O curso tem como objectivo principal promover o gosto e o interesse por este tipo de teatro através de jogos que estimulem a imaginação e a criatividade. Estão, também, planeadas actividades que pretendem dar noções de postura corporal, percepção do outro, expressão dramática, projecção e controlo da voz.
O curso será realizado nos dias 10 a 13 de Novembro de 2008, entre as 20h30 e as 24h, na sala de ensaios do GEFAC (rés-do-chão do edifício da AAC).
Teatro Popular Mirandês
O teatro popular mirandês é uma manifestação etnográfica que se representa na região de Miranda do Douro e do outro lado da fronteira, em Espanha. As representações, chamadas usualmente "colóquios", têm a ver, muitas vezes, com a vivências das pessoas, com usos e costumes de cada localidade.
O espectáculo era montado em cima de um tablado, estrado de madeira elevado, para permitir boa visibilidade. O cenário de fundo era composto por colchas, representando as casas das personagens, servindo as primeiras de meio de entrada e saída em cena.
A representação deste tipo de teatro era, pelo menos pela altura da nossa recolha, extremamente simples e ingénua dependendo por completo da maior ou menor graça, jeito ou engenho dos seus intervenientes. O texto assume um papel preponderante dado que os actores em muitos casos quase que se limitavam a "recitar" ou debitar a sua parte, parados em cena, sendo a movimentação mínima (excepção feita ao elemento libertino representado pelo Crespim). Os espectáculos decorriam em ambiente vicinal com um público "familiar" na própria aldeia ou nas aldeias vizinhas. O ponto que sussurrava o texto aos ouvidos de algum actor que tivesse uma branca (esquecimento do texto), era perfeitamente assumido pelo "ensaiador" que dirigia a cena, junto à boca de cena, não se inibindo de corrigir em voz alta algum actor mais esquecido ou até mandar repetir alguma cena.
Os actores nunca voltaram as costas ao público, entrando em cena vindos detrás das colchas e saindo por onde entraram às arrecuas (movimentação esta que se estenderia a outras peças de teatro popular mirandês). Regista-se no entanto uma excepção a este tipo rígido de marcação, o Tonto, que pode tomar nomes como "Crespim" (o caso da peça que levamos à cena), "Setentrião", entre outros.
Esta personagem acompanha todo o decorrer da acção ora auxiliando em prol do seu desenlace, ora atrapalhando os personagens no alcance dos seus desígnios, ora limitando-se a comentar as cenas. A sua marcação é totalmente livre, podendo voltar as costas ao público, interagir com este e com os actores, sem definição prévia, evocando desta forma o Arlequim da Comédia D'el Arte, os Bobos Vicentinos ou os Momos de Corte.
Este personagem traz consigo a pelota que é um pau mais ou menos torneado e trabalhado, com cerca de 35 cm de comprimento e 2 cm de diâmetro, com uma bola de trapo presa por uma corda atada numa das extremidades do pau. A corda que une a bola de trapo ao pau tem cerca de 30 cm. A pelota tem similaridades formais com a maça de armas (arma medieval que terá sido resultado da evolução bélica do mangual agrícola).
O espectáculo é iniciado com uma "introdução" (a cargo da personagem " profecia") em que é revelado ao público todo o enredo e o seu desenlace.
Teatro Popular
Quando se fala de teatro popular, tradicional, convém sempre mencionar que se está a lidar com uma realidade relativamente fluída, com contornos difíceis de definir.
A sua dinâmica, cuja génese é difícil de situar cronologicamente, parece decorrer de uma confluência de vários géneros teatrais.
De uma forma muito sintética pode-se começar pela herança do teatro religioso, em voga na Idade Média, no espaço europeu. Durante esta época pequenas encenações (Mistérios, Moralidades, Milagres, entre outras) que incluíam cânticos e danças, dão forma a narrativas bíblicas, procissões e cultos hagiográficos. Estas manifestações, desenvolvidas inicialmente sob os auspícios da Igreja, funcionavam como um instrumento de reiteração da fé e um meio de moralização de costumes. Dado o cariz licencioso que começou a impregnar estas representações a Igreja proibiu, nos actos de culto, folias, bailes e semelhantes expressões populares que, de acordo com a sua deliberação, profanariam os templos. Assim o teatro é projectado para fora do espaço e tempo sagrados, passando a ser representado nos adros e pórticos das Igrejas e outros espaços, e adquirindo uma maior independência do calendário litúrgico. Juntamente com a decrescente utilização do latim, a prática teatral adquire novos contornos estéticos que a aproxima de uma arte mais democrática.
Simultaneamente o terreno dramático medieval é povoado por outros géneros. A comédia faz também a sua aparição pela mão da tradição histriónica, com bobos e truões, onde pontuam breves cenas de cariz jocoso. Por outro lado o teatro popular surge ainda como uma espécie de composição poética híbrida, decorrente da circulação dos velhos romances medievos ou das narrativas das gestas guerreiras.
Há também a apontar o contributo da caudalosa literatura de cordel setecentista que sofreu uma larga disseminação em Portugal, persistindo ainda alguns núcleos até finais do século XIX e ainda princípios de XX. Temas clássicos, temas religiosos, temas históricos, a par de uma insistente análise da vida quotidiana, são trazidos à estampa (acolhidos) nessa tumultuosa literatura de intenções dramáticas sob as mais variadas designações (comédia, tragédia, entremez, ópera, seriam as mais usuais).
Percorreu-se um espaço e um período de tempo muito alargados de uma forma muito breve, fica a salvaguarda de que se pretende apenas dar uma breve perspectiva do assunto.
Actualmente pode-se vislumbrar reminiscências de todo este caudal dramático no teatro popular mirandês e, em particular, com a peça "A vida alegre do brioso João soldado".
As várias questões presentes no cânone literário oficial tem continuidade nas manifestações culturais populares (ou vice-versa, se se quiser). Estas não são, no entanto, um mero reflexo. Zonas de contacto de formas artísticas onde representação, texto literário, canto, dança e mímica, confluem para dar forma a uma outra visão do mundo.
Os caminhos da cultura popular cruzam-se, assim, com outros, os de uma cultura erudita, cunhando, de maneiras diversas, temas universais.
As diversas manifestações da cultura popular constituem, por excelência, o momento em que um povo fala lealmente de si, o momento onde um povo se revela na sua maneira de ser própria.
Enraizado nesta consciência, o Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC) é fundado como Organismo Autónomo da Associação Académica de Coimbra em 1966, tendo desenvolvido desde aí um exaustivo trabalho de recolha, tratamento e divulgação das manifestações tradicionais.
O GEFAC utiliza as manifestações populares numa perspectiva criativa, principalmente nos ajustamentos aos aspectos cénicos, que permitem produzir um espectáculo globalizante, não tanto empenhado em demarcar regiões, mas sim em acentuar o sentir que provocou o aparecimento das manifestações.
Os espectáculos gerais realizados pelo grupo (como o último "A Água Dorme de Noite") são exemplo do tipo de espectáculos que se têm vindo a fazer ao longo de 40 anos de actividade. Realmente, neste esforço de divulgação, o GEFAC já apresentou cerca de 800 espectáculos, quer no país quer no estrangeiro, bem como várias gravações para algumas televisões europeias.
O GEFAC tem ainda em cena um texto de teatro popular mirandês - "Comédia do verdadeiro Santo António que livrou seu pai da morte em Lisboa" - resultante de um exaustivo trabalho de recolha de textos na região de Miranda do Douro, já publicado em livro.
Correlativamente a esta actividade, têm-se vindo a realizar bienalmente as Jornadas de Cultura Popular, com o intuito de promover o encontro de cada cidadão com a sua própria cultura e com a cultura de outros povos.
www1.ci.uc.pt/gefac/teatro_popular/teatro_teatro.htm