14.5.09

FATAL (10º Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa, de 5 a 29 de Maio)


Entre 5 e 29 de Maio, Lisboa recebe, pelo décimo ano, o maior Festival de Teatro Universitário do país, este ano com o selo de qualidade do Ano Europeu da Criatividade e Inovação. É no Teatro A Comuna e noutros locais da capital, que o FATAL se volta a mostrar à cidade, contando nesta edição com José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, e Manoel de Oliveira, reconhecido realizador de cinema na Comissão de Honra, entre outras individualidades da Cultura nacional.

Durante 20 noites subirão ao palco cerca de 20 espectáculos de 20 grupos de teatro universitário de Portugal, mas também, numa clara aposta de internacionalização, grupos de Espanha, França, Alemanha e Brasil. Para além dos espectáculos apresentados no Teatro A Comuna, as performances e os espectáculos site specific continuam a espalhar por toda a cidade, a diversidade, inovação e criatividade que caracterizam o teatro universitário. Após cada apresentação, as tertúlias, com presença de individualidades da Academia e das Artes do Espectáculo, são um convite ao público para falar do que viu, constituindo-se como sempre num espaço de opinião e crítica.

Mas o FATAL é muito mais que teatro! É um espaço híbrido de entrecruzamento de saberes. Passando pela formação, pelas artes plásticas, pela fotografia e pela pintura são muitas as propostas da programação paralela. Destaque para a Masterclass com o dramaturgo, encenador e especialista em commedia dell’arte Nicolo Carlo Boso; para os Workshops de Dramaturgia, com José Maria Vieira Mendes, Fotografia de Teatro e Tradução; para a exposição de fotografia Fatalidades II, no IPJ de Moscavide, Memórias GTL, na Faculdade de Letras, FATAL – Pintura em Cena e FATAL Folio, no Teatro da Comuna; para as instalações urbanas de artes plásticas, com obras de alunos e docente da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, dispersas pelo campus da Universidade de Lisboa.

O FATAL encerra em Festa com a entrega dos Prémios FATAL, atribuídos pelo júri presidido pelo actor Ruy de Carvalho, dia 29 de Maio, no Teatro A Comuna, às 22 horas.

Este ano, o segundo número da Revista FATAL, vai destacar os 10 anos de Festival, continuando a sua missão de espaço de reflexão e divulgação do teatro universitário e das artes performativas.


Entre 5 e 24 de Maio, os espectáculos e as performances vão transformar Lisboa na capital do Teatro. O FATAL está aí; exposições, instalações urbanas e workshops já começaram a fazer a cidade vibrar.


Festival Programação

-Apresentação Pública
-13 Noites 13 Peças
-Tertúlias
-Performances
-Conferências
-Workshops
-Masterclasses
-Instalações Urbanas
-Cerimónia de Entrega de Prémios
-Festa FATAL


Espectáculos e actividades para a 2ª semana do Festival:


Um dos agraciados com uma Menção Honrosa em 2008, o GTIST, apresenta no FATAL 2009 Agora o Monstro, a partir de Enki Bilal. É hoje 14 de Maio (5ª feira), às 21h30, que o grupo apresenta o trabalho encenado por Gustavo Vicente.

Na 6ª feira, dia 15 de Maio, às 21h30, o Teatro da Comuna recebe o Sótão, com o espectáculo Isto Não É, a partir de Sergei Belbel e Luísa Costa Gomes e encenado por Jorge Alonso.

Dia 16 de Maio, Sábado, a partir das 21h30, o CITAC, vencedor do Prémio FATAL Cidade de Lisboa 2008, leva a cena Reality Show, uma criação colectiva encenada por Vvoitek Ziemilski.
No Domingo, dia 17 de Maio, às 17 horas, o palco pertence ao Théâtre dell’Arte, de França. Com texto e encenação de Carlo Boso, apresentam Scaramuccia.

Para além dos espectáculos no Teatro da Comuna, a segunda semana do FATAL 2009 completa-se, no coração da cidade, com as performances a menina do megafone, pelo grupo bozart, a acontecer na Faculdade de Belas Artes, no dia 14 de Maio, às 23h e Um, Ninguém e Cem Mil, de 14 a 16 de Maio, 23h, no Bar Funicular (Bairro Alto) e o Workshop de Dramaturgia com José Maria Vieira Mendes, no Goethe Institut, de 11 a 14 de Maio.

Elogio das revoluções ( texto de Serge Halimi, publicado em mais uma excelente edição portuguesa do Le Monde Diplomatique)



Duzentos e vinte anos depois de 1789, o corpo da Revolução ainda mexe. Apesar de François Mitterrand ter convidado Margaret Thatcher e Joseph Mobutu para confirmarem o seu enterro, aquando das cerimónias do bicentenário. E porque esse ano das comemorações foi também o da queda do Muro de Berlim, Francis Fukuyama anunciou o «fim da história», ou seja, a eternidade da dominação liberal exercida sobre o mundo e o encerramento, a seu ver, do parêntesis revolucionário. Mas a crise do capitalismo está de novo a abalar a legitimidade das oligarquias no poder. O ar está agora mais ligeiro, ou mais pesado, segundo as preferências. Aludindo «aos intelectuais e artistas que apelam à revolta», o diário Le Figaro mostrou-se desolado: «François Furet parece ter-se enganado: a Revolução Francesa não terminou» [
1].

No entanto, como muitos outros, o historiador em questão não se poupou a esforços para esconjurar a lembrança da Revolução e para que as tentações se afastassem dela. Outrora considerada expressão de uma necessidade histórica (Marx), de uma «nova era da história» (Goethe), de uma epopeia encetada pelos soldados do Ano II cantados por Victor Hugo – «E víamos marchar os soberbos maltrapilhos nesse mundo deslumbrado» –, dela já se mostrava apenas o sangue que tinha nas mãos. De Rousseau a Mao, uma utopia igualitária, terrorista e virtuosa, teria espezinhado as liberdades individuais, parido o gélido monstro do Estado totalitário. Depois, a «democracia», voltando a sentir-se senhora de si, vencera – jovial, pacífica, de mercado. Também ela herdeira de revoluções, mas de uma outra espécie, à inglesa ou à americana, mais políticas do que sociais, «descafeinadas» [2].

Em Inglaterra também tinham decapitado um rei. Mas, como a resistência da aristocracia ali fora menos vigorosa do que em França, a burguesia, para assentar o seu domínio, não sentiu necessidade de fazer uma aliança com o povo. Nos meios favorecidos, um tal modelo, sem maltrapilhos nem revolucionários radicais, parecia mais distinto e menos arriscado do que o outro. Assim sendo, Laurence Parisot, presidente do patronato francês, não traiu o sentimento dos seus constituintes ao confidenciar a um jornalista do Financial Times: «Adoro a História de França, mas não gosto muito da Revolução. Foi um acto de extrema violência, de que ainda hoje padecemos. Obrigou cada um de nós a situar-se num determinado campo». Acrescentando: «Nós não praticamos a democracia com tanto sucesso como a Inglaterra» [3].

É pois uma lamentável polarização social isso de as pessoas se «situarem num campo», porque todos deveriam, pelo contrário, mostrar-se solidários com a sua empresa, com o seu patrão, com a sua marca – nunca saindo, é claro, cada qual do seu lugar. O que a revolução tem de mais errado, para quem a encara com maus olhos, não é a violência, fenómeno tristemente banal na história – é uma outra coisa, infinitamente mais rara: a convulsão da ordem social que irrompe ao ocorrer uma guerra entre ricos e proletários. Em 1988, em busca de um argumento de grande peso, o presidente George Herbert Bush admoestou assim o seu adversário democrata, Michael Dukakis, um tecnocrata perfeitamente inofensivo: «O que ele quer é dividir-nos em classes. Isso é bom para a Europa, mas não existe na América». Classes, na América! Imagine-se o horror de semelhante acusação! Vinte anos depois, quando o estado da economia americana parecia impor sacrifícios tão desigualmente repartidos como os benefícios que os haviam antecedido – um verso da Internacional reclama que «o ladrão restitua pela força aquilo de que se apoderou de forma indevida»… –, o actual ocupante da Casa Branca considerou urgente neutralizar a fúria popular: «Uma das lições mais importantes a tirar desta crise é que a nossa economia só funciona se estivermos todos unidos. (…) Não podemos dar-nos ao luxo de ver um demónio em cada investidor ou empresário que tenta obter lucros» [4]. Contrariamente ao que afirmam alguns dos seus adversários republicanos, Barack Obama não é um revolucionário…

«A revolução é antes de mais nada uma ruptura. Quem não aceite esta ruptura com a ordem estabelecida, com a sociedade capitalista, não pode aderir ao Partido Socialista.» Assim falava François Mitterrand em 1971. Desde então, as condições de adesão ao Partido Socialista (PS) francês tornaram‑se menos draconianas, visto não repugnarem ao director‑geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss‑Kahn, nem ao da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy. A ideia de uma revolução também refluiu por outras bandas, inclusive nas formações mais radicais. O que levou a direita a apoderar‑se da palavra, aparentemente ainda portadora de esperança, para a transformar num sinónimo de restauração, de aniquilamento das protecções sociais conquistadas, ou arrancadas, à «ordem estabelecida».

Censura‑se, contudo, a violência das grandes revoluções. Há quem se choque, por exemplo, com o massacre dos guardas suíços na altura da tomada das Tulherias, em Agosto de 1792, ou com o da família imperial russa, em Julho de 1918, em Ekaterinburgo, ou com a liquidação dos oficiais do exército de Chang Kai‑Chek, após a tomada do poder pelos comunistas chineses em 1949. Nesse caso, teria sido melhor não haverem anteriormente ocultado as fomes do Antigo Regime sobre o pano de fundo dos bailes em Versalhes ou do dízimo que os padres extorquiam; as centenas de manifestantes pacíficos de Petrogrado massacrados pelos soldados de Nicolau II, num certo «domingo vermelho» de Janeiro de 1905; os revolucionários de Cantão e de Xangai atirados vivos, em 1927, para dentro das caldeiras das locomotivas. Sem falar das violências quotidianas exercidas pela ordem social que outrora se pretendia derrubar.

O episódio dos revolucionários queimados vivos não marcou apenas quem se interessa pela história da China, é conhecido dos milhões de leitores do romance de André Malraux, A Condição Humana. Porque, durante décadas, os maiores escritores e os maiores artistas formaram um conjunto indissolúvel com o movimento operário, celebrando as revoluções, os amanhãs que cantam. Inclusive – é certo – menorizando as decepções, as tragédias, as lívidas madrugadas (polícia política, culto da personalidade, nepotismo familiar, campos de trabalho, execuções).

Em contrapartida, desde há trinta anos, só se fala disso; é mesmo recomendado a quem queira ter êxito na universidade e na imprensa, ou para brilhar na Academia. «Quem diz revolução, diz irrupção da violência», assevera Max Gallo. «As nossas sociedades são extremamente frágeis. A maior responsabilidade de quem tem acesso à palavra pública é advertir contra essa irrupção. » [
5] François Furet, por seu lado, considerava que qualquer tentativa de transformação radical era totalitária ou terrorista, que «a ideia de uma outra sociedade tornou‑se quase impensável». Sendo pois esta a sua conclusão: «Estamos condenados a viver no mundo em que vivemos» [6].
Não é difícil imaginar que um tal destino correspondia às expectativas dos seus leitores, em geral protegidos das tormentas por uma existência agradável de jantares e de debates.
A fobia às revoluções e o seu corolário, a legitimação da ordem estabelecida, encontraram muitos outros retransmissores, além de Max Gallo e François Furet. Basta pensarmos nas opções dos media, incluindo o cinema. Desde há trinta anos, os media pretenderam demonstrar que fora da democracia liberal só havia regimes tirânicos e conivência entre eles. A importância dedicada ao Pacto Germano‑Sovietico foi pois muito maior do que a atribuída a outras alianças contranatura, como os Acordos de Munique e o aperto de mão de Adolf Hitler e Neville Chamberlain. O nazi e o conservador comungavam, pelo menos, no ódio às frentes populares. Esse mesmo medo de classe inspirou os aristocratas de Ferrara e os donos da siderurgia da região do Ruhr, quando favoreceram a ascensão ao poder de Mussolini e do III Reich [
7]. Ainda será permitido lembrar estas coisas?

Nesse caso, podemos ir mais longe… Embora Léon Blum tenha teorizado com clamor a sua rejeição de uma revolução de tipo soviético, classificada por um dos seus amigos como «blanquismo com molho tártaro», essa figura socialista, tão respeitada pelos professores de virtude, reflectiu sobre os limites de uma transformação social cujo único talismã seria o sufrágio universal. «Não estamos muito seguros», preveniu ele em 1924, «de que os representantes e dirigentes da sociedade actual não saiam eles próprios da legalidade quando os seus princípios essenciais lhes parecerem muito gravemente ameaçados». Com efeito, desde então, as transgressões desse género não têm faltado, do pronunciamento de Franco em 1936 ao golpe de Estado de Augusto Pinochet em 1973, sem esquecer o derrube de Mohammad Mossadegh no Irão, em 1953. Sublinhava então o dirigente socialista que «nunca a República foi proclamada em França pela virtude de um voto legal, exprimido segundo as formas constitucionais. Ela sempre foi estabelecida, contra a legalidade existente, pela vontade do povo insurrecto» [8].
Evitar as restaurações conservadoras oriundas do saber

Deste modo, o sufrágio universal, agora invocado para desqualificar as outras formas de intervenção colectiva (entre as quais as greves nos serviços públicos, assimiladas a sequestros de reféns), teria passado a ser o princípio e o fim de toda a acção política. Mas as questões que Léon Blum levantou a este respeito não envelheceram nada: «Será hoje (o sufrágio universal) uma realidade plena? Não pesará sobre os eleitores a influência do patrão e do proprietário, juntamente com as pressões das forças do dinheiro e da grande imprensa? Será todo o eleitor livre no sufrágio que exprime, livre pela cultura do seu pensamento, livre pela independência da sua pessoa? Para o libertar, não será justamente necessária uma revolução» [9] Murmura‑se agora, todavia, que o veredicto das urnas fez abortar, em três países europeus – Holanda, França e Irlanda –, as pressões conjugadas do patronato, das forças do dinheiro e da imprensa. Mas, precisamente por isso, esse veredicto não foi tido em conta…

«Perdemos todas as batalhas, mas éramos nós que tínhamos as mais belas canções.» Esta declaração, cujo autor terá sido um combatente republicano espanhol que procurou refúgio em França após a vitória de Franco, resume à sua maneira o problema dos conservadores e da sua lancinante pedagogia da submissão. Ditas estas coisas simplesmente, as revoluções deixam na história e na consciência humana um vestígio indelével, inclusive quando falharam, inclusive quando foram aviltadas. Com efeito, elas incarnam o momento, tão raro, em que a fatalidade se subleva, em que o povo ganha vantagem. Daí a sua ressonância universal. Porque, cada qual à sua maneira, os amotinados do Potemkin, os sobreviventes da Longa Marcha ou os barbudos da Sierra Maestra ressuscitaram o gesto dos soldados do Ano II, esse gesto que levou o historiador britânico Eric Hobsbawm a dizer que «a Revolução Francesa revelou a força do povo de uma forma que nunca nenhum governo pôde dar‑se ao luxo de esquecer – quanto mais não seja por terem de se lembrar do improvisado exército de recrutas que venceu, sem preparação militar, a poderosa coligação constituída pelas mais experimentadas tropas de elite das monarquias europeias» E [10].

Não se trata apenas de uma «lembrança»: o vocabulário político moderno e metade dos sistemas jurídicos existentes no mundo inspiram‑se no Código que a Revolução Francesa inventou. Quem pensar no «terceiro‑mundismo» da década de 1960 bem pode perguntar‑se se uma parte da sua popularidade na Europa não terá vindo da sensação de reconhecimento (no duplo sentido da palavra) que ele fez nascer. De facto, o ideal revolucionário das Luzes, igualitário e emancipador, pareceu renascer no Sul, em parte graças a vietnamitas, argelinos, chineses e chilenos que tinham passado pelo Velho Continente.

Nesse tempo, o Império empastava‑se, antigas colónias revezavam‑se, a revolução prosseguia. A situação actual é diferente. A emancipação da China ou da Índia, a sua afirmação na cena internacional, suscitam aqui e ali curiosidade e simpatia, mas não remetem para nenhuma esperança «universal», ligada, por exemplo, à igualdade, ao direito dos oprimidos, a um outro modelo de desenvolvimento, à preocupação de evitar as restaurações conservadoras oriundas do saber e da distinção.

Se é maior o entusiasmo internacional que a América Latina suscita, é porque ali a orientação política se revela simultaneamente democrática e social. Desde há vinte anos, uma certa esquerda europeia tem justificado a prioridade que atribui às solicitações das classes médias teorizando o fim do «parêntesis revolucionário», o apagamento político das camadas populares. Ora, pelo contrário, os governantes da Venezuela ou da Bolívia mobilizam de novo estas últimas provando‑lhes que a sua existência é tida em conta, que o seu destino histórico não está encerrado, que, em suma, a luta continua.

Por mais desejáveis que continuem a ser, as revoluções são raras. Elas pressupõem, ao mesmo tempo, uma massa de descontentes prontos a agir, um Estado cujas legitimidade e autoridade são contestadas por uma fracção dos seus defensores habituais (devido à sua imperícia económica, à sua incúria militar ou a divisões internas que o paralisam e desmembram) e, por último, a preexistência de ideias radicais que ponham em causa a ordem social, extremamente minoritárias à partida mas às quais poderão apegar‑se todas as pessoas cujas antigas crenças ou lealdades se dissolveram [11].

A historiadora norte‑americana Victoria Bonnell estudou os operários de Moscovo e São Petersburgo nas vésperas da Primeira Guerra Mundial. Como se trata do único caso em que este grupo social foi o actor mais importante de uma revolução «bem sucedida», merece ser referida a sua conclusão: «O que caracteriza a consciência revolucionária é a convicção de que as queixas só podem ser satisfeitas transformando as instituições existentes e estabelecendo uma outra organização social» [12]. Ou seja, essa consciência não surge de forma espontânea, sem uma mobilização política e uma ebulição intelectual prévias.

Tanto mais que em geral, e é a isso que actualmente assistimos, as exigências dos movimentos sociais começam por ser defensivas, desejando restabelecer um contrato social que consideram ter sido violado pelos patrões, pelos proprietários de terras, pelos banqueiros, pelos governantes. Ficam na ordem do dia o pão, o trabalho, a habitação, a escolaridade, um projecto de vida – não (ainda) um «futuro radioso», apenas «a imagem de um presente liberto dos seus aspectos mais dolorosos» [13]. Só depois, quando se torna manifesta a incapacidade dos dominantes para cumprir as obrigações que legitimam o seu poder e os seus privilégios, é por vezes levantada a questão, extravasando os círculos militantes, de saber «se os reis, os capitalistas, os padres, os generais e os burocratas continuam a ter utilidade social» [14]. Pode então falar‑se de revolução. Podendo a transição de uma etapa para a outra ocorrer rapidamente – dois anos em 1789, uns meses em 1917 – ou nunca acontecer.

Desde há quase dois séculos, milhões de militantes políticos ou sindicais, de historiadores e sociólogos, têm examinado as variáveis que determinam esse desenlace. Está a classe dirigente dividida e desmoralizada? Está o seu aparelho repressivo intacto? Estão as forças sociais que aspiram à mudança organizadas e capazes de se entenderem? Curiosamente, onde estes estudos têm sido mais abundantes é nos Estados Unidos, onde muitas vezes se tratou de compreender as revoluções, de admitir todos os seus contributos, para esconjurar melhor a sua pavorosa perspectiva.

Mas a fiabilidade desses estudos tem‑se revelado… aleatória. Em 1977, por exemplo, a maior preocupação era ali a «ingovernabilidade» das sociedades capitalistas. Surgindo, por contraste, esta pergunta: por que motivo é a URSS tão estável? Neste último caso, sucediam‑se as explicações: preferência dos dirigentes e da população soviética pela ordem e pela estabilidade; socialização colectiva fortalecedora dos valores do regime; natureza não cumulativa dos problemas a resolver, podendo assim o partido único ter campo de manobra; bons resultados económicos que contribuíam para a estabilidade desejada; melhoria do nível de vida; estatuto de grande potência; etc. [15]. Já então imensamente célebre, o politólogo Samuel Huntington, da Universidade de Yale, concluía da seguinte maneira essa enxurrada de índices concordantes: «Nenhum dos desafios previstos para os próximos anos parece ser qualitativamente diferente daqueles a que o sistema soviético já conseguiu dar resposta» [16].
Todos sabemos o que veio depois…

Notas
[
1] Le Figaro, Paris, 9 de Abril de 2009.
[
2] «Em suma, o que a sensibilidade liberal exige é uma revolução descafeinada, uma revolução que não tenha o sabor da revolução», resume Slavoj Zizek em Robespierre: entre vertu et terreur, Stock, Paris, 2008, p. 10.
[
3] Financial Times Magazine, Londres, 7‑8 de Outubro de 2006.
[
4] Conferência de imprensa de 24 de Março de 2009.
[
5] Le Point, Paris, 25 de Fevereiro de 2009.
[
6] François Furet, Le Passé d’une illusion, Robert Laffont/Calman‑Levy, 1995, p. 572 (O Passado de uma Ilusão, Presença, Lisboa, 1996).
[
7] Em 1970, este assunto foi abordado pelos realizadores Vittorio de Sica (Il giardino dei Finzi‑Contini, O Jardim dos Finzi‑Contini) e Luchino Visconti (La caduta degli dei, Os Deuses Malditos).
[
8] Léon Blum, «L’idéal socialiste», La Revue de Paris, Maio de 1924.
[
9] Ibid.
[
10] ric J. Hobsbawm, Aux armes, historiens. Deux siècles d’histoire de la Révolution française, La Découverte, Paris, 2007, p. 123 (Ecos da Marselhesa. Dois Séculos Revêem a Revolução Francesa, Companhia das Letras, São Paulo, 1996).
[
11] Ler Jack A. Goldstone, Revolution, Wadsworth Publishing, Belmont (Califórnia), 2002, e Theda Skocpol, States and Social Revolutions, Cambridge University Press, 1979.
[
12] Victoria Bonnell, The Roots of Rebellion. Workers’ Politics and Organizations in St. Petersburg and Moscow, 1900‑1914, University of California Press, Berkeley, 1984, p. 7.
[
13] Barington Moore, Injustice. The Social Bases of Obedience and Revolt, Sharpe, White Plains (Nova Iorque), 1978, p. 209.
[
14] Ibidem, p. 84.
[
15] Cf. Seweryn Bialer, Stalin’s Successors. Leadership, Stability, and Change in the Soviet Union, Cambridge University Press, 1977.
[
16] Samuel Huntington, «Remarks on the Meaning of Stability in the Modern Era», Seweryn Bialer e Sophia Sluzar (ed.), Radicalism in the Contemporary Age. 3 – Strategies and Impact of Contemporary Radicalism, Westview Press, Boulder (Colorado), 1977, p. 277.
Sumário do mês de Maio da edição em português do Le Monde Diplomatique:
«Elogio das revoluções» (Serge Halimi)

COMO NASCEM AS REVOLUÇÕES (dossiê)
«Conflito e consenso» (Sandra Monteiro)
• «Geopolítica da efervescência» (Michael T. Klare)
• «O sonho indestrutível de um mundo melhor»» (Alain Gresh)
• «A classe média chinesa quer sobretudo estabilidade» (Jean-Louis Rocca)
• «A América Latina que assume o confronto» (Maurice Lemoine)
• «Em 1789, subversivos contra vontade» (Laurent Bonelli)
• «O movimento social asfixiado pelo jogo político» (Anne-Cécile Robert)
• «Contestação para consumo das classes cultivadas» (Pierre Rimbert)

EUROPA, PORTUGAL: O FRACASSO DO NEOLIBERALISMO
• «Fracasso da teologia neoliberal europeia, constrangimento no combate à crise em Portugal» (Carlos Santos)
• «As debilidades da resposta europeia à crise económica» (Ricardo Paes Mamede)

• «DOC_EUROPA» (Sérgio Tréfaut)

PRECARIEDADE EM PORTUGAL
• «O tempo contra os trabalhadores: a economia material e o trabalho temporário» (José Nuno Matos)

DESIGUALDADES EM PORTUGAL
• «Risco e desigualdades sociais» (Ana Delicado)
• Infografia (A.D.)

FMI
• «A terceira vida do FMI» (Arnaud Zacharie)
• «Direitos de saque especiais» (A.Z.)

ISRAEL: «ERA LIEBERMAN»
• «Os palestinianos de Israel, reféns da extrema-direita» (Joseph Algazy e Dominique Vidal)
• «Beduínos esquecidos do Naqab» (J.A.)
• «Algumas datas, alguns números» (J.A.)

BALCÃS
• «Entre Pristina e Tirana, a “Grande Albânia”?» (Jean-Arnault Dérens e Laurent Geslin)
• Cartografia (Philippe Rekacewicz)

A CRISE VISTA DA UCRÂNIA
• «A revolta dos operários de Kherson» (Mathilde Goanec)
• «Confrontos de topo» (M.G.)
• Cartografia (Philippe Rekacewicz)

EM DEBATE
• «O que pode ser um “New Deal verde”» (Peter Custers)
• «O primeiro teste da presidência de Obama» (P.C.)

AMBIENTE E MEDIA
• «A complexa urgência de salvar o mundo» (Pedro Almeida Vieira)
• «Lóbis e controvérsias» (P.A.V.)

CULTURA
• «A tradução como leitura (e inversamente)» (Alberto Manguel)

ESCRITOS DO MÊS
• Bem Lewis, Foice & Martelo (recensão crítica de Fernando Ramalho)
• José Ricardo Carvalheiro, Do Bidonville ao Arrastão: Media, Minorias e Etnicização (recensão crítica de José Mapril)
• André Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira, Para uma Melhoria da Representação Política. A Reforma do Sistema Eleitoral (recensão crítica de Conceição Pequito Teixeira)
• Jonathan Nossiter, Mondovino. Gosto e Poder no Mundo do Vinho (recensão crítica de Nuno

Patxi Andion em digressão por Figueira da Foz (ontem), Lisboa ( 14/5), Porto (15/5) e Guarda (16/5), canta El Maestro ( o professor )

O motivo para a digressão em Portugal ( de onde o cantor foi expulso pela PIDE por duas vezes durante a ditadura) é o novo cd "Porvenir". Patxi Andion é um grande cantautor espanhol de voz rouca, veia contestatária e invulgar sensibilidade. Das duas primeiras vezes que tentou cantar em Portugal, a PIDE foi pô-lo à fronteira. Mas à terceira, conseguiu. Foi a 24 de Março de 1974, com o Coliseu dos Recreios de Lisboa superlotado, um mês exacto antes do 25 de Abril.
Hoje, passados quase quarenta anos, diz o cantautor: "O mundo, para um criador que tem uma preocupação social como eu, é hoje mais complicado. Quando comecei a fazer canções o mundo era muito mais simples, mais esquemático. Mas agora, na aparente riqueza da sociedade de consumo, onde temos mais coisas mas sobretudo coisas materiais, coisas com um valor limitado, temos menos tempo e menos liberdade. Pagamos caro, para ter esses bens materiais. Por isso há hoje menos gente com preocupações sociais."

Digressão em Portugal:
13 de Maio Figueira da Foz (CAE)
14 de Maio Lisboa (Cinema São Jorge)
15 de Maio Porto (Casa da Musica)
16 de Maio Guarda (Teatro Municipal)


El Maestro (professor)
Vídeo com imagens do filme "La lengua de las mariposas", dirigida por Jose Luis Cuerda e protagonizada por Fernando Fernán Gómez, com a canção de "El maestro", de Patxi Andion que nos fala do perigo que constitui para a ordem pública o professor, a quem o Presidente da Cãmara pensa que é comunista, o pároco o considera ateu, e o chefe da guarda o acusa de ser anarquista.


El Maestro, de Patxi Andion

Con el alma en una nube
y el cuerpo como un lamento
viene el problema del pueblo,
viene el maestro.

El cura cree que es ateo,
y el alcalde comunista,
y el cabo jefe de puesto
piensa que es un anarquista.
Le deben treinta y seis meses
del cacareado aumento
y él piensa que no es tan malo
enseñar toreando un sueldo.
En el casino del pueblo
nunca le dieron asiento
por no andar politiqueando
ni ser portavoz de cuentos.

Las buenas gentes del pueblo
han escrito al ministerio
y dicen que no está claro
cómo piensa ese maestro.
Dicen que lee con los niños
lo que escribió un tal Machado
que anduvo por estos pagos
antes de ser exiliado.

Les habla de lo innombrable
y de otras cosa peores,
les lee libros de versos
y no les pone orejones.
Al explicar cualquier guerra
siempre se muestra remiso
por explicar claramente
quién venció y fue vencido.
Nunca fue amigo de fiestas
ni asiste a las reuniones
de las damas postulantes,
esposas de los patrones.

Por estas y otras razones
al fin triunfó el buen criterio
y al terminar el invierno
le relevaron del puesto.
Y ahora las buenas gentes
tienen tranquilo el sueño
porque han librado a sus hijos
del peligro de un maestro.

Con el alma en una nube
y el cuerpo como un lamento
se marcha el padre del pueblo,
se marcha el maestro.




Palabras


20 Aniversario-Palabras

20 años de estar juntos,
esta tarde se han cumplido,
para ti, flores, perfumes.
Para mí.......! Algunos libros!
No te he dicho grandes cosas
porque, porque no me habrían salido.
Ya sabes cosas de viejos!
Requemor de no haber sido!
Hace tiempo que intentamos
abonar nuestro destino,
tú bajabas la persiana,
yo, yo apuraba mi último vino.
Hoy, en esta noche fría,
casi como ignorando el sabor
de soledad compartida,
quise hacerte una canción,
para cantar despacito,
como se duerme a los niños.
Y... y ya ves, sólo palabras
sobre notas me han salido,
que al igual que tú y que yo,
ni se importan, ni se estorban,
se soportan amistosas,
mas, mas no son.....no son una canción.
Que helada que está esta casa!
Será que está cerca el río!
O es que entramos en invierno
y están llegando......están llegando
los fríos!



VERDE (Cancion dedicada a Federico Garcia Lorca
)







Uno, dos y tres


Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera pa mi calle es
Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera para el rastro es

Esto es el rastro señores
vengan y anímense
que aquí estamos nosotros
somos Papa Noel
Le vendemos barato
con el precio en inglés
somos todo lo honrados
que uste quiera creer

Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera pa mi calle es
Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera para el rastro es

Se revenden conciencia
recompramos la piel
nos vendemos de cara
le compramos a usted
y si quiere dinero
se lo damos también
usted lo da primero
y nosotros después

Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera pa mi calle es
Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera para el rastro es

Si usted quiere ser macho
le dejamos vencer
y si usted regatea
nos dejamos la piel
usted salva su facha
delante su mujer
y al final si podemos
la engañamos también

Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera pa mi calle es
Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera para el rastro es

Si usted busca pilcheo
le mercamos la ja
si diquela y es mangui
le dejamos junar
si no pucha en caliente
le jamamos el bies
los gallumbos, los calcos
y envidamos tres

Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera pa mi calle es
Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera para el rastro es

Si usted quiere engañarnos
nos dejamos en en
usted salva su ego
y nosotros la piel
Usted se va contento
y nosotros ya vé
nos pagamos la cena
con el ego de usted

Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera pa mi calle es
Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera para el rastro es

Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera pa mi calle es
Una, dos y tres
una, dos y tres
lo que usted no quiera para el rastro es