6.10.08

Orações Capitalistas, por Paul Lafargue


Credo

Creio no Capital que governa a matéria e o espírito;

Creio no Lucro, seu filho legítimo, e no Crédito, o Santo Espírito, que dele procede e é adorado conjuntamente;

Creio no Ouro e na Prata que, torturados na Casa da Moeda, fundidos no cadinho e batidos na balança, reaparecem ao mundo como Moeda legal e que, consideradas demasiado pesadas, depois de terem circulado sobre toda a terra, descem às caves do Banco para ressuscitar como Papel-moeda; creio na Renda a cinco por cento, a quatro e a três por cento igualmente e na Cotação autêntica dos valores; creio no Grande Livro da Dívida Pública, que garante o Capital contra riscos do comércio, da indústria e da usura; creio na Propriedade individual, fruto do trabalho dos outros, e na sua duração até ao fim dos séculos; creio na Eternidade do Assalariamento que desembaraça o trabalhador das preocupações com a propriedade; creio no Prolongamento da jornada de trabalho e na Redução dos salários e também na Falsificação dos produtos; creio no dogma sagrado: COMPRAR BARATO E VENDER CARO; e igualmente creio nos princípios eternos da nossa muito santa igreja, a Economia política oficial.

Amém.



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Oração dominical

Capital nosso que estais neste mundo, Deus todo-poderoso, que altera o curso dos rios e fura as montanhas, que separa os continentes e une as nações, criador das mercadorias e fonte de vida, que comanda os reis e os súbditos, os patrões e os assalariados, que vosso reino se estabeleça sobre toda a terra;

Dai-nos muitos compradores que adquiram nossas mercadorias, tanto as más como as boas;

Dai-nos trabalhadores miseráveis que aceitem sem revolta todos os trabalhos e contentem-se com o mais vil salário;

Dai-nos tolos que creiam em nossos prospectos;

Fazei com que nossos devedores paguem integralmente suas dívidas [1] e que o banco desconte nossos papeis;

Fazei com que Mazas [2] não se abra jamais para nós e afastai-nos da falência;

Concedei-nos rendimentos perpétuos.

Amém

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[1] O Padre nosso dos cristãos, redigido por mendicantes e vagabundos para pobres diabos esmagados por dívidas, pedia a Deus a remissão das dívidas: dimite nobis debita nostra, diz o texto latino. Mas quando proprietários e usurários se converteram ao cristianismo, os pais da igreja traíram o texto primitivo e traduziram impudentemente debita por pecados, ofensas. Tertuliano, doutor da Igreja e rico proprietário, que sem dúvida possuía créditos sobre uma multidão de pessoas, escreveu uma dissertação sobre a Oração dominical e sustenta que era preciso entender a palavra dívidas no sentido de pecados, as únicas dívidas que os cristãos absolvem. A religião do Capital, progredindo em relação à religião católica, devia reclamar o pagamento integral das dívidas pois o crédito é a alma das transacções capitalistas.
[2] Mazas: nome de uma prisão francesa no século XIX.
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Paul Lafargue é o autor de "Direito à preguiça" e de "A religião do capital", genro de Marx, 1842-1911. Estes textos estão contidos em "A religião do capital", livro de 1887.
A obra completa (63 páginas, em francês) pode ser descarregada no sítio web da Universidade de Quebec .


Tradução encontrada em

Entrevista ao Jornal de Notícias de Jorge Valadas, autor do livro «A Memória e o Fogo»


"É a podridão que mantém o regime"

Jorge Valadas, ensaísta português radicado em França que viveu por dentro o Maio de 68, traça um retrato impiedoso e polémico do século XX nacional em "A memória e o fogo"


O conformismo não encontra lugar na vida e na obra de Jorge Valadas, autor do recente ensaio "A memória e o fogo" (edição Letra Livre), uma incursão desassombrada pelo século XX português.

Nascido em Lisboa há 63 anos, exilou-se em Paris após ter desertado da Guerra Colonial. Desde 1972 tem publicado vários ensaios de índole libertária nos quais a inquietação está sempre presente, como em "O tigre de papel" e "Crónicas portuguesas" (assinados com o pseudónimo de Charles Reeve). Reside entre Paris, Nova Iorque e Tavira.

Analisando o seu percurso, há uma palavra que nos ocorre: insubmissão. As convenções nada lhe dizem?

Não possuo património genético de insubmissão, mas carrego um património cultural dos meus anos de adolescência no salazarismo tardio, sistema opressor e asmático. Como outros, fui o produto dessa dinâmica. Hoje onde estão os que partilharam essa dignidade ? Algures… Poucos, os mais visíveis mediaticamente, venderam o que melhor havia neles para aceitarem a normalização, em nome do sacrossanto realismo democrático.

À distância de 40 anos, como vê o Maio de 68, em que participou?

Há que fazer uma revelação: o Maio de 68 ainda não acabou, ou melhor, está ainda para vir! Foi um movimento de subversão dos valores e das hierarquias, criado pela vibração da vida quotidiana. Foi um desejo de um mundo novo, de viver de uma outra maneira. Nada a ver com reivindicações quantitativas negociáveis. Em Maio de 68 não me lembro de ter uma única vez olhado para o relógio. Era um presente intenso e que durava.

Optou por uma profissão - electricista - que não lhe manietasse a independência crítica. Foi uma escolha ditada pela consciência?

As circunstâncias lá me levaram. A deserção, o exílio, a recusa de optar pelo estatuto de refugiado político, controlado pela Polícia francesa... Enfim, a necessidade de trabalhar para sobreviver. O ofício de electricista deu-me a prova quotidiana que todo o trabalho manual é também trabalho intelectual. Para conceber e realizar uma instalação, o canalizador deve ter capacidades de abstracção e síntese que não são assim tão afastadas das de um universitário banal. Também percebi que o trabalho dito manual me mantinha o espírito livre e motivado para pensar outras questões. Assim foi.

A leitura do nosso século XX em "A memória e o fogo" distancia-se, pela crueza, do que estamos habituados a encontrar. A história social lusitana ainda é ignorada?

Se a minha leitura é assim tão insólita, isso levanta outra questão: por que razão esta história é evitada fora de alguns círculos confidenciais, universitários e outros? Tenho para mim que este silêncio faz parte da obra de reconstrução de um passado conveniente e desinfectado. A que Ministério Público convém que se saiba que houve em Portugal, nos primeiros quartéis do século XX, um forte movimento anarco-sindicalista, portador de um projecto utópico de igualdade social e universalista?

No livro, afirma que "a vida actual carrega um passado em ruínas". A tendência actual acentuar-se-á no futuro?

A fase actual do capitalismo caracteriza-se pela extracção de lucros fenomenais que são orientados para os sectores especulativos, alimentando redes corruptas. Onde funciona, o neoliberalismo significa o empobrecimento das sociedades, com uma riqueza cada vez mais concentrada. Lê-se hoje nos jornais que, em Portugal, 35% dos pobres é gente que trabalha! Precisa de explicação?

A arrogância atribuída às principais forças políticas é um resquício do passado?

As necessidades políticas do neoliberalismo requerem um controlo cada vez mais apertado de sociedades onde as desigualdades aumentam. Por exemplo, o PS renascido dos anos salazaristas ganhou o seu lugar ao sol, não na luta contra o Antigo Regime mas na sua acção contra as tendências radicais. É o partido do 25 de Novembro de 1975. Esta génese marca o partido e os seus 'aparatchiks' até aos dias da corte do vice-rei Sócrates.

Alguns dos problemas que aponta a Portugal são extensivos à realidade europeia, mais a sua "democracia mercantil". Os burocratas de Bruxelas são um óbice ao desenvolvimento e justiça social?

A Europa é este espaço capitalista que a queda do Muro de Berlim impôs como necessidade dos centros do capitalismo. Não foi difícil convencer o pessoal das terrinhas da periferia que a sua conversão em europeus ia trazer-lhes vantagens.

As tentativas de manipulação acontecem todos os dias. Ainda embarcamos em futebóis e esquecemo-nos do essencial?

O patriotismo efémero do futebol é uma última bóia de salvação num país que se afoga. Mais do que um resíduo do sebastianismo, essa histeria exprime algo de mais concreto, de mais real e imediato, a compensação de um grande vazio, a consciência que se vive numa sociedade que já não tem os meios de existir na forma clássica de Estado-Nação. Reduzida a um golfe para ricos rodeado de subúrbios feios, tristes e cinzentos. Não é manipulação, é desespero de uma sociedade sem fôlego que não acredita em nada.

Acredita que o regime irá cair de podre?

Não sou determinista e a política do pior não me convém. Mas é inegável que a vida política é um campo de podridão. Hoje, sem corrupção e especulação não há municípios, não há políticos, não há Estado. Os regimes mantêm-se de pé porque são podres. Cabe a cada um recusar as regras do jogo, não o praticar. Investir as energias e os desejos fora desse campo contaminado, em todas as actividades colectivas e individuais onde ainda se manifestem os valores do tal futuro que mostrou a cara em Maio de 68, no desejo de uma outra vida.

Terra e Liberdade - o filme de Ken Loach ( na 3ª feira, dia 7,às 22h, na Casa-Viva)




Land and Freedom ( Terra e Liberdade)
3ª feira , 7 setembro às 22h00
entrada livre

Casa-Viva
Praça marquês de pombal, 167 - no Porto

Land and Freedom, de Ken Loach (ficção)


Na Primavera de 1936, David, um jovem comunista desempregado de Liverpool, decide juntar-se às brigadas internacionais que lutavam com os republicanos contra o fascismo na guerra civil espanhola. Acaba a lutar ao lado da milícia do POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista) e participa directamente no processo revolucionário catalão. Com o fim da aliança entre comunistas e anarquistas, o idealismo de David é severamente posto à prova.

Esta obra de Ken Loach é uma adaptação do famoso diário de luta de George Orwell, Homenagem à Catalunha, onde, pela primeira vez fora de Espanha, se desmistificou o papel do Partido Comunista espanhol naquela que foi a maior e mais importante batalha ideológica do século XX na Europa.

Iniciativa e programação:
www.cinemacomunitario.blogspot.com

Ciclo de cinema italiano (de 9 a 29 de Outubro no cine-estúdio do teatro do Campo Alegre)


Ciclo de Cinema Italiano
De 9 a 29 de Outubro de 2008

No Cine-Estúdio do Teatro do Campo Alegre

SENTIMENTO Luchino Visconti M/12Q - Quinta, 09 Outubro
O LEOPARDO Luchino Visconti M/12Q - Sexta, 10 Outubro
A DOCE VIDA Federico Fellini M/12 - Sábado, 11 Outubro
AMARCORD Federico Fellini M/12 - Domingo, 12 Outubro
FELLINI 8 E 1/2 Federico Fellini M/12 - Segunda, 13 Outubro
DECAMERON Pier Paolo Pasolini M/16Q - Terça, 14 Outubro
CONTOS DE CANTERBURY Pier Paolo Pasolini M/16Q - Quarta, 15 Outubro
AS MIL E UMA NOITES Pier Paolo Pasolini M/16Q - Quinta, 16 Outubro
BLOW UP - HISTÓRIA DE UM FOTÓGRAFO - Michelangelo Antonioni M/12 - Sexta, 17 Outubro
PROFISSÃO: REPÓRTER Michelangelo Antonioni M/12Q - Sábado, 18 Outubro
O ÚLTIMO TANGO EM PARIS Bernardo Bertolucci M/18 - Domingo, 19 Outubro
O MONSTRO Roberto Benigni M/12 - Segunda, 20 Outubro
ABRIL Nanni Moretti M/12 - Terça, 21 Outubro
APAIXONADAS Tonino de Bernardi M/16 - Quarta, 22 Outubro
RESPIRO Emanuele Crialese M/12 - Quinta, 23 Outubro
A JANELA EM FRENTE Ferzan Ozpetek M/12 - Sexta, 24 Outubro
A MELHOR JUVENTUDE (parte 1) Marco Tullio Giordana M/12 - Sábado, 25 Outubro
A MELHOR JUVENTUDE (parte 2) Marco Tullio Giordana M/12 - Domingo, 26 Outubro
CANTANDO POR DETRÁS DAS CORTINAS Ermanno Olmi M/12Q - Segunda, 27 Outubro
BOM DIA, NOITE, Marco Bellocchio M/12 - Terça, 28 Outubro
O ODOR DO SANGUE Mário Martone M/16 - Quarta , 29 Outubro

Preço Único - 3,50€ Sessões às 18h30 e 22h00