25.2.07

A ópera nasceu há 400 anos


Textos retirados do Jornal de Notícias de 24 de fevereiro de 2007


Há 400 anos nascia aquela que é considerada a primeira experiência de ópera. O autor, Claudio Monteverdi, inspirou-se na história do músico semideus Orfeo que perde a mulher, Eurídice, em plena boda de casamento, para compor "L'Orfeo".

Na noite de 24 de Fevereiro de 1607, os apartamentos privados do duque de Mântua abriram-se para a representação desta função musical, encomendada a Monteverdi pelo duque Francesco Gonzaga. Se passasse a prova da audição privada, a obra deveria ser apresentada em público, como aconteceu, uma semana depois, integrada nas comemorações do Carnaval de Mântua. Essa noite ficaria célebre foi aí que se estreou "L'Orfeo", considerada por muitos especialistas como a primeira ópera no sentido moderno.

"Ao apresentar a sua "favola in musica", Monteverdi fizera questão de dar à partitura, e sobretudo ao canto, um papel que até aí estava fora das preocupações dos seus contemporâneos", lembra António Mega Ferreira, presidente da Fundação Centro Cultural de Belém, que anteontem, no grande auditório, levou a cabo uma gala monteverdiana para assinalar a passagem dos 400 anos sobre esta primeira apresentação.

A "favola" de Monteverdi, com libreto do poeta Alessandro Striggio, retomava o mito de Orfeu e Eurídice, mas, em vez de o tratar como tragédia declamada ou recitativo acompanhado por música, propunha uma apropriação musical do mito e o seu tratamento em forma de drama musical. Lembre-se que a obra de Monteverdi é tida como sendo a primeira ópera porque tanto o seu libreto como a sua música chegaram aos nossos dias. Contudo, já alguns anos antes da apresentação de "L'Orfeo", a obra "Dafne" (1597), da autoria de Jacopo Peri e do poeta florentino Ottavio Rinuccini, era também uma tragédia declamada acompanhada por música. Foi apresentada em Florença por alturas dos esponsais de Maria de Médicis com Henrique II de França, mas a música dessa obra há muito que desapareceu. Por isso, hoje, a ópera mais popular do século XVI é, sem dúvida, "L' Orfeo", composta em 1607, dez anos depois de "Dafne".

Como afirma a musicóloga alemã Silke Leopold, do Departamento de Musicologia da Universidade de Heidelberg (Alemanha),"uma característica distintiva da música de Monteverdi, é o dar vida à palavra e ao gesto, mas também, e sobretudo, às personagens, aos seus estados de alma, que afloram nas entrelinhas a sua música é a expressão simultânea de uma emoção espiritual e gestual" .

Também o músico Enrico Onofri, da orquestra barroca "Divino Sospiro", defende que o fascínio que a audição das criações de Monteverdi exerce ainda hoje se deve "à utilização de um estratagema retórico-musical que consiste em alternar episódios de serenidade ou, mesmo, relativamente estáticos, com outros vivíssimos e agitados".


O universo da ópera é pontuado por várias obras-primas. Peças que se tornaram imortais e que resistem ao passar do tempo. Exemplo disso são óperas como "Don Giovanni",de Mozart, que estreou em Praga em Outubro de 1787. Ou então "O barbeiro de Sevilha", de Gioacchino Rossini,escrita propositadamente para estrear na época do Carnaval de 1816. Há ainda o exemplo de " Rigoletto", de Giuseppe Verdi, que estreou em Veneza em 1851, ou da então ousada "Carmen", de Georges Bizet. A cigana indomável e o seu amante desesperado, Don José, inflamaram o público que assistiuà estreia na Opera-Comique de Paris, em 1875. Na senda de obra-prima aparece também a "Tosca", de Giacomo Puccini, considerada uma das óperas mais comoventes jamais escritas. Contém todos os ingredientes do género amor, morte, violência, sexo, corrupação, poder e lealdade




Forma de arte única com força vital própria

A ópera tem sido perseguida por acusações de elitismo e de snobismo. E em Portugal não escapa a esses epítetos.

Embora nos anos 60 e 70 do século passado houvesse, pelo menos nas cidades do Porto e de Lisboa, um público fiel aos espectáculos produzidos pela Companhia Portuguesa de Ópera, sediada no Teatro da Trindade, e pelo Círculo Portuense de Ópera, esta oferta não foi suficiente para estabelecer uma rotina. No entanto, os espectáculos apresentados naquele espaço e nos coliseus de Lisboa e do Porto eram muito populares.

A Companhia Portuguesa de Ópera( CPO), dirigida por Serras Formigal na altura Vice-Presidente da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) torna o Trindade num centro de excelência do canto lírico português. É nessa altura que se produzem óperas como "A Boémia" (Puccini), "Serrana" (Alfredo Keil), "O Barbeiro de Sevilha" (Rossini), "A Traviata" e "Rigoletto" (Verdi), "Cavalaria Rusticana" (Mascagui), "A Condessa Caprichosa" (Marcos Portugal - Frederico de Freitas), ou "A Flauta Mágica" (Mozart),

Entre os elementos que integravam o elenco da CPO, extinta em 1975, contavam-se nomes de uma maioria de cantores portugueses, entre os quais Hugo Casais, Zuleika Saque, Álvaro Malta, Elsa Saque, Luís França, Fernando Serafim, muitos deles saídos do Centro de Preparação dos Artistas Líricos que funcionava no interior do projecto da Companhia Portuguesa de Ópera.

Apesar das dificuldades, no nosso país começa a haver uma abertura cada vez maior para este género de espectáculo. Mas isto não chega para o descolar do rótulo de elitista. Isto deve-se, em parte, aos preços dos bilhetes. A ópera é um espectáculo bastante caro, há quem o considere um luxo e mesmo lotações esgotadas dificilmente cobrem as despesas de produção (cantores, cenário, figurinos, luzes, orquestra, etc).

Actualmente, em Portugal há apenas um teatro especializado na apresentação de espectáculos líricos, o Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) inaugurado em1793. A sua história identifica-se com a própria história da actividade operática em Portugal ao longo de mais de dois séculos.

O que é uma ópera?

Perguntarão os mais leigos "Mas afinal o que é uma ópera?" Sucintamente, é " uma peça de teatro em que o drama é relatado predominantemente pela música e pelo canto e não pelo discurso", escreve o crítico londrino e compositor Alexander Waugh no seu livro "Ópera - outra forma de ouvir", uma espécie de guia prático para iniciados.

Escreve Alexander Waugh que "a ópera é uma forma de arte única, profusa, diferente de todas as outras; não pode ser comparada com o cinema, o teatro, o bailado ou a música de concerto. A ópera tem uma força vital própria".

Na ópera,como em qualquer forma de arte, "o início do século XX foi tempo de experimentação e de fragmentação. Alexander Waugh lembra que Claude Debussy se inspirou em "Parsifal", a ópera que Wagner compôs em 1882, para, 20 anos mais tarde, compor "Pelléas et Mélisande", que mesmo assim foi uma obra inovadora.

Mais tarde, compositores como Bela Bartók, Arnold Schoënberg e Franz Shreker fizeram várias tentativas para, nas suas óperas, explorarem o tema da psicologia seguindo uma linha freudiana, de que são exemplos as criações de Richard Strauss com "Der Rosenkavalier" (O Cavaleiro da Rosa) em 1891. Alan Berg "levou este propósito mais longe nas sua ópera "Wozzeck (1925) , em que retrata um militar arruinado que sustenta a amante, Marie, submetendo-se às experiências de um médico louco", escreveu Alexander Waugh.

Nos anos 30 e 40 do século XX compositores como Chostakovitch com "O Nariz" (1930) ou Francis Poulenc com "Les Mamelles de Tirésias" (1947), fizeram experiências com o surrealismo e o absurdo poético.

"Devemos exorcizar qualquer noção errada que possamos ter, aceitar a ideia de que a ópera não é uma peça de teatro com música nem um concerto com uma peça associada, mas uma forma de arte vital que existe independentemente", defende Alexander Waugh





A Ópera sempre existiu ( Por Rui Vieira Nery)

Está a comemorar-se o aniversário da criação da ópera, como se esta tivesse "caído do céu" em 1607. Mas, a ópera é, em bom rigor, anterior ao teatro. Não foi a ópera que se separou do teatro; foi o teatro hoje dito declamado que se separou das manifestações sincréticas de palavra, canto, dança, representação, que remontam a tempos imemoriais e atravessam diferentes culturas (não são exclusivo europeu). Muito daquilo a que actualmente se chama ópera está mais próximo desse antiquíssimo sincretismo do que do dramma per musica seiscentista. Um Singspiel como a Flauta Mágica não terá mais afinidades estruturais com o Jeu de Robin et Marion (século XIII) do que com o Orfeo de Monteverdi? E a própria camerata fiorentina não se reclamava da herança do teatro grego - um teatro em que, para além de outras componentes vocais, corais, instrumentais, as vozes ressoavam através das máscaras per sonare, persona, personagem, "máscara colada à cara" (Pessoa)? Haverá uma grande diferença, deste ponto de vista, entre as peças a que António José da Silva ou o seu póstumo editor Ameno chamaram "óperas" (talvez jocosamente) e os autos ou farsas de Gil Vicente? Em ambos a música é chamada a desempenhar funções estruturais, com a diferença de, nas peças de O Judeu, ela ser constituída por árias da capo compostas em estilo italiano (ou em intencional caricatura deste). Ou lembremos o juízo do abade António da Costa, que via no antigo teatro escolar dos Jesuítas algo que hoje nos parece mais próximo do ideal wagneriano, enquanto a praxis da ópera italiana de meados do século XVIII em Roma, tal como ele a descreve, era diametralmente oposta à do seu contemporâneo Gluck em Viena... Em Roma, o abade não assistira a "nada de préstimo": só a "um zum zum, de quatro para cinco horas de rumor de rabecas, rabecões, trompas, etc., gritaria de gente, conversação contínua, risadas, palmadas, uns a gritar: bravo, bravone! Ah caro Cafarello! os que vendem sempre a apregoar ao redor dos camarotes, gritando desesperados: quem quer vinho, frutas, doces, etc." - em suma: ópera quase como arraial popular, onde nem sequer se fazia a distinção entre palco e plateia...


Que aconteceu, afinal, de especial, no contexto da cultura europeia, por volta de 1600? Talvez apenas uma confluência de dois movimentos em curso desde havia muito no teatro, a tendência crescente a fazer cantar a fala; na música, e mormente na polifonia vocal, a tendência crescente a fazer falar o canto ("nobre desprezo do canto" - Caccini). Num caso, a musicalização do teatro; no outro, a teatralização da música (comédia de madrigal).


Note-se, finalmente, que a "ópera", na versão seiscentista que hoje se comemora, era carnaval; surgiu pelo carnaval; era o mundo às avessas do maravilhoso pagão, como parte integrante do calendário litúrgico a cidade do demónio, por contraposição à cidade de Deus. Foi assim com Monteverdi, católico convicto, que fazia representar as paixões humanas pelo Carnaval, para logo se entregar à espiritualidade e à exaltação do divino pela Quaresma... Consoante o calendário, assim mudavam os temas e os estilos...


Inspiremo-nos nessa herança cultural. Se a ópera entretanto se "sacralizou", dessacralizemo-la.

A terra dos peles-vermelhas

Superbo documentário sobre a história dos peles-vermelhas e o etnocídio perpetrado pelos europeus sobre as culturas indígenas (doc. falado em francês)

Duas mil tribos povoavam o continente americano antes deste ser «descoberto» pelos europeus. Caçadores, colectores, pescadores viviam em sintonia com a natureza segundo um sincretismo religioso povoado por muitos elementos naturais. O documentário que abaixo inserimos traça a história de um genocídio e o terramoto cultural que se vivei com a chegada e a invasão do continente pelos colonos.
Mas a verdadeira invasão e ocupação deu-se no século XIX com a apropriação das terras por parte dos europeus sob o pretexto de que os índios não a cultivavam. Começam então as guerras e as epidemias que dizimam milhares de indígenas americanos. Pinturas da época mostram a euforia da conquista e a desolação das batalhas. O documentário, cujo autor é Jean-Claude Lubtchansky, sem ignorar os massacres, dá particular reace à destrução cultural que se verificou por efeito do domínio dos brancos sobre as culturas indígenas.

Recorde-se que o genocídio dos índios americanos ao longo de 4 séculos teve como consequência a redução da população autóctone de 7 milhões de indivíduos para os actuais 400.000, a que se deve somar o verdadeiro etnocídio que o acompanhou.