7.4.09

Pra não dizer que não falei das flores: caminhando e cantando/e seguindo a canção/somos todos iguais/ braços dados ou não

Caminhando… contra a ditadura



Caminhando … contra a «ricokracia» capitalista



Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores
Composição: Geraldo Vandré

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não...

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...

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SIMONE canta no lendário concerto «Canta Brasil» em 7 de Fevereiro de 1982,no estádio do Morumbim São Paulo, o tema Pra não dizer que não falei de flores - Caminhando

Nota: Simone Bittencourt de Oliveira nasceu duas vezes. A primeira, em 1949, num bairro de classe média de Salvador, na Bahia.A segunda, na noite de 7 de Fevereiro de 1982, no estádio do Morumbi, em São Paulo, quando ergueu um coro de 90.000 vozes na apoteose do show 'Canta Brasil', com a canção 'Caminhando' com as lágrimas nos olhos. Quando terminou de cantar, era mais uma estrela no céu.





Simone canta Pra não dizer que não falei de flores em Buenos Aires em 1985

Percorrendo a raia entre Portugal e Galiza de bicicleta ( 9 a 12 de Abril)

Nestas férias da Páscoa a AMAL (AGRUPAÇOM DE MONTANHA AUGAS LIMPAS ) propõe um percurso, a ser efectuado em bicicleta, pela fronteira gale-portuguesa, mais concretamente ao longo do rio Lima

A rota começa no local de nascimento do rio Lima, em Vilar de Bairro, e vai até à sua foz, em Viana do Castelo, ponto a partir do qual se seguirá pela costa atlântica ao encontro do rio Minho, prosseguindo depois até Tui.

Trata-se de um percurso fácil e cujo objectivo deliberado é sensibilizar para o uso da bicicleta como meio de viagem.

Descrição da rota: Sairemos desde o nascimento do Limia, e seguiremos o seu percurso primeiro pela Galiza e depois por Portugal, entrando no país vizinho pelo parque nacional da Peneda-Geres, exactamente pelo vale que separa as duas serras mais importantes do norte português.
Ainda na comarca galega da Limia, conheceremos a história da Lagoa de Antela e da sua desecaçom da voz das companheiras e companheiros do Centro Social Aguilhoar, com quem partilharemos a primeira etapa e a ceia do primeiro dia. Também visitaremos a Carvalha da Rocha, monumento natural senlheiro.
Em Portugal seguiremos o curso do Lima até Viana do Castelo, em parte por estrada e a partir de Ponte de Lima por umha eco-via que se estende por vários quilómetros à beira do rio. Atravessaremos a terra do vinho verde até que, já no Atlântico, começaremos a subir a costa para encontrar o Minho, que cruzaremos entrando novamente na Galiza até Tui.


Percurso:

- Saida: Quinta-Feira dia 9 de Abril, às 17:00 na Estação de Trem de Ourense (Empalme). Colheremos o trem às 17:25 que nos deixará em Vilar de Bairro às 18:10.
- Etapa 1 (Quinta-feira dia 9): Vilar de Barrio - Sainça (30 km)
- Etapa 2 (Sexta-feira dia 10): Sainça - Ponte de Lima (90 km)
- Etapa 3 (Sábado dia 11): Ponte de Lima - Tominho (60 km)
- Etapa 4 (Domingo dia 12): Tominho - Tui (15 km).
Dificuldade: Média-baixa. A rota discorrerá sempre ao nível do rio e do mar, pelo que não encontraremos pontos altos nem difíceis.

Informação e inscrições: enviar um e-mail ou telefonar ao meio-dia para o 988 24 45 51 (Miguel) ou escrevendo um e-mail (
aguaslimpas@gmail.com)

Para mais informaçom sobre o roteiro em bici consulta a nossa web:
http://www.aguaslimpas.blogspot.com/

A AGRUPAÇOM DE MONTANHA AUGAS LIMPAS (A.M.A.L.) é uma organização independentista de defesa da terra.
Toma o seu nome de um dos campamentos que o Exército Guerrilheiro do Povo Galego Ceive tinha nos Montes do Invernadoiro, no Maciço de Maceda.
A Terra galega comprende a actual Galiza administrativa e os territórios históricos orientais da Terra Návia-Eu, Vale de Íbias e Berzo, a Cabreira e a Seabra.
A defesa da Terra implica conhecer, sentir, respeitar, desfrutar e identificar-se com o nosso País, o seu povo e a sua cultura.
A defesa da Terra implica defender o direito das galegas e galegos a vivermos dignamente no nosso território, sem ingerências impostas desde fora.
A defesa da Terra implica viver e relacionar-se com outras pessoas e com a natureza longe dos parámetros do consumo, individualismo e depredaçom capitalistas.
A defesa da Terra implica construir umha comunidade de resistência que faça frente à violência e espólio sistemáticos que se exercem sobre os recursos naturais, económicos e identitários da Galiza.

A AGRUPAÇOM DE MONTANHA AUGAS LIMPAS tem como actividades:

Conhecimento e desfrute da nossa Terra.
Marchas e campamentos de montanha.
Conscientizaçom e denúncia das agressons sobre o nosso território.
As actividades desenvolvem-se em território galego. O funcionamento interno é assembleário, havendo responsáveis de distintas funçons e actividades.

Uns vão bem e outros mal, e Cantiga do desemprego: duas das canções inconfundíveis de Fausto

Advertência: a montagem visual dos vídeos que se reproduzem a seguir é completamente alheia a este blogue. Limitámo-nos a divulgar a música e as letras de um dos mais notáveis criadores da música popular portuguesa com o recurso ao material audiovisual disponível no you tube. O compromisso social e a qualidade da música de Fausto já há muito que mereciam uma presença neste blogue.




Uns vão bem e outros mal

Senhoras e meus senhores, façam roda por favor
Senhoras e meus senhores, façam roda por favor, cada um com o seu par
Aqui não há desamores, se é tudo trabalhador o baile vai começar
Senhoras e meus senhores, batam certos os pézinhos, como bate este tambor
Não queremos cá opressores, se estivermos bem juntinhos, vai-se embora o mandador
Vai-se embora o mandador
Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição
De velhas casas vazias, palácios abandonados, os pobres fizeram lares
Mas agora todos os dias, os polícias bem armados desocupam os andares
Para que servem essas casas, a não ser para o senhorio viver da especulação
Quem governa faz tábua rasa, mas lamenta com fastio a crise da habitação
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal
Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição
Tanta gente sem trabalho, não tem pão nem tem sardinha e nem tem onde morar
Do frio faz agasalho, que a gente está tão magrinha da fome que anda a rapar
O governo dá solução, manda os pobres emigrar, e os emigrantes que regressaram
Mas com tanto desemprego, os ricos podem voltar porque nunca trabalharam
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal
Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição
E como pode outro alguém, tendo interesses tão diferentes, governar trabalhadores
Se aquele que vive bem, vivendo dos seus serventes, tem diferentes valores
Não nos venham com cantigas, não cantamos para esquecer, nós cantamos para lembrar
Que só muda esta vida, quando tiver o poder o que vive a trabalhar
Segura bem o teu par, que o baile vai terminar
Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição


Fausto, in Madrugada dos Trapeiros, 1978





Cantiga do Desemprego

Fumo um cigarro deitado no mês de Janeiro.
Fecho a cortina da vida, espreguiço em Fevereiro.
E procuro trabalho nesta esperança de Março.
Já me farta tanto Abril e aquilo que não faço.
Espreito por um funil a promessa de Maio,
porque esperar o prometido, nessa já não caio.
Queimo os dias de Junho no sol quente de Julho.
Esfrego as mãos de contente num sorriso de entulho.
Para teu grande desgosto, janto contigo em silêncio
e lentamente esquecido, digo-te adeus em Agosto.
Meu Setembro perdido numa esquina que eu roço.
E penso em Outubro o menos que posso.
Mas quando sinto a verdade daquilo que cansa,
nunca houve vontade do tempo de andança.
E sinto força em Novembro, juro luta em Dezembro.
E sinto força em Novembro, juro luta em Dezembro

A música e as canções de Fausto


Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias nasceu a 26 de Novembro de 1948, no meio do Oceano Atlântico, entre Portugal e Angola, a bordo de um navio. Os seus primeiro 20 anos de vida são repartidos entre África e a Europa, mas é na antiga colónia portuguesa que passa grande parte da infância e adolescência. A sua aprendizagem musical inicia-se a partir de ritmos africanos que lhe foram transmitidos por um colega de escola no Huambo. Embora a cultura africana tenha sido um pilar na educação de Fausto, os valores da cultura portuguesa, sobretudo os da Beira Baixa (de onde a sua família é natural) estiveram sempre presentes na sua vida.
Musicalmente, Fausto considera-se um herdeiro fiel de músicos como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou Edmundo Bettencourt, no trabalho de renovação da música tradicional portuguesa.

O seu regresso definitivo a Portugal dá-se em 1968, coincidindo com o início dos seus estudos universitários. Em Lisboa, tem um primeiro contacto com o movimento da balada, iniciado por José Afonso, que lhe permitiu aprofundar a sua ligação às raízes tradicionais da música portuguesa.

Em 1969, a par de um activo desempenho no movimento associativo universitário, edita o seu primeiro álbum, de nome "Fausto", que lhe vale o Prémio Revelação atribuído pela Rádio Renascença. Apenas um ano depois, trava conhecimento com cantores e músicos da primeira linha do movimento renovador da música portuguesa, como Manuel Freire, Adriano Correia de Oliveira e o próprio José Afonso, com quem participa em vários espectáculos dentro e fora de Portugal.

Apesar das boas notas obtidas na Universidade, é chamado, em 1973, para cumprir o serviço militar. Esta interrupção, forçada e inesperada dos estudos, surge como represália da ditadura vigente às actividades políticas e associativas de Fausto. Apesar disso, o cantor recusa-se a comparecer no quartel a que tinha sido chamado e é então considerado refractário. Fausto passa os tempos seguintes no nosso país de forma discreta e clandestina.

Em 1974 (ainda antes do 25 de Abril) continua a preparar a edição de um segundo álbum intitulado "P'ró Que Der E Vier", gravado em Madrid. Após o 25 de Abril, segue-se um período de grande actividade política e cultural, com milhares de espectáculos por todo o país.

Fausto inicia então uma proveitosa actividade de arranjador e produtor para outros cantores. Em 1975, numa época socialmente conturbada, edita o seu terceiro álbum de originais com o sugestivo título "Um Beco Com Saída". Dois anos depois, mantendo em vista a preservação da identidade portuguesa, grava "Madrugada Dos Trapeiros", onde surgem pela primeira vez delineados os traços da nova Música Popular Portuguesa, num álbum que foi o seu primeiro editado em Espanha.
Em 1978, inicia um trabalho relacionado com a temática da diáspora e dos Descobrimentos, que será uma matéria recorrente ao longo da sua carreira. O quinto álbum, "Histórias De Viajeiros", editado no ano seguinte, inclui o tema "Peregrinações", baseado na obra de Fernão Mendes Pinto (e que acabou por ser incluído na banda sonora de uma peça de teatro da Comuna). Após esta edição, Fausto, remete-se a um primeiro período de silêncio.

Em 1982, edita "Por Este Rio Acima", o primeiro disco de uma triologia ainda por acabar dedicada à diáspora portuguesa. Três anos depois, é a vez de "O Despertar Dos Alquimistas", que propõe uma reflexão sobre o período que seguiu ao 25 de Abril e sobre a sua influência na transformação das mentalidades dos portugueses. Em 1987, segue-se "Para Além Das Cordilheiras", um reencontro actual dos portugueses com a velha Europa. Dois anos depois, surge com novo trabalho: "A Preto E Branco", um álbum que condensa todas as canções compostas por Fausto, durante o tempo que viveu em Angola. É a sua fase chamada "tropicalista".

A partir de 1989, remete-se a um segundo período de silêncio voluntário, agora de cinco anos, para trabalhar na composição de "Crónicas Da Terra Ardente", segundo disco da triologia sobre a diáspora portuguesa, que é editado apenas em 1994.

Em 1996, lança a dupla colectânea "Atrás Dos Tempos Vêm Tempos", que inclui 27 canções suas, agora regravadas, e que chega a Disco de Ouro por vendas superiores a 20 mil unidades.

Após alguns concertos de vulto, nomeadamente um em Belém a 8 de Julho de 1997, para celebrar os 500 anos da partida de Vasco da Gama para a Índia a convite da Comissão Nacional dos Descobrimentos Portugueses, edita em 1999 o seu mais recente trabalho: "Grande É A Viagem", gravação os concertos efectuados, nesse ano, no Centro Cultural de Belém.

Discografia
• Fausto (1970)
• Pró que der e vier (1974)
• Beco com saída (1975)
• Madrugada dos trapeiros (1977)
• Histórias de viajeiros (1979)
• Por este rio acima (1982)
• O Despertar dos alquimistas (1985)
• Para além das cordilheiras (1987)
• A preto e branco (1988)
• Crónicas da terra ardente (1994)
• A Ópera mágica do cantor maldito (2003)
Colectâneas
• O Melhor dos melhores (1994)
• Atrás dos tempos vêm tempos (1996)
• Grande grande é a viagem (ao vivo) (1999)
• 18 Canções de Amor e Mais Uma de Ressentido Protesto (2007)

Apresentação da vida e obra do cantor ao som de O barco vai de saída





Atrás dos tempos vêm tempos



Atrás dos tempos vêm tempos

Eu pego na minha viola
e canto assim esta vida a correr.
Eu sei que é pouco e não consola,
nem cozido à portuguesa há sequer.
Quem canta sempre se levanta,
calados é que podemos cair.
Com vinho molha-se a garganta
se a lua nova está para subir.

Que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir.

Eu sei de histórias verdadeiras,
umas belas e outras tristes de assombrar,
do marinheiro morto em terra
em luta por melhor vida no mar,
da velha criada despedida
que enlouqueceu e se pôs a cantar,
e do trapeiro da avenida
mal dormido se pôs a ouvir.

Que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir.

Sei de vitórias e derrotas
nesta luta que vamos vencer.
Se quem trabalha não se esgota
tem seu salário sempre a descer.
Olha a polícia, olha o talher,
olha o preço da vida a subir.
Mas quem mal faz por mal espere,
o tirano fez janela para fugir.

Que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir.

Mas esse tempo que há-de vir
não se espera como a noite espera o dia,
nasce da força que transpira
de braços e pernas em harmonia.
Já basta tanta desgraça
que a gente tem no peito a cair.
Não é do povo nem da raça
mas do modo como vês o porvir.
Que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir.


Fausto, in Madrugada dos Trapeiros, 1978

Carta de um Contratado (poema do escritor angolano anti-colonialista António Jacinto, dito por José Ramos)





Carta de um Contratado

Eu queria escrever-te uma carta
amor
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma cara
amor
uma carta de confidências íntimas
uma carta de lembranças de ti
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta
amor
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta
amor
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor
uma carta que te levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levasse puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor...

Eu queria escrever-te uma carta...
Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!

António Jacinto do Amaral Martins (1924-1991), poeta angolano, ganhou reconhecimento através de sua poesia de protesto. Devido à sua militância política anti-colonialista e de base marxista, foi exilado no Campo de Concentração de Tarrafal, em Cabo Verde, no período de 1960 a 1972. Voltou para Angola em 1973, e se juntou ao MPLA [Movimento Popular de Libertação da Angola]. Com a independência do país frente à colonização portuguesa em 1975, foi nomeado Ministro da Educação e Cultura, cargo que ocupou até o ano de 1978.

A Macdonaldização da Antena 2 (texto de Mário Vieira de Carvalho, com um necessário aditamento)


Consultar o excelente blogue: http://nossaradio.blogspot.com/



A 'macdonaldização' da Antena 2


«Carecemos de uma esfera pública mais forte e dinâmica e com maior incidência em questões de cultura. Como explicar, por isso, o retrocesso na missão de serviço público da RTP/RDP através da Antena 2 - um retrocesso que remonta a 2003?
Antes de mais, a Antena 2 tem de fixar o seu público-alvo, que não pode ser o mesmo de uma rádio generalista. Tem de estimular aquilo a que poderíamos chamar a literacia da escuta e definir, a partir daí, uma estratégia de alargamento da sua audiência. Mas não se pode ganhar mais pessoas para a literacia, se se começa por promover a iliteracia.
Eis, precisamente, o que se passa com a música. Assiste-se a um recuo histórico da sua presença na Antena 2 e, portanto, na esfera pública. Deixou de haver em Portugal uma rádio que cultive realmente a integridade da escuta musical. Só por excepção se consegue ouvir uma sinfonia ou uma sonata completas. O andamento desgarrado de um quarteto de cordas é transmitido com o mesmo à-vontade caprichoso e arbitrário, a mesma falta de escrúpulos, o mesmo alvar "porreirismo" com que se apresentaria ao ouvinte a estrofe desgarrada de um soneto. A programação começa logo por pressupor o enfado do ouvinte, a sua incapacidade de concentração, ou simplesmente a sua preferência pelo 'entertainer' (locutor) a pretexto da música. Exclui-se, ao mesmo tempo, um tipo de ouvinte muito comum: o que mergulha subliminarmente no discurso ininterrupto da música enquanto se ocupa de outras coisas. Um modo de percepção que não impede que a música se entranhe e se reconstrua no seu todo, deixando intactas no subconsciente as associações que permitem depois reconhecê-la e antecipá-la no seu desenrolar - a base da literacia da escuta.
"Vibrato", "Baile de máscaras", "Boulevard", etc., que preenchem manhãs e tardes inteiras, são nomes diferentes para a mesma receita: a dos antigos "serões para trabalhadores". Coisas truncadas, mutiladas, aligeiradas, abreviadas... para "o Outro inferior". Música a metro, ou a retalho, leiloada a pataco - "quatro minutos" deste, "três minutos" daquele -, como quem propusesse "20cm x 10cm" de tal ou tal tela pintada. O alinhamento espartilhado em "horas" impõe o tempo burocrático ao tempo musical. Para uma sinfonia de Mahler, só cortando as "extremidades"...
Amordaçada, estropiada, a linguagem da música deixa de falar por si. Mal a gente mergulha no universo do indizível, logo a palavra irrompe, banal e intrusiva, liquidando a experiência musical. Bombardeiam-nos com comentários fúteis ou pormenores pitorescos, observações a despropósito, erros, imprecisões... A pseudo-abertura à comunicação informal esconde o défice de profissionalismo. Nunca houve tantos profissionais da música e da musicologia em Portugal, e nunca a Antena 2 teve tão poucos deles nos seus quadros!... A programação planificada cede o lugar à improvisação atabalhoada. Por isso, se recuou também no aproveitamento das novas possibilidades oferecidas pela Internet.
Salvo os programas ou apontamentos de divulgação assinados por colaboradores com créditos firmados, a Antena 2 transformou-se numa rádio de apartes, de 'spots' publicitários, de reclames a música que não chega a ser difundida. Os ouvintes que se contentem com as amostras. Se querem mais, que comprem o CD.
Mas, qualquer dia, nem isso. A iliteracia vicia. Como os hamburguers. Acaba-se o gosto pela música, e resta apenas a frequência aditiva do 'fast food' musical. A obesidade da mente.»
(Mário Vieira de Carvalho, in "Público", 13.12.2008)


A este texto de um ex-governante há que fazer um breve mas imprescindível aditamento que fomos buscar, e mais abaixo reproduzimos, ao blogue
A Nossa Rádio:


«(...) O Prof. Mário Vieira de Carvalho foi, até há poucos meses, governante, mais concretamente secretário de Estado da Cultura. Nesta conformidade, eu não posso deixar de lhe formular esta pergunta: o que fez o Prof. Mário Vieira de Carvalho, quando esteve no Governo, com vista à resolução dos problemas da Antena 2, que, como muito bem diz, não começaram agora? Poderá dar-me uma resposta nestes termos: «Não me cabia a mim resolver esses problemas porque a rádio pública não estava sob a minha tutela, mas do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, e, em última análise, do Primeiro-Ministro, Eng.º José Sócrates.» Sim, isso é verdade, mas enquanto membro do Governo, e à luz do princípio da subsidiariedade que deve reger as relações entre titulares de cargos governamentais, nada nem ninguém o impedia de solicitar uma audiência ao Sr. Primeiro-Ministro para lhe apresentar a questão ou, pelo menos, de pedir à titular da pasta ministerial a que pertencia, a Prof.ª Isabel Pires de Lima, para levar o assunto ao Conselho de Ministros. Fez alguma dessas coisas? É claro que agora, enquanto cidadão já livre de responsabilidades governamentais, o Prof. Mário Vieira de Carvalho faz muito bem em se manifestar publicamente, mas de uma coisa não se livra: a de ser acusado de ter pecado por omissão quando se encontrava no seio do Poder (retiro o que disse se, acaso, faz alguma daquelas diligências e não lhe deram ouvidos).
Bem, os problemas da Antena 2 estão identificados e os responsáveis pela sua existência também são conhecidos: Rui Pêgo e João Almeida.

Se perante o estado crítico a que as coisas chegaram, a administração da Rádio e Televisão de Portugal continuar impávida e serena, fazendo de conta que tudo está bem, e mantendo a confiança em indivíduos que já mostraram à saciedade que não têm a competência nem a idoneidade cultural que o serviço público pressupõe, então resta apelar à intervenção do Poder Político. A fim de evitar a crescente desqualificação do canal clássico/cultural da rádio pública e não se caia numa situação tão degradada que quando finalmente lhe quiserem acudir já seja tarde demais. »


Antena 2:
http://tv1.rtp.pt/antena2/