Hoje em dia o vagabundo vê-se aflito para vagabundear devido ao aumento da vigilância policial nas auto-estradas, entrepostos ferroviárias, cais marítimos, margens de rios, aterros e mil e um esconderijos da noite industrial.
Na Califórnia, o rato de mochila, o velho tipo que vai a butes de cidade a cidade com as provisões e a cama às costas, o «irmão sem lar», desapareceu praticamente, juntamente com o antigo rato do deserto, peneirador de ouro que costumava percorrer com a esperança no coração as labutadoras cidades do Oeste que são hoje tão prósperas que já não querem velhos vagabundos.
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Grandes e sinistros carros de Polícia, pagos pelos contribuintes ( modelos de 1960 com holofotes tristes) são muito bem capazes de se abater sobre o vagabundo no seu trote idealista para a liberdade e para os montes do santo silêncio e santa intimidade. Não há nada mais nobre do que suportar algumas inconveniências como cobras e poeira por amor da liberdade absoluta.
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Considera-se que acampar um desporto saudável para escuteiros, mas um crime quando é praticado os homens adultos que disso fizeram a sua vocação. A pobreza é considerada uma virtude entre os monges das nações civilizadas, mas passa-se uma noite nos calabouços quando se é apanhado sem o mínimo admissível para vagabundear ( da última vez que tive conhecimento disso, eram cinquenta cêntimos, mas quanto será agora?)
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No tempo de Brueghel as crianças dançavam à roda do vagabundo, que vestia roupas enormes e esfarrapadas e olhava sempre em frente, e as famílias não se importavam de as suas crianças brincarem com o vagabundo, que era uma coisa natural. Mas hoje as mães agarram bem os filhos quando o vagabundo passa pela cidade por causa daquilo em que os jornais o transformaram – violentador, estrangulador, comedor de crianças. Afastam-se de desconhecidos, que lhes dão rebuçados envenenados. Embora o vagabundo de Brueghel e o vagabundo de hoje sejam o mesmo, as crianças mudaram. Onde está sequer o vagabundo chaplinesco? Hoje o vagabundo anda furtivamente – toda a gente passou a ver filmes de polícias, os actuais heróis na TV.
Jack Kerouac, in Viajante Solitário