Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias nasceu a 26 de Novembro de 1948, no meio do Oceano Atlântico, entre Portugal e Angola, a bordo de um navio. Os seus primeiro 20 anos de vida são repartidos entre África e a Europa, mas é na antiga colónia portuguesa que passa grande parte da infância e adolescência. A sua aprendizagem musical inicia-se a partir de ritmos africanos que lhe foram transmitidos por um colega de escola no Huambo. Embora a cultura africana tenha sido um pilar na educação de Fausto, os valores da cultura portuguesa, sobretudo os da Beira Baixa (de onde a sua família é natural) estiveram sempre presentes na sua vida.
Musicalmente, Fausto considera-se um herdeiro fiel de músicos como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou Edmundo Bettencourt, no trabalho de renovação da música tradicional portuguesa.
O seu regresso definitivo a Portugal dá-se em 1968, coincidindo com o início dos seus estudos universitários. Em Lisboa, tem um primeiro contacto com o movimento da balada, iniciado por José Afonso, que lhe permitiu aprofundar a sua ligação às raízes tradicionais da música portuguesa.
Em 1969, a par de um activo desempenho no movimento associativo universitário, edita o seu primeiro álbum, de nome "Fausto", que lhe vale o Prémio Revelação atribuído pela Rádio Renascença. Apenas um ano depois, trava conhecimento com cantores e músicos da primeira linha do movimento renovador da música portuguesa, como Manuel Freire, Adriano Correia de Oliveira e o próprio José Afonso, com quem participa em vários espectáculos dentro e fora de Portugal.
Apesar das boas notas obtidas na Universidade, é chamado, em 1973, para cumprir o serviço militar. Esta interrupção, forçada e inesperada dos estudos, surge como represália da ditadura vigente às actividades políticas e associativas de Fausto. Apesar disso, o cantor recusa-se a comparecer no quartel a que tinha sido chamado e é então considerado refractário. Fausto passa os tempos seguintes no nosso país de forma discreta e clandestina.
Em 1974 (ainda antes do 25 de Abril) continua a preparar a edição de um segundo álbum intitulado "P'ró Que Der E Vier", gravado em Madrid. Após o 25 de Abril, segue-se um período de grande actividade política e cultural, com milhares de espectáculos por todo o país.
Fausto inicia então uma proveitosa actividade de arranjador e produtor para outros cantores. Em 1975, numa época socialmente conturbada, edita o seu terceiro álbum de originais com o sugestivo título "Um Beco Com Saída". Dois anos depois, mantendo em vista a preservação da identidade portuguesa, grava "Madrugada Dos Trapeiros", onde surgem pela primeira vez delineados os traços da nova Música Popular Portuguesa, num álbum que foi o seu primeiro editado em Espanha.
Em 1978, inicia um trabalho relacionado com a temática da diáspora e dos Descobrimentos, que será uma matéria recorrente ao longo da sua carreira. O quinto álbum, "Histórias De Viajeiros", editado no ano seguinte, inclui o tema "Peregrinações", baseado na obra de Fernão Mendes Pinto (e que acabou por ser incluído na banda sonora de uma peça de teatro da Comuna). Após esta edição, Fausto, remete-se a um primeiro período de silêncio.
Em 1982, edita "Por Este Rio Acima", o primeiro disco de uma triologia ainda por acabar dedicada à diáspora portuguesa. Três anos depois, é a vez de "O Despertar Dos Alquimistas", que propõe uma reflexão sobre o período que seguiu ao 25 de Abril e sobre a sua influência na transformação das mentalidades dos portugueses. Em 1987, segue-se "Para Além Das Cordilheiras", um reencontro actual dos portugueses com a velha Europa. Dois anos depois, surge com novo trabalho: "A Preto E Branco", um álbum que condensa todas as canções compostas por Fausto, durante o tempo que viveu em Angola. É a sua fase chamada "tropicalista".
A partir de 1989, remete-se a um segundo período de silêncio voluntário, agora de cinco anos, para trabalhar na composição de "Crónicas Da Terra Ardente", segundo disco da triologia sobre a diáspora portuguesa, que é editado apenas em 1994.
Em 1996, lança a dupla colectânea "Atrás Dos Tempos Vêm Tempos", que inclui 27 canções suas, agora regravadas, e que chega a Disco de Ouro por vendas superiores a 20 mil unidades.
Após alguns concertos de vulto, nomeadamente um em Belém a 8 de Julho de 1997, para celebrar os 500 anos da partida de Vasco da Gama para a Índia a convite da Comissão Nacional dos Descobrimentos Portugueses, edita em 1999 o seu mais recente trabalho: "Grande É A Viagem", gravação os concertos efectuados, nesse ano, no Centro Cultural de Belém.
Discografia
• Fausto (1970)
• Pró que der e vier (1974)
• Beco com saída (1975)
• Madrugada dos trapeiros (1977)
• Histórias de viajeiros (1979)
• Por este rio acima (1982)
• O Despertar dos alquimistas (1985)
• Para além das cordilheiras (1987)
• A preto e branco (1988)
• Crónicas da terra ardente (1994)
• A Ópera mágica do cantor maldito (2003)
Colectâneas
• O Melhor dos melhores (1994)
• Atrás dos tempos vêm tempos (1996)
• Grande grande é a viagem (ao vivo) (1999)
• 18 Canções de Amor e Mais Uma de Ressentido Protesto (2007)
•
Apresentação da vida e obra do cantor ao som de O barco vai de saída
Atrás dos tempos vêm tempos
Atrás dos tempos vêm tempos
Eu pego na minha viola
e canto assim esta vida a correr.
Eu sei que é pouco e não consola,
nem cozido à portuguesa há sequer.
Quem canta sempre se levanta,
calados é que podemos cair.
Com vinho molha-se a garganta
se a lua nova está para subir.
Que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir.
Eu sei de histórias verdadeiras,
umas belas e outras tristes de assombrar,
do marinheiro morto em terra
em luta por melhor vida no mar,
da velha criada despedida
que enlouqueceu e se pôs a cantar,
e do trapeiro da avenida
mal dormido se pôs a ouvir.
Que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir.
Sei de vitórias e derrotas
nesta luta que vamos vencer.
Se quem trabalha não se esgota
tem seu salário sempre a descer.
Olha a polícia, olha o talher,
olha o preço da vida a subir.
Mas quem mal faz por mal espere,
o tirano fez janela para fugir.
Que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir.
Mas esse tempo que há-de vir
não se espera como a noite espera o dia,
nasce da força que transpira
de braços e pernas em harmonia.
Já basta tanta desgraça
que a gente tem no peito a cair.
Não é do povo nem da raça
mas do modo como vês o porvir.
Que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir.
Fausto, in Madrugada dos Trapeiros, 1978