5.3.05

Um novo colectivo artístico de intervenção urbana

Surgiu na cidade do Porto um novo colectivo de intervenção urbana com o nome « Sindicato do Crime» e que tem como prioridade da sua acção o «questionamento das verdades ditas inquestionáveis».
A sua intervenção é feita habitualmente por intermédio do vídeo, da instalação, da literatura, da música e da perfomance. Por isso «filiados»no Sindicato encontram-se escritores, artistas, djs, videastas entre os quais Jo King, A. Nómino, Bóris Fortuna, Hanoi, e Não Tenho Nome.
O novo projecto do Sindicato do Crime é inaugurado amanhã no bar Labirinto, na cidade do Porto, e desenrolar-se-á ao longo do mês de Março. Tem como título «Junk-Buy me» e assume-se como um projecto multimédia «em que cabem todos os excessos cometidos pela propaganda, demasiado óbvia, na sua tentativa subliminar». Desde imagens em regime non-stop a incisivas palavras de ordem, o espaço remete o espectador para a violência do real, «mesmo quando encoberta pela pretensa benevolência dos seus princípios». Este projecto poderá incomodar as sensibilidades mais agudas assim como os detentores dos «sintomas agudos de fé».
Semanalmente – a 5, 12,18 e 25 de Março, às 23 horas e às 2 horas da madrugada – irá decorrer uma perfomance protagonizada por um indivíduo entregue às suas consumições interiores. O homem planeia a mais árdua das missões: descobrir o ser a quem entregar o significado da existência.
O colectivo, apesar de recente, já realizou o evento «Who’s the mthfckr?» em Novembro passado que incluiu perfomances de A da Silva O e Pedro Piaf e a exibição das curtas-metragens «O mural da ética» e «Die, cabrón» de Paulo Moreira e Sérgio Almeida.
(notícia retirada do Jornal de Notícias de 4de Março de 2005)

Para que conste

«Nós, ONGs do mundo inteiro, redes nacionais e internacionais e movimentos sociais (...) entendemos (...) que a salvação do Planeta e dos seus povos, de hoje e de amanhã, requer a elaboração de um novo projecto de civilização, fundado numa ética que determine e fundamente limites, prudência, respeito da diversidade, solidariedade, justiça e liberdade. Sublinhamos enfaticamente a impossibilidade de um desenvolvimento sustentável dissociado da luta, partilhada com os mais carenciados e excluídos, contra a pobreza e contra o processo de depauperização»

in Declaração do Rio de Janeiro
(Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e desenvolvimento realizada no Rio de janeiro em 1992)

Jack Kerouac e a revolta beatnick


“On the road” o livro mais conhecido de Kerouac representa a transição entre duas épocas: o período cinzento dos anos 50 e o sopro da ventania da década de 60.O livro fez escola na América: partir ao acaso, ao encontro das aventuras da estrada, fugir ao remanso sufocante da casa, da família, dos bens materiais, do conformismo, escapar à domesticação, mas também ao ghetto, à célula comunista, à prisão mental, e partir à procura da sabedoria e da verdade. Na origem do movimento beatnick encontrámos um pequeno grupo de jovens escritores que frequentavam a boémia de Greenwich Village novaiorquina em 1943. Dele faziam parte Kerouac, Allen Ginsberg, William Burroughs, Gregory Corso, Clellon Holmes, Carl Solomon, Lawrence Ferlinghetti, Barbara Guest, Denise Levertov, Frank O’Hara, John Ashbery, Keneth Patchen,...

A geração beat é uma expressão que engloba hipsters e beatnicks. De comum têm o jazz, a marijuana e a percepção da sociedade como uma prisão. Mas têm também diferenças. O hipster é o proletário avesso ao trabalho, lança-senos estupefacientes para melhor gozar a vida. É limpo, activo e faustiano. O beatnick vem da classe média, e não trabalha, atitude que desafia o conformismo dos pais. É desalinhado, contemplativo, místico e poético. O beatnick é mais sentimental que sexual, mais cerebral que corporal.
Uma caracterização como esta peca por falta de realismo. É que estas duas figuras - o hipster e o beatnick - misturam-se e confluem em doses diferentes em cada indivíduo em concreto. Houve hipsters que deram em beatnicks (os beatsters ), e beatnicks que evoluíram para hipsters (os hipnicks).


Kerouac distingue em “ The origins of the Beat Generation” dois estilos diferentes: « o “cool” é o tipo lacónico e barbudo, sentado à frente de uma cerveja, a falar em voz baixa, e rodeado de miúdas vestidas de preto que não abrem a boca; o “hot” é um tipo louco, inocente, de coração aberto e olhos brilhantes, conversador bebido, a saltar de bar em bar.» E continua: «Em 1948 os tipos “hot” andavam de carro de um lado para o outro, no estilo on the road, à procura de jazz frenético e estridente, executado por Willis Jackson ou Lucky Thompson, enquanto os tipos “cool” permaneciam imóveis num silêncio mortal face aos excelentes grupos de Lennie Tristano e Miles Davis» E conclui: « Claro está que a maioria dos artistas da geração beat eram tipos “hot”.

As primeiras manifestações literárias beat aparecem por volta de 1948-49 em S. Francisco pela mão de Kenneth Patchen, Kerouac, Ginsberg, Ferlinghetti e Gregory Corso. A poesia de gabinete dava lugar à poesia pulsional dos seus frenéticos e impulsivos fabricantes. Um outro grupo, de Nova Iorque, mais intelectualizado e moderado, aparece a dar réplica ao de S. Francisco. A ele pertencem Denise, O’Hara, Ashbery e Guest. De todos, Kerouac é o que ganhará mais destaque graças ao seu livro “On the Road”, e na poesia, Ginsberg é o poeta mais citado.

Jack Kerouac ficou também conhecido pela defesa da técnica de escrita designada por “ escrita automática”, algo parecido com a improvisação jazzística, ao utilizar espaços em branco a separa as frases em vez da tradicional pontuação, tal qual acontece no jazz entre dois compassos. Esse estilo ao retratar ritmos disjuntivos e sensações difusas, acaba por ser significativamente muito expressivo, e recorda a action painting de Pollock, e a energia orgástica de um Reich.

Há quem compare a geração beat americana, e o seu espírito inconformista, aos angry young man ingleses, e aos existencialistas franceses pós-45. A angústia e a revolta a todos agitou, promovendo uma sensibilidade específica e um estado de espírito singular.

Os autores beat alimentam-se de Rimbaud, Céline, Whitman, Ezra Pound, Hermann Melville, William Blake, e William Carlos Williams, todos considerados como poetas malditos. Recuperam o budismo zen, incorporam a sua lógica, a afirmação do não-sentido, da não-ordem, o fluxo e a imprevisibilidade das coisas na contra-cultura, que propõem, em alternativa ao império da mercadoria.
Outro dado incontonável deste movimento são as drogas. Estas são vistas como sinónimo de expansão da mente e do corpo, como desprogramadoras do quotidiano produtivista e do american way of life. Burroughs, por exemplo, explora muito este filão no seu livro “Naked Lunch”, e abre caminho às teorias de um Timothy Leary sobre os psicotropos e alucinógeneos.


A geração beat representou uma recusa ao caminho que a civilização americana: de um pequeno cenáculo de poetas e escritores boémios, a sensibilidade beat alastrou à sociedade no seu conjunto, deixa de ser uma experiência individual e converte-se numa linguagem colectiva, numa Contra-Cultura. Advém daí a enorme influência que os beat exerceram sobre a música e a arte dos anos 60, entre os grupos as tribos urbanas e o underground subsequente. Bastará apenas recordar a sua influência sobre músicos como Cage e Phil Glass, artistas como Warhol, e vocalistas como Janis Joplin e Bob Dylan. O estudo desta década não pode ser feito sem se mencionar o lastro deixado pela geração Beat, quiça a fonte de onde brotou muito do que se viu ( e ouviu) nos sixties.

A constelação Beat é multifacetada e os seus elementos tiveram destinos diferentes. Uns morreram alcoolizados (Kerouac), outros exilaram-se ( Burroughs e Bowles ), outros ainda mantêm-se no activo ( Ginsberg). E desencantem-se os que pensam a Beat como fenómeno do passado. Hoje, em plena vaga grunge, assiste-se a um renovado interesse pelo beat. Os seus livros, textos e poemas são de novo lidos e recitados nas caves novaiorquinas, e até os próprios estilistas se inspiram no look beatnik.

Nos últimos anos a América foi varrida por uma autêntica Kerouacmania, a propósito dos 25 anos da morte de Kerouac. Este foi içado a ídolo e vendido ao mundo como típico gadget norte-americano. Inclusivamente, o escritor já foi convertido no pai putativo do “street jazz”, uma mistura de saxe, contrabaixo e rap. E aproveitando todo este movimento, Ginsberg confessou, não há muito tempo, que os anos 90 lhe recordavam a década de 60, tal como os anos 80 se inspiraram nos anos 50.
Mas atrás das mercadoria e da caixa registadora, esconde-se a história eral e o homem concreto. E a verdade é que não têm faltado biografias e edições sobre Kerouac. Nelas se vê que foi um escritor prolixo, caseiro, a viver com a sua mãe. Fez longas viagens pela América, viveu durante algum tempo a boémia citadina, e até se inscreveu a dada altura como guarda florestal a fim de gozar de alguma êxtase contemplativa.


De origem canadiana, mais própriamente do Quebéc, Kerouac revê-se como um forasteiro, alguém com desejo de vaguear pela América profunda. Morreu a 21 de Outubro de 1969, alcoolizado, sózinho e convertido ao patriotismo balofo do americano médio ( na realidade, veio a apoiar a intervenção americana na guerra do Vietname ).

No livro “On the Road”, os dois personagens Dean Moriarty e Sal separam-se, com este a prenunciar o destino trágico de Dean. O escritor, personificação viva de Sal, nutria uma especial admiração por Dean, mas este era o oposto deste. Curiosamente , no entanto, soube identificar-se com ele na autodestruição e morte. Resta-nos agora o Kerouac, figura de proa da Contra-Cultura.


A Pulga, a minha querida livraria

Abriu recentemente na cidade do Porto a livraria vocacionada para literatura marginal “A Pulga, a Minha querida livraria», situada no Parque Itália, Rua Júlio Dinis, 752, 1º - loja 70.

Mais informações:
www.edicões-mortas.com