22.1.06

Ibsen, o realismo e a crítica social


A propósito do centenário da morte de Ibsen, notável dramaturgo norueguês que exerceu uma grande influência nos autores e nos activistas sociais do fim do século XIX, aparecerá brevemente no Pimenta Negra um ou mais textos sobre a relação de Ibsen e os teóricos e as ideias libertárias

Ver:
http://www.ibsen2006.no/?id=83
http://www.ibsenworldwide.info/
http://www.noruega.org.pt/ibsen/ em português



Os quatro dramas que Ibsen publicou nos anos de 1877-82, 'Os Pilares da Sociedade', 'Uma Casa de Bonecas', 'Espectros' e 'Um Inimigo do Povo' são caracterizados como dramas realistas contemporâneas ou dramas de problematização social. Basicamente, existem quatro aspectos destas peças que justificam uma tal descrição:

1. Fazem de problemas sociais o tema em debate. 2. Têm uma perspectiva crítica relativamente à sociedade. 3. A acção decorre num ambiente contemporâneo. 4. Apresentam pessoas e situações comuns.

Problemas em debate

O crítico literário dinamarquês Georg Brandes (1842-1927) foi o grande pioneiro do avanço do realismo nos países nórdicos. Em 1871, Brandes realizou uma série de prelecções na Universidade de Copenhaga sob o título 'As Principais Correntes na Literatura do Século XIX' (publicado em seis volumes em 1872-90). Nesta obra, o crítico literário avança com o seguinte manifesto para uma nova forma de literatura que deverá ser de crítica social e realista:
«Que a literatura nos nossos dias está viva é visível pelo facto de apresentar problemas para debate. Assim, por exemplo, George Sand coloca em discussão a relação entre os dois sexos, Byron e Feuerbach a religião, Proudhon e Stuart Mill a propriedade, e Turgenev, Spielhagen e Emile Augier as doenças na sociedade. Que a literatura não apresente nada para debate é igual a estar em vias de perder todo o significado».

Os representantes do realismo de crítica social na Noruega – Ibsen, Bjørnson, Lie, Garborg, Kielland e Skram – receberam inspiração de Brandes. Nos quatro dramas acima mencionados da autoria de Ibsen voltamos a deparar-nos com diversos problemas sociais que Brandes usa como exemplos na citação. A relação entre os sexos é tema de debate em 'Uma Casa de Bonecas' e 'Espectros', e as características problemáticas de males prevalentes na sociedade são debatidos em 'Os Pilares da Sociedade' e 'Um Inimigo do Povo' (moralidade social, tirania da maioria, considerações de índole comercial versus considerações gerais de nível social, considerações ambientais, etc.).

Perspectiva de crítica social

Nestes dramas realistas Ibsen era impiedoso na sua demanda por desmascarar o lado negativo da sociedade, a hipocrisia e a falsidade, o uso da força e o comportamento manipulativo, tendo o autor efectuado exigências incansáveis a favor da sinceridade e da liberdade. A verdade, a emancipação, a realização pessoal e a liberdade do indivíduo são os termos chave. Em 'Os Pilares da Sociedade', Lona Hessel tem a última palavra e conclui dizendo que «o espírito da verdade e o espírito da liberdade – são eles os pilares da sociedade». Em 'Espectros', Ibsen aponta uma luz crítica aos pilares que suportam a sociedade burguesa, o casamento e o Cristianismo, e utiliza tabus típicos, o incesto, as doenças venéreas e a eutanásia. Este facto fez com que o autor e os que partilhavam das suas ideias se tornassem figuras controversas no seu tempo. As suas obras geraram controvérsias violentas ou furor absoluto. A partir de um ponto de vista posterior, é possível observar a enorme importância de algumas destas obras para diversos movimentos sociais. Praticamente não existe, em quase todas as culturas do mundo, uma outra obra literária que tenha significado tanto para a libertação da mulher como 'Uma Casa de Bonecas'.

Perspectiva contemporânea

A acção em todos os dramas que Ibsen escreveu, incluindo 'Os Pilares da Sociedade', decorre na sociedade contemporânea (daí a designação dramas contemporâneos). Os representantes da literatura realista exigiram a si mesmos que deviam ir para o seu próprio tempo e deixar-se marcar por ele. Os dramas históricos no estilo nacional-romântico estavam fora de moda. Os deuses e heróis clássicos, os imperadores romanos e os reis de potências mundiais foram substituídos por pessoas «como nós». O decorrer da acção nestes dramas iria carregar a marca dos tempos.
As primeiras anotações de Ibsen para 'Uma Casa de Bonecas' (datadas de 19 de Outubro de 1878) têm o cabeçalho «Notas para a tragédia contemporânea». O termo «tragédia contemporânea» é expressivo. O projecto de Ibsen nesta peça é aplicar a forma clássica da tragédia a um material moderno. A nível formal, Ibsen não se envolve em experimentações radicais em 'Uma Casa de Bonecas'. Por exemplo, as três unidades clássicas mantêm-se, bem como as unidades de tempo, espaço e acção. O que há de novo é o material de conflito moderno, a temática daquilo que decorre em palco.
Pessoas e situações comunsNuma carta dirigida ao teatrólogo sueco August Lindberg, que estava em vias de encenar 'Espectros' em Agosto de 1883 (a sua representação com estreia em Helsingborg a 22 de Agosto de 1883 foi a primeira nos países nórdicos e na Europa), Ibsen escreveu:
«A linguagem deve soar natural e o modo de expressão tem de ser característico de cada uma das pessoas na peça. Como é evidente, nenhuma pessoa se expressa da mesma maneira que outra. A este respeito muita coisa pode ser corrigida durante os ensaios, que é quando mais facilmente se repara no que não nos soa natural e espontâneo, tendo de ser, portanto, alterado uma e outra vez, até as falas atingirem uma forma de credibilidade e realismo total. O efeito da peça depende, em grande medida, da sensação que o público tenha de que está sentado a ouvir o que se passa na vida real».
Ibsen preocupava-se muito com o facto de que, nos seus dramas contemporâneos, o público no teatro (e os leitores) fosse testemunha de cadeias de eventos que poderiam muito bem ter-se passado na vida de cada um. Esta circunstância requeria que as personagens dos dramas do autor falassem e se comportassem de forma natural e que as situações tivessem o cunho do quotidiano. As personagens já não podiam falar em verso, como em 'Brand' e 'Peer Gynt'. Os monólogos, apartes e modos afectados de falar (como em 'Os Guerreiros de Helgeland') foram postos de parte. O drama realista iria criar a ilusão da realidade reconhecível.

Texto da autoria de Jens-Morten Hanssen / ibsen.net


Cronologia

1828 Henrik Johan Ibsen nasce a 20 de Março em Stockmannsgården, Skien. Pais: Marichen (nascida Altenburg) e Knud Ibsen, comerciante.

1835 O pai tem de desistir do negócio. As propriedades são leiloadas. A família muda-se para Venstøp, uma quinta em Gjerpen.

1843 Crisma na igreja de Gjerpen. A família muda-se para Snipetorp, em Skien.Ibsen sai de casa dos pais a 27 de Dezembro.

1844 Chega a Grimstad a 3 de Janeiro para ser aprendiz de Jens Aarup Reimann, farmacêutico.

1846 Tem um filho ilegítimo com Else Sophie Jensdatter, uma das criadas de Reimann.

1847 Lars Nielsen torna-se proprietário da farmácia, mudando-se para instalações maiores.

1849 Ibsen escreve Catilina.

1850 Vai para Cristiânia estudar para o exame de admissão à universidade. A peça Catilina é publicada sob o pseudónimo Brynjolf Bjarme. Edita o jornal da Associação de Estudantes Samfundsbladet e o semanário satírico Andhrimner.Primeira encenação de uma obra de Ibsen na história. A peça em um acto The Burial Mound é representada no Teatro de Cristiânia a 26 de Setembro.

1852 Muda-se para Bergen para começar a dirigir produções teatrais no Teatro Det norske. Faz uma viagem de estudo a Copenhaga e a Dresden.

1853 Primeira representação de A Noite de São João.

1854 Primeira representação de The Burial Mound numa versão revista.

1855 Primeira representação de Lady Inger.

1856 Primeira representação de The Feast at Solhoug.Fica noivo de Suzannah Thoresen.

1857 Primeira representação de Olaf Liljekrans. É nomeado director artístico do Kristiania Norske Theater.

1858 Casa com Suzannah Thoresen a 18 de Junho. Primeira representação de Os Guerreiros de Helgeland.

1859 Escreve o poema «Paa Vidderne» («Vida nas Terras Altas») e o ciclo de poemas «I illedgalleriet» («Na Galeria de Arte»). Nasce o seu filho Sigurd a 23 de Dezembro.

1860 Escreve Svanhild, um esboço de A Comédia do Amor.

1861 Escreve o poema «Terje Vigen».

1862 O Kristiania Norske Theater vai à falência. Ibsen parte numa viagem de estudo ao vale de Gudbrandsdalen e à região ocidental do país para estudar folclore.A Comédia do Amor é publicada (primeira representação no Teatro de Cristiânia a 24 de Novembro de 1873). É nomeado consultor do Teatro de Cristiânia.

1863 A peça Os Pretendentes é publicada.Escreve o poema «En broder i nød» («Um Irmão em Pobreza»).

1864 Os Pretendentes é representado pela primeira vez no Teatro de Cristiânia. Parte para Itália e vive em Roma durante quatro anos.

1865 Escreve The Epic Brand. Revê o texto, apresentando-o com o título Brand. 1866 Brand é publicado e é um sucesso. É atribuído a Ibsen um dos estipêndios estatais para artistas.

1867 Publica A Comédia do Amor numa versão revista.Escreve e publica Peer Gynt (Primeira representação no Teatro de Cristiânia a 24 de Fevereiro de 1876). 1868 Muda-se para Dresden, onde a família vive durante sete anos. 1869 The League of Youth é publicada e representada pela primeira vez no Teatro de Cristiânia. Ibsen participa numa reunião sobre ortografia escandinava em Estocolmo. Vai para o Egipto e está presente na abertura do Canal do Suez. 1870 Escreve o poema «Ballongbrev til en svensk dame» («Carta balão a uma senhora sueca»).

1871 Publica uma compilação de poemas (Digte) pela primeira e última vez.

1872 É escrita uma grande parte de Imperador e Galileu.

1873 Conclui e publica Imperador e Galileu.Faz parte de um júri internacional de arte na exposição mundial em Viena.

1874 Visita a Noruega (Cristiânia). Vai para Estocolmo.Publica Lady Inger numa nova versão.

1875 Publica Catilina numa nova versão.Muda-se para Munique, onde vive durante três anos.Escreve o poema «Et rimbrev» («Uma carta em rima»). 1877 Escreve Os Pilares da Sociedade, encenado pela primeira vez no Det Kongelige Teater (Teatro Real) em Copenhaga.Recebe um doutoramento honoris causa pela Universidade de Uppsala.

1878 Muda-se de novo para Roma e permanece nessa cidade durante sete anos, com a excepção de diversos tempos de interregno. 1879 Escreve e publica Uma Casa de Bonecas, que é representado pela primeira vez no Det Kongelige Teater (Teatro Real) em Copenhaga.
1881 Escreve e publica Espectros (encenado no teatro Aurora Turner Hall em Chicago a 20 de Maio de 1882).

1882 Escreve e publica Um Inimigo do Povo (primeira representação no Teatro de Cristiânia a 13 de Janeiro de 1883).

1883 Publica The Feast at Solhoug numa nova edição.

1884 Escreve e publica O Pato Bravo (primeira representação no Den Nationale Scene em Bergen a 9 de Janeiro de 1885). 1885 Visita a Noruega (Cristiânia, Trondhjem, Molde e Bergen).Muda-se para Munique e lá permanece durante seis anos.

1886 Escreve e publica Rosmersholm (primeira representação no teatro Den Nationale Scene a 7 de Janeiro de 1887).

1887 Passa o Verão no norte da Jutelândia (em Sæby). Continua para Gotemburgo, Estocolmo e Copenhaga.

1888 Escreve e publica A Dama do Mar (primeira representação realizada no Hoftheater em Weimar e no Teatro de Cristiânia no mesmo dia, 12 de Fevereiro de 1889).

1889 Último Verão em Gossensass. Conhece Emilie Bardach.

1890 Escreve e publica Hedda Gabler (primeira encenação no Residenztheater em Munique a 31 de Janeiro de 1891).

1891 Regressa à Noruega e instala-se em Cristiânia. Conhece Hildur Andersen.

1892 Escreve e publica O Construtor (primeira produção realizada no Lessingtheater em Berlim a 19 de Janeiro de 893). Sigurd Ibsen casa com Bergliot Bjørnson.

1894 Escreve e publica O Pequeno Eyolf (representado pela primeira vez no Deutsches Theater em Berlim a 12 de Janeiro de 1895).

1895 Muda-se para o apartamento na esquina entre Arbiensgate e Drammensveien em Cristiânia e aí permanece pelo resto da vida.

1896 Escreve e publica João Gabriel Borkman (primeira representação simultânea dos teatros Det svenske Teater (Suécia) e Det finske Teater (Finlândia) em Helsingfors a 10 de Janeiro de 1897).

1898 70º aniversário - celebrações em grande escala em Cristiânia, Copenhaga e Estocolmo.

1899 Escreve e publica Quando Despertamos de Entre os Mortos (primeira encenação no Hoftheater em Estugarda a 26 de Janeiro de 1900).

1900 Tem a primeira trombose.

1906 Morre a 23 de Maio.

Texto da autoria de ibsen.net

Fórum Social Mundial de 2006


A sexta edição do Fórum Social Mundial (FSM), que este ano é policêntrico, acabou de abrir as suas portas em Bamako ( Mali), decorrendo entre 19 e 23 de Janeiro, transferindo-se depois a partir do dia 24 para Caracas para terminar no mês de Março em Karachi, uma vez que o sismo de Cachemira abalou profundamente todo o Paquistão, impediu a sequência temporal prevista e forçou ao adiamento da reunião a fim de não prejudicar os esforços de ajuda às vítimas.
Esta diversificação espacial do FSM responde ao duplo objectivo de acentuar a sua vocação como resposta global às grandes questões actuais, além do confessado propósito de reivindicar a especificidade dos problemas e as eventuais soluções nos diversos contextos geopolíticos. Em sintonia com estas preocupações, a reunião de Bamako centar-se-á sobre as questões da migrações e do meio ambiente, em Caracas será a vez da atenção recair sobre o imperialismo e a militarização do planeta, enquanto em Karachi se insistirá na desmontagem do sistema de castas e do patriarcado, na linha do que aconteceu, de resto, há dois anos atrás por ocasião do FSM de Mumbai.
Para além destas metas gerais, o policentrismo do presente Fórum aponta a necessidade de ir mais longe do que da simples área eurolatinoamericana, que tem prevalecido até agora, a fim de realçar a importância de outras regiões e continentes, como a Ásia e a África, em especial esta última que, não obstante as enormes potencialidades que possui, se transformou na terra maldita do planeta – vejam-se os recentes filmes-denúncia como o The Constant Gardener ( O Fiel Jardineiro) sobre a vilania da indústria farmacêutica e o The Lord of War ( que denúncia o tráfico de armas).
O próximo FSM que terá lugar em 2007 em Nairobi ( Quénia) e actual Fórum em Bamako com os seus 30.000 participantes e mais de 2.500 actores colectivos podem e devem contribuir para transformar o destino miserável a que o continente africano tem sido refém.
Claro que a multiplicação dos Fóruns e o seu policentrismo presta-se a algumas acusações como o risco de se tornarem em clubes de viagens políticas ou de Féria internacional de uma sociedade civil circulante como se referem Ignacio Ramonet e Gustave Massiah. Mas a dinamização dos movimentos sociais é a melhor defesa contras as guerras de Bush e o totalitarismo do império norte-americano e das suas multinacionais. Sem esquecer que num momento de re-nacionalização das políticas dos Estados e de demagogias nacionalistas o que faz falta são trincheiras protectoras e causas alternativas.
Quando o fim de trabalho para todos, com a precarização laboral e a desqualificação sindical que arrasta consigo, turvou o horizonte simbólico de uma sociedade mais justa e socialmente mais comprometida, o que há a fazer é procurar outros mitos para enraizar as esperanças colectivas. E se o integralismo nacionalista tem assumido a função referencial para o qual contribuiu a globalização de quase todos os processos mais determinantes, assim como o fenómeno migratório exacerbou a exigência de um pertença grupal, que vai muito para além do territorial até à consagração de solidariedades extraterritoriais com a emergência de comunidades transnacionais, o que há a fazer é encontrar as melhores formas de o defrontarmos.
A rigidez institucional dos sistemas políticos afastou os cidadãos, e sempre que estes querem sair deste jugo da partidocracia ao manifestarem-se nas ruas, são logo taxados de populistas.
Por isso é que é cada vez mais premente encontrarmos alternativas ao mercado das multinacionais e ao sistema da partidocracia, bem como a uma política capitalista de corrupção e depredatória dos recursos naturais, convocando os cidadãos à participação popular.

O FSM do Mali abriu com um multitudinária manifestação que mostrou a força e variedade da sociedade civil do Mali, em especial das populações do Sahra, estando presente muitas e variadas ONGs de todo o mundo.


FSM do Mali-
http://www.fsmmali.org/

FSM -
http://www.wsf2006.org/

FSM de Caracas -
http://www.forosocialmundial.org.ve/