23.1.05

Eco-literacia

(tradução de um texto de Fritjof Capra, publicado no nº 57 de Janeiro/Fevereiro de 2005 da revista Adbusters, journal of the mental environment)

O grande desafio do nosso tempo é criar comunidades sustentáveis – comunidades assim designadas por os seus estilos de vida, as tecnologias que utilizam e as suas instituições sociais respeitarem, apoiarem e cooperarem com as limitadas possibilidades naturais existentes de uma forma de vida sustentável. E não é preciso inventá-las a partir de um qualquer guião, basta descobrir nos ecossistemas naturais essas tais comunidades sustentáveis de plantas, animais e micro-organismos.

O primeiro passo neste caminho é tornarmo-nos ecologicamente literatos, ou seja, compreendermos todos, quais os princípios de organização envolvidos nos ecossistemas e capazes de sustentar a rede da vida.

Nas próximas décadas, dúvidas não há, de que a sobrevivência da humanidade dependerá da nossa literacia ecológica – da nossa capacidade para entender os princípios básicos da ecologia e de viver de acordo com eles.

Literacia ecológica ou ecoliteracia deve cada vez mais tornar-se numa competência crítica dos políticos, dos líderes económicos, e dos profissionais de todas as áreas, e constituir mesmo a parte mais importante de todos os níveis educativos – desde o ensino pré-básico até ao universitário, sem esquecer a educação profissional e contínua ao longo de toda a nossa vida.
Precisamos de ensinar às nossas crianças ( e também aos nossos líderes políticos e empresariais ) os aspectos fundamentais da vida: que o lixo de uma espécie é o alimento de outra espécie; que os ciclos irrigam permanentemente toda a malha de vida; que a energia que alimenta os ciclos ecológicos provêm do sol; que a diversidade assegura a resiliência; que a vida, desde o seu começo há mais de três biliões de anos, não se expandiu pelo planeta por via de um combate mas antes por todo um trabalho de rede ( networking).

A ecoliteracia é, pois, o primeiro passo. O segundo é o ecodesign. Precisamos de aplicar o nosso conhecimento ecológico para redesenhar as nossas tecnologias bem assim as nossas instituições sociais de maneira a cobrir e ligar a distância entre os design humano e os sistemas ecologicamente sustentáveis da natureza.

Seguindo de perto as orientações de David Orr sobre educação ambiental adoptei a definição ecológica de design como «a adaptação dos fluxos de energia e matéria para fins humanos». O ecodesign é então o processo pelo qual os nossos objectivos humanos são cuidadosamente entrelaçados com os padrões e os fluxos do mundo natural. Os princípios de ecodesign reflectem os princípios organizacionais que a natureza se dotou para sustentar toda a rede da vida. A realização do design neste contexto exige assim uma profunda mudança da nossa atitude para com a natureza, mudança tanto sobre o que podemos retirar dela como sobre o que aprender com ela.

Nos últimos anos assistiu-se a uma crescente vaga de práticas e projectos de design com uma forte orientação ecológica. Foi o caso do renascimento mundial da agricultura orgânica, envolvendo tecnologias baseadas em conhecimentos de ecologia mais do que de química ou de engenharia genética, no cultivo dos terrenos, no controle de pesticidas, e na fertilização dos solos, na organização de várias indústrias dentro de uma rede ecológica que permita que os desperdícios e o lixo de umas possam ser os recursos das outras; a transformação de uma economia orientada em função de um produto, para uma outra economia baseada no «service-and-flow», em que os materiais brutos e os componentes técnicos usados pelas industrias circulam continuamente entre produtores e utentes; a construção de edifícios que produzam mais energia do que a que consomem, que não produzam desperdícios e que permanentemente sejam capazes de monitorizar o seu desempenho; a montagem de carros híbridos semi-eléctricos que economizam o seu consumo de energia; o desenvolvimento eficiente de células de hidrogénio que inaugure, em definitivo, a era da chamada «economia de hidrogénio». Estas tecnologias e todos estes projectos incorporam os princípios básicos da ecologia e representam bem a tendência para o design de pequena escala, com preferência para a diversidade, a eficiência energética, e as comunidades vocacionadas para a não-produção de poluição, e o uso intensivo do trabalho.

Para implementar efectivamente estas tecnologias teremos que redesenhar muitas das nossas instituições sociais. Por exemplo, nós precisamos de mudar o nosso sistema fiscal de modo a este deixar de incidir sobre as coisas que valorizamos – empregos, investimentos – para passar a incidir sobre aquilo que todos reconhecemos como prejudicial como seja a poluição e o desperdício de recursos.
Precisamos de acabar com os subsídios perversos entregues à indústrias insustentáveis e altamente prejudiciais, assim como a certas práticas empresariais das grandes corporações. E devemos reconhecer que o crescimento económico ilimitado só pode levar-nos ao desastre pelo que devemos agir sobre as economias em conformidade com tais conclusões.
As tecnologias hoje disponíveis permitem-nos facilmente que a transição para um futuro sustentável já não seja visto como um problema conceptual nem muito menos de carácter técnico. É, antes, e sobretudo, um problema de valores e de vontade política.

Nota: Fritjof Capra é o fundador e director do Center for Ecoliteracy em Berkeley, Califórnia. É também autor de várias obras, entre as quais «The Hidden Connections»


http://www.adbusters.org/magazine/57/ecoliteracy.php

http://www.ecoliteracy.org/






A Guerra é o mesmo que Terrorismo, mas com um orçamento maior!...

Ultimamente fala-se muito de terrorismo. Talvez esta seja uma forma de, falando-se de terrorismo, fazer esquecer os assuntos da guerra. O que é espantoso!

Porque a semântica não nos engana: em termos de escalada e de custos humanos e materiais, a guerra é muito pior que o terrorismo... O certo é que o poder global instituído (leia-se os Estados Unidos) prefere falar de terrorismo, e fazer esquecer que os Estados Unidos ( seus aliados) estão em guerra...

Já agora é preciso não esquecer o significado do envio dos guardas republicanos portugueses para o Iraque: o Estado Português também está em guerra!

Mas esta inversão que consiste em sobrevalorizar o terrorismo para desvalorizar a guerra constitui não só um óptimo exemplo de como a ideologia dominante funciona (=uma mentira repetida mil vezes, torna-se «realidade»), mas ainda uma boa demonstração de como funciona a governação estatal dos países ditos «democráticos», isto é, de como a elite económico-política se reproduz e se mantém sobre toda a população, depois de se assenhorear do poder político e esvaziar de conteúdo a democracia com que enchem a boca todos os dias a fim de enganar os tolos.

É por isso que a democracia está refém desta estratégia de poder oligárquico globalizador que governa populações e sociedades inteiras, e que não passa de um dispositivo retórico para legitimar e reproduzir um poder económico e político eminentemente oligárquico, com necessidade de refrescar permanentemente o seu pessoal político de modo a que tudo fique na mesma.

A democracia tornou-se pois em mais uma mistificação ao lado de outras tais como as "guerras humanitárias", e a "luta contra o terrorismo". Cabe aos homens amantes da liberdade e da emancipação humana desmontar toda essa panaceia que condiciona e lança para a cegueira mental milhões de seres.

Por isso, e mais do que nunca, é necessário um enorme e colossal esforço no campo da educação e formação para neutralizar a matraqueagem preparada pelo poder através dos meios de comunicação de massa postos ao seu serviço pelos grandes grupos económicos que dominam hoje a produção e circulação da informação (daí não ser despropositada a afirmação que estamos numa fase de transição de um capitalismo patrimonial para um capitalismo informacional, onde o núcleo duro do capital já não é representado por património material, mas pela posse da informação, uma vez que esta é um pré-requisito para o assenhoreamento e apropriação dos principais bens económicos) .

O terrorismo é um meio de acção descredibilizador que não contém nada de positivo para a emancipação social. Trata-se até de uma via de acção que exaspera as tendências primárias arcaicas dos indivíduos (homem-lobo) não ajudando à construção social da fraternidade e liberdade enquanto projecto colectivo partilhado por cada indivíduo.