24.4.06

Semana sem televisão ( 24 a 30 de Abril)




O TV-B-Gone é o terror do homem-Tv

O TV-B-Gone é o terror do Homer Simpson


Um activista anti-TV inventou um dispositivo de controle remoto (TV-B-Gone) que permite de forma anónima, e sem pedir licença a ninguém, desligar os aparelhos de televisão que se encontram nos espaços públicos e centros comerciais.

As acções dos activistas anti-TV têm mais a ver com objectivos de saúde mental do que com fins simplesmente de carácter político ao defenderem o desaparecimento ou a secundarização da TV como razão de vida de muitos dos cidadãos telespectadores espalhados pelos quatro cantos do mundo. Um dos métodos de acção directa preferidos pelos activistas anti-TV – e dos mais eficazes – é desligarem os aparelhos de televisão que se encontrarem nos espaços públicos graças a um dispositivo técnico inventado.
Mitch Altman, um engenheiro electrónico de Sillicon Valley, na Califórnia, e defensor do uso social da tecnologia, inventou há cerca de dois anos o TV-B-Gone ( em português, «a TV foi-se») que consiste num dispositivo de controle remoto universal ( que dá para todos os aparelhos e marcas) mediante o qual é possível apagar qualquer tipo de aparelho de TV situado num raio de 17 metros com um simples botão de carregar. Com esta «bomba», os activistas anti-TV cometem os seus «atentados» em espaços públicos como cafés, restaurantes, bares, aeroportos, etc. «Hoje os aparelhos de TV estão por todo o lado, acesos, independentemente de haver pessoas a vê-los ou não. Basta um minuto para pensar nos efeitos que este poderoso media tem hoje em dia na nossa vida diária.», diz Altman que se vê a si próprio como alguém que ajudou com a sua invenção a levar a paz a alguns lares. Confessa que já não TV desde 1980 e que tal lhe permitiu já usufruir algumas boas horas de bem-estar de que estaria privado se tivesse continuado a possuir televisão em casa. Altman, que tem o seu próprio website (
http://www.tvbgone.com/) onde é feita a divulgação da sua invenção, que é distribuída comercialmente quer nos Estados Unidos quer na Europa, não esconde a sua satisfação: «O TV-G-Gone» dá-te a possibilidade de teres algum poder sobre aqueles milhares de aparelhos que enxameiam o nosso espaço público visual».

Todos ao anos realiza-se a nível internacional um iniciativa com a designação genérica de «TV turn-off week» («A semana sem televisão») que defende a ideia de que a nossa qualidade de vida seria muito melhor sem a presença ( e intromissão) do pequenos ecrãs nas nossas casas, assim como nos espaços públicos por onde passamos no dia-a-dia. A iniciativa foi desencadeada com base em estudos realizados que indicam que a televisão aumenta a depressão, a ansiedade e diminui a auto-estima. Está também provado que aumenta a demência e a obesidade; já para não falar do facto das crianças que estiverem mais expostas à TV serem habitualmente mais propensas à violência ( segundo estimativas feitas, só nos Estados Unidos e Reino Unidos haverá cerca de 18 mil «tele-assassinos» em idade escolar). E, ainda que não custe a reconhecer que nem toda a TV é má, o certo é cada telespectador que passe 4 ou 5 horas por dia a ver televisão, como nos mostram os recentes inquéritos sobre os hábitos televisivos, perderá 10 anos da sua vida sentado no sofá a fitar o aparelho de televisão!!!
Os contestatários da televisão afirmam que não actuam contra a televisão em si mesma. Trata-se de uma tecnologia útil que não desaparecerá tão cedo. Pretendem apenas sensibilizar um cada vez maior número de pessoas para mudarem os seus hábitos, além de preconizarem a criação de espaços públicos sem televisão.
Recorde-se, por exemplo, que nos Estados Unidos o canal de programas infantis Nickelodeon decidiu certo dia ( 2 de Outubro de 2004) cancelar a sua programação habitual durante 3 horas, e limitar-se a transmitir ao longo dessas horas um cartaz onde se convidava os seus telespectadores a aproveitar esse tempo livre para actividades recreativas. Esse caso serve de exemplo para o que se pretende com uma iniciativa internacional como é a «TV turn-off» ( televisão desligada) e que decorre todos os anos na última semana do mês de Abril ( em 2006, de 24 a 30 de Abril).
Mais do que acções que firam a susceptibilidade dos teledependentes o que se pretende é levar a cabo acções de carácter persuasivo. Convencer os donos dos restaurantes de que a presença da TV nos seus estabelecimentos, em vez de atrair clientes, tem justamente o efeito contrário, poderia ser um bom exemplo de uma acção que se enquadra nos objectivos desta «semana sem televisão». Mas, no fundo, o que se pretende é passar a mensagem de que viver sem a televisão constitui uma experiência de vida libertadora, divertida e até mesmo enriquecedora.
Não se trata, pois, de aferir se existem bons ou maus programas, ou se a programação televisiva tem estas ou aquelas características. Não, nada disso. O que se trata é de constatar que a televisão é uma verdadeira indústria e, como tal, cabe-lhe oferecer produtos fantasiosos e cativar a maior audiência possível, uma vez que o êxito dessa indústria se mede em quantos minutos da nossa vida ela consegue roubar. Actualmente, por exemplo, nos Estados Unidos e no Reino Unido o número de horas que em média cada pessoa passa a ver televisão cifra-se em cerca de 4 horas/dia, isto é, metade do tempo em que não se está a dormir e a trabalhar. Uma dose diária excessiva, sem dúvida, que gera efeitos devastadores para uns mas que representa para outros um grande negócio. Na verdade, quando o aparelho de televisão não te diz o que deves comprar, nem o que deves pensar, nem o que deves sentir, então é quando ele te está a convencer a não mudares de canal, e a não perderes mais este episódio.
Há alguns anos atrás um dos activistas anti-TV, David Burke, realizou uma perfomance pública em Londres - em nome da White Dot, organização inglesa que organiza no Reino Unido a semana sem TV - colocando uma grande televisão à frente da abadia de Westminster com uma legenda « White Dot says GET A LIFE» ( White Dot diz-te para que tenhas uma vida), enquanto lia uma carta ao príncipe Carlos a pedir para não permitir a transmissão por televisão do acto da sua futura coroação. Esta acção teve reprcussão na grande imprensa e permitiu que a semana sem televisão fosse notícia dos jornais principais.

O dispositivo TV-B-Gone permite, além do mais, o desencadeamento imediato de um debate/discussão no próprio local em que a acção decorrer, o que tem vantagens acrescidas. O TV-B-Gone corresponde a mil flyers ao suscitar uma reflexão e debate público, quase que espontaneamente.

Se valorizarmos a nossa liberdade, o mínimo que nos cabe fazer é questionarmos porque é que estamos a ver televisão.
Na realidade, uma poderosa indústria não cessa em gastar milhões de euros para produzir programas e transmitir publicidade que não visam senão seduzir e manipular os seus destinatários. E não são poucos os que passam horas inteiras a ver televisão, absorvendo cada minuto aquelas fascinantes imagens, num autêntico bombardeamento visual que tem precisamente como alvo o próprio telespectador passivo.
Convidar as pessoas a questionarem a presença excessiva, e até abusiva, da TV no seu dia-a-dia, e convidá-la a tirarem melhor proveito do seu tempo de vida é, no essencial, o objectivo primeiro de iniciativas como a da
«Semana sem Televisão».
Enjoy it

Tradução e adaptação de um texto de autoria de Leonardo Oliva, publicado no nº 24 da revista The Ecologist, versão em castelhano.

Mais info sobre o TV-B-Gone: aqui


Sobre a conexão entre a televisão e a obesidade ler: aqui





Mais info sobre a iniciativa «TV-turn off week»:
wwv-turnoff.org/

A televisão no Árctico (!!!) e os seus efeitos catastróficos!


Ao longo do livro « Quatro argumentos para acabar com a televisão» é possível encontrar muitos exemplos do impacte da televisão nas culturas nativas e o tipo de visões do mundo matizadas que não se prestam a serem representadas por este meio de comunicação. Dez anos depois de acabar de redigir o livro tive ocasião de tomar contacto directo com o chamado processo de homogeneização cultural a que me referi, quando visitei uma comunidade de indígenas que tinham acabado de ver pela primeira vez uma televisão. O que observei confirmou plenamente a ideia de como esse meio de comunicação pode transformar negativamente uma cultura, reconfigurando-a de forma a adptá-la ao mundo industrial das grandes empresas.

Fui convidado pela Associação de Mulheres Nativas dos territórios do Noroeste do Canadá para visitar as aldeias mais a norte dos índios dene e dos inuit (esquimós) precisamente quando a recepção de televisão acabava de ser possível naqueles longínquos territórios. Tudo se passou nos meados da década de 1980. Aqueles territórios eram uma região muito remota, descrita como «terra baldia, vazia e despovoada», perto do círculo árctico. Para começar, o território referido, longe de estar «vazio», possui cerca de 26 comunidades nativas de nómadas itinerantes ( num total de 22.000 pessoas) que vivem dispersas ao longo dos lagos, bosques, e, a norte, da tundra. Na maior parte dos casos, estas comunidades haviam conservado a sua economia tradicional e as suas práticas culturais: a pesca através do gelo, a caça com tiro, com cães e armadilhas. Viviam em casas comunitárias, feitas de troncos de madeira para várias famílias que compartilhavam o trabalho. Nesses locais, as temperaturas baixam a -30º e a estação de Verão era muito pequena. As precipitações eram de tal modo escassas que a região se considera desértica. Esses povos iam sobrevivendo, aparentemente, com alegria, desde há mais de 5 mil anos, até que chegou a televisão.

Segundo a Associação de Mulheres Nativas logo que chegou a televisão as coisas começaram a mudar. O governo canadiano tinha insistido junto destas comunidades para que aceitassem a sua oferta grátis de instalação de televisão por satélite, admitindo que a sua intenção era para que os indígenas se sentissem mais canadianos. Acontece que a descoberta de novas jazidas de petróleo nos territórios mais a noroeste requeria uma maior abundância de mão de operários, e os índios bem poderiam desempenhar essa função, para mais como uma mão de obra barata, desde que abandonassem os seus hábitos tradicionais. Ora a televisão era o único meio de poderia realizar essa tarefa de desculturalização e de reculturalização que levaria a estimular o desejo de abandonar os costumes índios, e tornar estes povos mais urbanizados, à procura de comodidade e de salários regulares.
A Associação das Mulheres Nativas confirma que a chegada da televisão provocou mudanças repentinas na vida familiar, em especial no comportamento e nos valores dos jovens, principalmente quanto ao seu interesse em aprender as habilidades tradicionais de sobrevivência num habitat dos mais duros do mundo. Para além do mais, os jovens deixaram de ir à caça e pesca. O que eles passaram a querer a desejar era comida junk, carros novos ( apesar daqueles territórios não teres estradas), e roupa de moda.

Mas o mais grave, segundo aquelas mulheres, era a extinção de práticas culturais como «narrar histórias». Até a televisão chegar uma das actividades mais típicas era, depois do cair da noite, a refeição em comunidade, após a qual os jovens se reuniam num canto com os mais velhos para escutar as suas histórias. Escusado dizer que eram histórias fabulosas que tinham passado por gerações, e através das quais se realizavam processos de aprendizagem, essenciais para a preservação da cultura. Mais do que isso, as pessoas eram criadas com essas histórias. Estar sentada com os mais velhos, a ouvir os seus contos, era como uma janela aberta para o passado, para as raízes ancestrais da existência índia. Reuniões como essas estimulavam também, o amor de integração, a confiança e o respeito. Com a chegada da televisão, acabaram as narrativas e os contos.
Quando eu lá cheguei encontrei toda a gente, jovens e menos jovens, sentada diante de um aparelho de televisão a ouvir «histórias» de Los Angeles, de Toronto e Nova Iorque sobre polícias e ladrões, casas esplendorosas e refeições opíparas.
Ao fim de escassos 3 anos os jovens começaram a dizer que lhes custava serem «índios» e que, por sua vontade, queriam ir trabalhar para o oleoduto, e ir viver para as barracas, construídos para o efeito pelos projectistas da empresa de extracção do petróleo.

Autor: Jerry Mander
O texto é o prefácio da tradução em castelhano do conhecido livro de Jerry Mander « Os quatro argumentos para acabar com a televisão» ( existe tradução portuguesa na Antígona)