28.6.05

Todas as flores artificiais do mundo plástico não valem um lírio dos campos

Castro Laboreiro, 17 de Julho de 1976

Como um clínico que assiste impotente à agonia de um moribundo, a sentir-lhe o pulso a apagar-se lentamente debaixo do polegar aflito, assim eu acompanho há anos a progressiva degradação desta terra, que preservou séculos a fio, inalteráveis, sacrossantos valores humanos e sociais, e hoje quase só pode garantir, a quem a visita, a pureza e autenticidade do ar que respira e da água que bebe. Tudo o mais se abastardou. O carácter das construções e dos trajes, a sobriedade da alimentação, o tipismo das falas, as práticas agro-pastoris. Foi aqui, em Vilarinho das Furnas e em Rio de Onor que vi pela primeira vez ao natural criaturas de Deus na sua plenitude livre e solidária. E - já que Vilarinho das Furnas desapareceu do mapa, engolida por uma albufeira – é em Rio de Onor e Castro Laboreiro que o meu comunitarismo impenitente mergulha as raízes. Teimo, portanto, nestas visitas, mesmo de progressivo desencanto. Tenho como verdade de fé que o homem há-de acabar por reagir contra a massificação planetária em que vai embarcado. A razão e o instinto hão-de acabar por dizer-lhe que todas as flores artificiais do mundo plastificado não valem um lírio dos campos, que todas as químicas laboratoriais não valem a fermentação de um carro de estrume, que todos os apitos imperativos do progresso não valem o som cordial de um chocalho. Nessa hora redentora, que não deve tardar – e, quanto mais tarde, pior – estes santuários serão redescobertos, reconstruídos e dignificados. Daí que eu sofra mas não desanime a vê-los desmoronar. A minha esperança está nos alicerces.

Miguel Torga, in Diário XII

A Não-Violência

«As populações têm na não-violência uma arma que permite a uma criança, a uma mulher ou mesmo a um velho sem forças resistir e derrubar o mais poderoso dos governos»
Gandhi


A VIOLÊNCIA

- é um desperdício estúpido de vidas humanas, de muitos recursos da inteligência, e muitas vezes, da enorme riqueza da vida vegetal e mineral que deveriam ser conservadas

- é elitista, pois gera hierarquias disciplinadas de especialistas, que seguem um lógica própria, difícil de controlar. Além disso, a violência privilegia os jovens e os saudáveis ( normalmente, os homens)

- é mistificante, porque normalmente manipula as emoções, utilizando expedientes, truques, mentiras, hinos, bandeiras, medalhas, uniformes, veneração de heróis, tendo quase sempre uma veneração reverencial à arma, supremo símbolo da violência.

- é perturbadora da personalidade, uma vez que encoraja atitudes de agressão, levando as pessoas a tratar dos outros como objectos a remover ou eliminar, tal como num jogo se tratasse

- é corruptora e auto-perpetua-se, originando a sua própria espiral de paranóia, fugindo a qualquer controle político

- é sexista, já que tem sido praticada, historicamente, pelos homens

-é injusta, porquanto tende à vitória do mais forte, e não do mais justo



A NÃO-VIOLÊNCIA

- é humana, porque utiliza sobretudo as qualidades que só a espécie humana possui

- é subversiva, porque mina a legitimidade das instituições vigentes que se mantêm pela força ( por definição, o Estado tem o monopólio da violência), ataca as fontes de poder, não respeitando as normas sociais impostas, e permite a mobilização de outros valores sociais, estranhos a todas as formas de dominação

- é um método civilista, uma vez que pressupõe a politização e a consciencialização da população, baseando-se na bravura física e na força de vontade das pessoas, permitindo a participação popular de todos, e não só dos mais aptos, nem apenas dos especialistas

- é voluntária, já que nos métodos de não-violência as pessoas não são recrutadas obrigatoriamente, nem pela pura propaganda, nem a disciplina é mantida pelo medo

- é radical, porquanto os seus métodos envolvem incentivos à consulta e participação da maior parte da população, constituindo uma pré-figuração das sociedades mais livres.

- ajusta-se a todas as comunidades, não sendo necessário o recurso e o investimento a tecnologias, a máquinas nem a indústrias que são característica da civilização ocidental tecno-burocrática

- restringe e inibe a violência descontrolada e a fuga dos conflitos para fora do controle político das populações

- é dignificante, já que só depende da vontade de afirmação das pessoas e da sua recusa em abdicar dos seus argumentos, considerados os mais justos


Conclusão: A não-violência é, portanto, muito mais do que uma táctica útil e pragmática. Na realidade, a não-violência promove activamente a participação popular e a criação de estruturas descentralizadas. Para além disso, supõe a mobilização das consciências e das energias individuais e colectivas para novas formas de relacionamento, opostas às relações de dominação, à violência e à exploração, típicas das sociedades hierarquizadas e estratificadas como é a actual sociedade capitalista