, no inquérito de 2006, 18 por cento da população residente (com rendimentos até 366 euros por mês, por adulto equivalente).

Em 2004, 12,2 por cento dos assalariados trabalhando a tempo completo recebiam menos de dois terços do ganho mediano (Quadros de Pessoal), uma indicação da incidência da pobreza laboral.

O estudo a «Pobreza em Portugal» revelou que 40 por cento dos pobres são trabalhadores por conta própria ou por conta de outrem. Em cada quatro assalariados a tempo inteiro, um aufere salário de base que não supera o salário mínimo nacional em mais de 15 por cento.

O salário mínimo afastou-se progressivamente do salário médio (de 68 por cento, em 1981, para menos de 50 por cento, em 2004).

Ainda mais grave se apresenta a situação das mulheres, cujo salário médio, em 2005, era de cerca de 77 por cento do dos homens. O indicador de baixos salários (até dois terços do ganho salarial mediano) teve no final do período analisado pela Comissão do Livro Branco (1995-2005), quando equivalia a 432 euros, o ponto mais elevado dos últimos sete anos (12,8 por cento do total de trabalhadores e trabalhadoras a tempo completo e com remuneração completa); mas era de 18,6 por cento, para as mulheres, e de 8,6 por cento, para os homens.

Migalhas e indignidade

As pensões (de reforma e outras) tiveram, este ano, aumentos diários médios que se situam entre 21 cêntimos e 32 cêntimos, no regime contributivo, e que foram de 16 cêntimos, no caso da pensão social, e 19 cêntimos, nos agrícolas. Graves perdas sofrem ainda com a aplicação da nova fórmula de cálculo e do «factor de sustentabilidade», que o Governo PS introduziu.

Em 2004, a pensão média de velhice das mulheres correspondia a 61 por cento da dos homens; no caso da pensão por invalidez, representava 75 por cento.


Fonte: aqui

Dia Nacional de luta dos estudantes do ensino secundário

No Dia Nacional de Luta dos Estudantes do Ensino Secundário, esta quinta-feira, 31 de Janeiro, realizaram-se várias manifestações, uma das quais em frente à Escola Secundária de Esmoriz, em Ovar. Os estudantes votaram um moção «exigindo um investimento sério da educação, contra o estatuto do aluno não-superior, contra os exames nacionais e por uma avaliação contínua e justa, pela implementação da educação sexual na escolas».
Para além de Ovar, outras manifestações decorreram em Espinho, Estarreja,
Fonte: aqui



Eram pouco mais de uma centena, mas fizeram-se ouvir. Concentrados em frente à Câmara Municipal do Porto, lugar habitualmente escolhido para estas «lutas», os alunos do ensino secundário protestaram contra a actual política da educação. Exigem o fim dos exames nacionais, das aulas de substituição, da privatização das escolas, do estatuto do aluno, a melhoria das condições das escolas e a disciplina de educação sexual. Seguiram depois até às instalações da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), onde voltaram a manifestar-se.

Em Lisboa, estiveram empenhadas no protesto as Secundárias Camões, Padre António Veiria, António Arroio e Gil Vicente, entre outras, e os estudantes concentraram-se no Marquês de Pombal.

Hoje, 31 de Janeiro, era o Dia Nacional de Luta do Ensino Secundário, onde se exigiu «uma educação pública, gratuita e de qualidade» e se defendeu «uma escola democrática».


Os ridículos personagens queirosianos da (pseudo)Justiça e do Direito

Eça de Queirós e a Justiça
(texto de J. A. Gonçalves Guimarães publicado no jornal Primeiro de Janeiro, 28/1/2008)


Bacharel em Direito, filho de magistrado, neto de magistrado, Eça de Queirós depressa aborreceu as leis e a prática de advogado. Sobre a justiça e os tribunais em abstrato quase nunca escreveu e se o fez foi de soslaio. Conhecia o sistema e sabia que cair-lhe nas garras era penoso, caro e de imprevisível desfecho; por mais razão que o cidadão tivesse, sabia que não era certo que vencesse e, ainda que o conseguisse, provavelmente ficaria arruinado.


Para Eça de Queirós «... a magistratura é um poder eminentemente conservador que entende perfeitamente tudo quanto não seja acrescentar a mínima inovação às coisas que ela estivera na véspera à noite a inventariar...» (As Farpas, coordenação de Maria Filomena Mónica, vol. I, 171/172).

Não se pode dizer que sobre os juizes tivesse a mesma opinião que tinha o Marquês de Sade, mas andava por lá perto.
Não criticando directamente o poder judicial (Eça não era homem de fortuna nem tinha alma de aventureiro!), é na descrição de alguns dos seus titulares que o escritor melhor nos apresenta a sua ideia sobre este órgão de soberania que, por mais tinta preta que lance na água, como faz o polvo quando quer fugir, só o é quando exerce a soberania em nome do Povo e não dos códigos em que este já não se revê, exactamente porque a vida é concreta e dinâmica e não um qualquer fóssil que possa ser catalogado pelas ciências jurídicas.


Na extensa galeria de tipos queirosianos da Justiça e do Direito encontramos

o desembargador Amado (O Conde d’Abranhos) que «tivera uma carreira singularmente fácil» e era «um ventre... e assinava... onde os colegas lhe indicavam com o dedo»;

o Dr. Margaride (A Relíquia) «aposentara-se, farto dos autos...» e gostaria de dar «... uma cacheirada mortal no ateísmo e na anarquia», como fez na sua última homilia de Natal o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa (estas coisas repetem-se que Diabo, perdão, que diabo!).


Quanto aos professores de Direito, então exclusivos da excelsa Coimbra e hoje disseminados pelas suas sucursais públicas e privadas, já então «a sua veneranda ciência, os seus achaques, os seus serviços de decano[s], inspiravam a todos os que admiram estes vetustos sábios, encanecidos nos comentários de vetustos compêndios, uma admiração simpática», diz Eça referindo-se ao lente Dr. Pascoal em O Conde de Abranhos.

Ora acontece que hoje há uma leva de juizes novos que era suposto renovarem a Justiça, mas que nem têm ainda ciência para tal, nem nos inspiram admiração nem, muito menos, simpatia.

Quanto aos advogados, o Dr. Vaz Correia (O Conde de Abranhos) era conhecido em Lisboa por ter «... saliente a barriguinha própera»; e no que diz respeito aos formados em Direito que dão pelo nome de juristas, tomemos como exemplo queirosiano o Pacheco de A Correspondência de Fradique Mendes, «dono de um imenso talento» que nunca serviu para nada.

Mesmo os estudantes de Direito, não são normalmente retratados pelo escritor pelo seus interesses intelectuais: Teodósio Margarido (A Capital), em vez de compêndios e tratados, fazia-se normalmente acompanhar de «uma moca enorme».

Podíamos continuar pelo resto do quadro do pessoal do Órgão de Soberania e ver como Eça retratou os escrivães e os outros funcionários judiciais, mas não vale a pena, até porque estes pouco riscam na tocata do órgão, a não ser na desafinação que calha ao cidadão que tem de lhes aturar a música.

Por isso leiam o que diz Eça de Queirós naquilo que ele realmente escreveu, e não no que outros acham que ele devia ter escrito, pois até já li um livreco de um professor de Direito de Coimbra a querer pôr o escritor muito contente, venerador e obrigado com o curso que ali frequentou. Volta António Ferro, que estás perdoado!


Obviamente que nem toda a Justiça do passado e do presente cabe na caricatura queirosiana; há ainda, e sempre houve, quem levasse a dita a sério e fizesse por exercê-la em nome do Povo, tirando a venda à senhora que joga à cabra-cega com os cidadãos que habitualmente a encontram na fachada, no átrio ou mesmo nas salas de audiência dos tribunais.

Queremos que ela nos veja bem e saiba ao que vamos. É que «... fora da observação dos factos e da experiência dos fenómenos, o espírito não pode obter nenhuma soma de verdade», como escreveu o jovem Eça de Queirós no Districto de Évora, já lá vão tantos anos. Mas ainda há quem tal não tenha percebido, provavelmente porque a clareza de pensamento não vem nos códigos.

J. A. Gonçalves Guimarães

O anarquismo de Tolstoi está entre as fontes do pensamento de Gandhi, para quem «tudo o que vive é o teu próximo»

Texto de Roberto das Neves retirado de:
http://betodasneves.multiply.com/journal/item/3
(website dedicado ao anarquista português Roberto das Neves)


Mahatma Gandhi: o filósofo da não-violência, para quem "tudo o que vive é o teu próximo"

(de Roberto das Neves. Publicado em “Entre Colunas: Ensaios sociológicos e filosóficos”. Editora Germinal, Rio de Janeiro, 1980)



Mohandas Karamchand Gandhi, o "Mahatma", nasceu a 2 de outubro de 1869, em Porbandar, pequena cidade da península de Kativar, na costa do imenso território da Índia. A ele, mais que a outrem, se deve a extraordinária epopeia que foi a emancipação daquele país, então com cerca de 250 milhões de habitantes, e actualmente com 550 milhões.

Para melhor se compreender esta pequena biografia, é conveniente recordar que a protecção à vaca é a característica do hinduísmo, na qual Ghandhi descortina uma das mais altas afirmações da evolução humana. O culto do animal sagrado dos hindus remonta, pelo menos, a três milénios. Vacas e macacos perambulam em liberdade pelas ruas e becos das cidades, onde os homens que lhes passam ao lado os acariciam, agradecendo-lhes a ajuda que, segundo os livros sagrados, os deuses receberam do mundo animal, de "todo o mundo inferior, com o qual o homem selou um pacto de aliança e confraternização". Na expressão do próprio Mahatma, este pacto "transporta o ser humano para além dos limites da sua espécie e afirma a identidade do homem com tudo o que vive". Espancar uma vaca ou um macaco seria terrível sacrilégio. Calcula-se que em Benares, cidade onde foi erigido um templo a esses animais, dezenas de milhares de vacas e macacos cruzam-se diariamente com os 40.000 brâmanes que ali habitam.

Gandhi, que vê "nos meigos olhos da vaca um poema de ternura", atribui a escolha desse animal precisamente ao facto de ser ela "a melhor companheira do homem e fonte de abundância". Para Romain Rolland (in "Mahaíma Gandhi"), o grande revolucionário hindu, cujo pensamento ninguém teria compreendido melhor que o santo de Assis, tem absoluta razão quando afirma que a protecção à vaca "é o presente da religião hinduísta ao mundo", pois ao preceito do Evangelho "ama teu próximo como a ti mesmo!" acrescenta este outro: "Tudo o que vive é o teu próximo!".

O PENSAMENTO DE GANDHI E SUAS FONTES

Mohandas distingue-se sempre, desde criança, por seu apaixonado amor à Verdade. Recorda, a propósito, um de seus biógrafos, que, um dia, na escola primária, estando um inspector britânico a interrogar os alunos sobre a ortografia de uma palavra inglesa, o professor a soprava para os ajudar. Mohandas, a quem tal ajuda repugnou, foi o único, por este motivo, a errar. Outros traços de carácter que os seus biógrafos coincidem em atribuir-lhe são: a marcha, como o seu mais agradável exercício físico; a jardinagem, como o seu predilecto passatempo; uma notável habilidade manual; a pertinácia, e a repugnância pela violência.

Não é difícil descobrir as raízes do pensamento e das inclinações de Gandhi nas tradições hindus. Uma das mais importantes destas é, sem dúvida, o jainismo, corrente fundada por Jinas, guerreiro de estirpe aristocrática, que se crê ter vívido entre 559 e 527 antes da nossa era e se tornou monge, asceta e pregador. À semelhança do budismo, o jainismo repele a autoridade dos Vedas, os sacrifícios e as castas. Os jainas, que se contam hoje por mais de 2 milhões, crêem na reencarnação das almas, mas rejeitam um Deus supremo. Os monges Jainas formulam cinco votos: não fazer mal a qualquer ser vivo, não mentir, não roubar, nada possuir e abster-se de relações sexuais.

Outra visível fonte do pensamento de Gandhi é o famoso poema Ramaiana, composto por Valmiki no século 5°. O autor, antigo bandido, chegou, mais tarde, à santidade, invocando o nome de Rama (protótipo da mais absoluta rectidão moral e sexta encarnação de Vixnu), cuja história, segundo se conta, uma voz baixada do Céu ordenara ao ex-bandido narrar. As derradeiras palavras pronunciadas por Gandhi, ao tombar ferido a tiro pelo seu assassino, foram as seguintes, da famosa oração hindu: "Senhor, perdoa os três pecados devidos às minhas limitações humanas; / Tu estás em toda a parte, mas eu Te adoro aqui; / Tu não tens forma, mas eu Te adoro nestas formas; / Tu não tens necessidade de louvor, mas eu Te ofereço / estas orações e esta minha saudação. / Senhor, perdoa os três pecados devidos às minhas limitações humanas!"

O VEGETARISMO COMO NORMA DAS RELIGIÕES ORIENTAIS E PRÁTICA DA MAIORIA DOS HABITANTES DO NOSSO PLANETA

O vegetarismo, ou seja a ausência da carne (por carne entende-se também peixe, aves e ovos) na dieta habitual da maioria dos habitantes da Terra, é antiquíssima norma devida, recomendada pelas mais seguidas das religiões e correntes filosóficas. Buda, Lao-Tsé, Pitágoras, Platão, Diógenes, Sócrates, Epícteto, Epicuro, Ovídio, Plutarco, Tertuliano, São João Crisóstomo, São Clemente de Alexandria, Leonardo Da Vinci, São Francisco de Assis, Cervantes, Spinoza, Descartes, Danvin, Voltaire, Rousseau, Tolstoi, Elisée Réclus, Ruskin, Lázaro Luís Zamenhof, Thoreau, Albert Shweitzer, Albert Einstein, Jean Rostand. G. Bernard Shaw, Han Ryner, E, Armand, Maria Lacerda de Moura, Anie Besant, Leadbeater, Krishnamúrti, José Oiticica, Alex Carrel, etc., etc., tantos dos mais notáveis homens de todos os tempos, foram ou são vegetarianos. Entre os cristãos, contam-se, além de outros, os Adventistas do Sétimo Dia, que desenvolvem em todo mundo fecunda actividade a favor do vegetarismo, e as ordens monásticas católicas Trapistas, Cartuxos e Cameldulenses.

CABRA BALANDO NO ESTÓMAGO DE GANDHI

Em sua "Autobiografia", recorda Gandhi que, antes da sua partida para Londres, onde se formaria em Direito e seria secretário da Sociedade Vegetariana, fez voto a sua mãe de manter-se fiel às tradições hindus, jamais ingerindo carne, da terra, do ar ou da água. Antes, porém, numa crise mental por que passara, decidiu, por influência de um companheiro de adolescência, comer carne. Demos a palavra ao próprio Mohandas: "Para tal fim, marcamos o dia da experiência. É difícil explicar nitidamente como eu me sentia. Assaltava-me, por um lado, o sentimento de entusiasmo por essa "reforma" e novidade do meu modus vivendi, reviravolta na minha vida; por outro, a vergonha de esconder-me, como um ladrão, para praticar um gesto de tamanho significado. Não sei dizer qual dessas duas sensaçõss prevalecia em mim. Saímos à procura de um lugar solitário, à beira de um rio, e aí vi carne pela primeira vez em minha vida. Era de cabra. Não me agradou. Era dura como couro. Não consegui sequer mastigá-la. Comecei a me sentir mal e parei de comê-la. Passei uma noite horrível. Horroroso pesadelo se apoderou de mim. Todas as vezes que eu procurava adormecer, parecia que uma cabra viva se agitava, balando, dentro de mim, e eu sentia vontade de levantar-me e fugir, roído de remorsos".

A ESPOSA ENSINA-LHE A NÃO-VIOLÊNCIA

De conformidade com os costumes da índia multi-secular, Mohandas ficou noivo, aos 13 anos, de Casturbai, da mesma idade. "Foi (conta ele em sua "Autobiografia") ela quem me ensinou a não-violência, quando tentei dobrá-la à minha vontade. A sua resistência obstinada, de um lado, e, do outro, a tranqüila submissão no sofrimento que padecia por causa da minha estupidez, agiu de tal modo em mim, que comecei a envergonhar-me e deixei de acreditar que tinha o direito de dominá-la. Destarte, ela se tornou o meu mestre de não-violência".

A CUMPLICIDADE DO CRISTIANISMO COM A VIOLÊNCIA

Apesar da sua simpatia pelo Sermão da Montanha, que comparou a uma poesia gujarati, Ghandi só conseguiu ler, de ponta a ponta, um livro da Bíblia, o Gênesis, pois todos os demais lhe provocaram sono. A propósito, escreve o Padrs Balducci, na apresentação do livro "Gandhi, la Forza delia Non Víolenza" de A. Sessa: "Se, não obstante sua ilimitada veneração por Cristo, jamais levou a sério a ideia de se tornar cristão, foi provavelmente porque nunca logrou descobrir que relação pudesse haver entre Cristo e o cristianismo das várias igrejas que, durante muitos séculos, foram cúmplices da lógica da violência". "Na Europa (acrescentou) milhões crêem no cristianismo, mas estão comprometidos contra os próprios ensinos de Jesus, numa orgia fratricida, que se traduz em crimes e derrame de sangue, o que significa negar o cristianismo".

É DO ANARQUISMO CRISTÃO DE TOLSTOI A MAIS FORTE INFLUÊNCIA RECEBIDA POR GÂNDI NO TERRENO DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO

Como assinala Giorgio Borsa, em sua obra sobre "Gandhi e o Ressurgimento Indiano", é do pensamento sociológico do filósofo, genial romancista e anarquista cristão russo Leon Tolstoi, a maior influência recebida pelo revolucionário hindu. Gandhi continua as suas leituras, sempre à procura de uma verdade religiosa. Lê o Corão e, de Max Miiller, "Índia: What can it teach us?" (Índia: que coisa pode ensinar-nos?). Relê os Upanishad e O Reino de Deus está Dentro de Nós, de Tolstoi. È a leitura deste último livro que lhe revela, de maneira clara e definitiva, o significado positivo e activo da não-violência, que o Bhagavad-Gíta e o Sermão da Montanha lhe tinham já deixado entrever.

A Satyagraha ("força da alma", literalmente) e o Ahimsa ("não violência") são como que "os pulmões espirituais" de Gandhi. A desobediência civil, um aspecto do Satyagraha, é uma violação civil, uma violação não-violenta das leis imorais do Estado. Outro aspecto do Satyagraha é a não-cooperação, a recusa de colaboração com o Estado, quando, na opinião do colaborador, ele se torna corrupto. A não-colaboração é acessível, segundo Gândi, até mesm aos de mentalidade mais infantil, e pode ser praticada pelas massas. Ela liberta o mundo das cadeias da violência, do alternar sem fim da ofensa e da vingança. A Justiça, na opinião de Lanza del Vasto, não é suficiente. "É necessária aquela Justiça não-abundante, que se chama não-Violência ou Bondade e que desabrocha no Amor".

O primeiro a aplicar a rejeição da violência como método de acção pública (resistência passiva, desobediência civil, boicote) foi Gandhi, nos anos de renascimento indiano. O mesmo método foi, mais tarde, aplicado, com igual êxito, nos Estados Unidos, por Martin Luther King (condecorado, em 1964, com o prémio Nobel da Paz), no movimento cm defesa dos direitos civis dos negros daquele país, e, na Itália, pelos anarquistas Aldo Capitani e. Danilo Dolci, na recusa do serviço militar.

O JEJUM, COMO INSTRUMENTO DE CURA FISIOLÓGICA E DE REPARAÇÃO MORAL

Gandhi utilizou o jejum como instrumento principal de prevenção e cura das doenças e como reparação moral. "Eu compreendia (explica em sua autobiografia) que o tutor ou professor é responsável pelas faltas dos seus discípulos. Percebia, ainda, que os culpados não podiam dar-se conta de todo o meu desgosto e do que significava o erro, se não me vissem fazer penitência por eles. Impus-me, por isso, um jejum de sete dias e jurei não mais fazer senão uma refeição diária durante quatro meses e meio. Outro incidente relacionado com esse obrigou-me a outro jejum de quatorze dias. Os resultados morais obtidos superaram todas as minhas perspectivas".

OS "ASHRANS" "PHOENIX" E "TOLSTOI"

Para melhor realização dos seus ideais pedagógicos e sociológicos, idealizou Gandhi os ashrans (colónias) "Phoenix" e, mais tarde, "Tolstoi". Na primeira teve como principais colaboradores o tipógrafo inglês Albert West, Henry Polak (jovem advogado israelita, que o aconselhou a ler o Unto this Last, a famosa obra do anarquista inglês Ruskin); o arquitecto alemão Hermann Kallenbaeh e o sul-africano católico e terciário franciscano Vicent Lawrence, que na velhice foi recebido e condecorado pelo papa João 23. Para a primeira, a "Phoenix", inspirou-se na experiência dos mosteiros trapistas, um dos quais existente em Marian Hill, perto de Durban, na África do Sul, onde Gandhi então vivia. Sabendo que os Trapistas, como outra comunidade católica, a dos Cartuxos, não comem carne, fora visitá-la, descrevendo-a, numa reportagem para a revista "The Vegetarian", órgão da Sociedade Vegetariana de Londres, de que era secretário, como "uma pequena e pacífica vila modelo, verdadeira república situada numa esplêndida localidade nas colinas em frente ao mar. A maior parte dos monges eram alemães, mas ali se vivia a mais absoluta igualdade racial". Gandhi, que conhecia o catolicismo apenas através da literatura protestante da época, acrescentou: "Se isso é catolicismo, tudo o que contra ele se diz não passa de dolorosa mentira". O ashram ou colónia "Phoenix" tinha uma população de seis famílias, européias e indianas. Era uma mini-república dirigida segundo o pensamento de Gandhi, onde se vivia uma vida de grande intensidade espiritual, e centro propulsor de nova vida.

A "Fazenda Tolstoi" surgiu perto de Johannesburgo, onde Gandhi tinha necessidade de um ashram, de uma comunidade que fosse exemplo vivo da sociedade que ele preconizava, um ambiente estável para as famílias do Satyagraha, continuamente em viagem e nas prisões, Seu devotado amigo, o arquiteto alemão Hermann Kallembach, que possuía uma fazenda de mil e cem hectares, próximo de Lawley, nas imediações de Johanesburgo, cedeu-a, gratuitamente, aos satyagraios. Foi, sob o nome de Tolstoi Farm, cópia fiel da Phoenix.

70% DE TERRAS DA ENORME EXTENSÃO DA ÍNDIA DOADAS ÀS COOPERATIVAS

Seguindo métodos totalmente distintos dos de Marx, em cujas teorias não acreditava, logrou Gandhi, com a colaboracão do seu amigo, o conhecido anarquista Vinoba, levar os proprietários dos maiores latifúndios da índia a doarem cerca de 70 % das terras às cooperativas fundadas pelos dois, tornando coleticvas enormes extensões de terra, que por muitos séculos haviam sido propriedade particular e fonte de crimes sem conta.

Desta maneira, pôde o Mahatma, esse homem de olhos escuros, pequenos e cheios de bondade, de pés descalços e de vestes simples, de palavras singelas e bondosas, que poderão parecer estranhas a muitos de nós, mas das quais Jesus e Francisco de Assis poderiam assumir a paternidade, derrubar o maior Império do mundo, e levar a cabo uma das maiores e mais pacíficas revoluções da História.
Bibliografia: M. Gandhi, "An Autobiography"; Romain Rolland, "Mahatma Gandhi"; Geoffrey Aske, "A Study in Revolution"; M. Biardeau, "India"; B. R. Nanda, "Gandhi, the Mahatma"; Taya Zinkin, "Gandhi, the heroe of the no-violence"; Louis Fischer, "A Vida de Gândi"; J. D. Brown, "India"; Eleanor Morton, "Womenbeind Mahatma Gandhi"; Padre Balducci, '"Gandhi, Ia Forza delia Non Violenza"; Jean Roracin, "Le Siècle de l’Asie".