15.2.06

Falsos mitos do livre comércio agrícola

Mito 1

Se aumentarmos o comércio agrícola internacional, reduziremos a fome no mundo

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Realidade: o comércio internacional de alimentos está a aumentar a um ritmo muito maior que a população e a produção e, apesar disso, a fome não pára de crescer. Entre 1968 e 1998 a produção de alimentos cresceu 84%, a população 94% e o comércio 184%. A fome, entre 1995 e 2002, também cresceu 2,5%. Ou seja, mais 20 milhões de pessoas.

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Mito 2

Se os países empobrecidos aumentarem o seu comércio agrícola, reduzirão os seus índices de pobreza

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Realidade: no último relatório das Nações Unidas sobre os 48 países mais pobres do mundo indica-se que a imensa maioria dos países que aumentaram as suas exportações e importações ( a maior parte delas, agrícolas) viram a pobreza a aumentar nos seus territórios. Para continuar a aumentar as suas exportações agro-alimentares, esses países tiveram que importar um número cada vez maior de materiais agrícolas, necessários para completar o modelo produtivo intensivo tipicamente exportador. Com tudo isto, as suas exportações ficam dependentes da importação daqueles materiais.

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Mito 3

Se os países pobres aumentarem as suas exportações, as divisas geradas permitir-lhes-ão importar o que necessitam

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Realidade: nos países menos desenvolvidos que obtiveram a maior parte dos seus ganhos graças à exportação de produtos agro-pecuários ( os agro-exportadores pobres) os ganhos obtidos pelas exportações permitem-lhes cobrir somente 54% das importações totais. Ou seja, exportar e importar é, para eles, um péssimo negócio.

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Mito 4

O problema é o acesso aos mercados do Norte por parte dos países pobres

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Realidade: Existem produtos agro-alimentares para os quais o acesso está garantido, e apesar disso a pobreza não melhora. A soja da Argentina entra livremente na EU e, não obstante isso, actualmente os argentinos comem em média 10 kg menos de carne, 1,5 kg a menos de ovos e 50 litros a menos de leite do que no ano de 1980. O salmão tem entrada livre no mercado dos EUA e apesar disso os rendimentos familiares na região de salmão no Chile foram os que menos aumentaram nos últimos 10 anos em todo aquele país. A explicação reside no facto da maior percentagem dos lucros ter ido parar aos bolsos da oligarquia local e às transnacionais.. No Quénia a exportação da fruta duplicou e apesar disso o consumo local da fruta desceu de 30,5 a 26,5 kg de fruta por pessoas, segundo dados da FAO

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Mito 5

O livre comércio somente beneficia os países ricos

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Realidade: O livre comércio somente beneficia as agro-empresas que podem produzir, transformar e comercializar internacionalmente. Ou seja: 1) Produzindo os valores acrescentados ou as matérias primas alimentares ( Commodities); 2) Transformando as matérias primas agro-alimentares em alimentos manufacturados, ou 3) Comercializando com tudo isso a nível mundial. Os lucros vão directos para as grandes explorações agrícolas e as empresas transnacionais, qualquer que seja a sua origem e nacionalidade. Os grandes prejudicados são as famílias camponesas, qualquer que seja a sua nacionalidade. Espanha viu aumentar 400 vezes as suas exportações de carne de porco entre os anos de 1985 e 2002, ao mesmo tempo que numa das suas regiões privilegiadas de produção, em Aragón, registou-se o desaparecimento de 75% das explorações porcinas, e as que se mantiveram viram o seu tamanho aumentar 10 vezes durante o mesmo período.

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Mito 6

O livre comércio reduz os preços finais dos alimentos ao consumidor

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Realidade: O Banco Mundial anunciou que desde 1974 até 1997 os preços dos produtos básicos baixaram, enquanto os preços pagos pelos consumidores aumentaram. O preço do café desceu cerca de 18% entre 1974 a 1993, o que não impediu que se registasse um aumento de 240% no preço final do café ao consumidor nos EUA. Em Espanha os índices dos preços ao agricultor e ao consumidor duplicaram entre 1997 e 2003. No México o preço do milho a pagar aos agricultores desceu 50%, enquanto o preço que o conbsumidor paga pelo milho aumentou 297%. A causa disto é o controle monopolista pelas empresas agro-alimentares que baixam os preços na produção e aumentam no consumo,arrecadando lucros chorudos.

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Mito 7

O livre comércio melhora e moderniza a agricultura e a pecuária tornando-as mais competitivas

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Realidade: O livre comércio através da competência desigual entre produtores de distintas regiões destrói a agricultura e a pecuária transformarndo-as em agro-indústria, industrializadas em matérias-primas alimentares nas mãos de uma poucas grandes explorações agrícolas ou nas mãos das empresas do agrobusiness. Argentina perdeu 25% das suas explorações agrárias desde que aumentou as suas exportações agrícolas. Espanha perdeu 50% da sua população agrícola nos últimos 15 anos e 40% das suas explorações agrárias desapareceram. No México 15 milhões de agricultores ficaram excluídos do mercado agrícola a partir do momento em que houve a liberalização do mercado dos seus cereais. Segundo o PNUD o México perdeu 700.000 a 800.000 meios de subsistência como consequência da livre comercialização do milho para os EUA

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Mito 8

Os países pobres ainda têm economias fechadas e deveriam inserirem-se na economia mundial para melhorar os seus indicadores sociais

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Realidade: Os países pobres são os estão mais abriram as suas economias, calculando-se em cerca de 51% do seu PIB, ao passo que os países desenvolvidos têm um grau de abertura das suas economias em 43% do seu PIB

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Mito 9

O livre comércio agrícola aproveita as vantagens comparativas entre regiões-países e a melhoria na competitividade que isso representa resulta num melhor nível de vida

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Realidade: As vantagens comparativas não são geográficas, climatológicas ou de qualidade relativos dos solos agrícolas, mas sim relativas aos custos salariais menores. Os baixos salários são a grande vantagem dos países pobres. Basear o desenvolvimento humano de um país em salários de subsistência e em condições miseráveis não parece ser o melhor caminho. Marrocos exporta tomates a Espanha, não porque o seu clima ou os seus solos sejam melhores, mas porque os salários dos trabalhadores rurais marroquinos são muito mais baixos que os dos seus colegas espanhóis. México vende tomates aos EUA não porque o seu clima seja melhor que o da Califórnia mas sim porque um trabalhador rural mexicano ganha num dia o mesmo que um trabalhador norte-americano ganha numa hora.

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Mito 10

O livre comércio agrícola estimula a actividade empresarial dos países

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Realidade: o livre comércio agro-alimentário destrói a actividade empresarial e comercial e permite o controle em condições de oligopólio das grandes empresas agro-alimentárias transnacionais ( os chamados global players). A Costa Rica lançou um processo de liberalização do seu comércio agrícola nos princípios dos anos 80. Nos finais dessa década, 50% dos negócio agrícolas estavam nas mãos das empresas estranhas à Costa Rica. O controlo de certos produtos como a papaia passou de 99% para 11%. No Chile, em meados de 1990 havia mais de 100 médias empresas chilenas que produziam e exportavam salmão. No ano de 2005 esse número era de 35, das quais 12 produzem 75% da produção, e metade das empresas transnacionais. Na Zâmbia a liberalização do comércio agrícola durante os anos 90 teve como consequência a queda de 20% do consumo interno de milho, pois enquanto o seu preço para exportação desceu, o preço para o consumidor zambiano subira.

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