30.10.09

As abstrações económicas ou o processo de substituição da riqueza pelas suas próprias representações (dinheiro), e a sua crescente imaterialização


O crepúsculo do dinheiro
por John Michael Greer
tradução portuguesa em http://resistir.info/

Comentei antes nestes ensaios que um dos hábitos menos construtivos do pensamento contemporâneo é a sua insistência no carácter único da experiência moderna. É verdade, naturalmente, que os combustíveis fósseis permitiram às sociedades industriais do mundo prosseguirem as suas farras numa escala mais grandiosa do que as de qualquer império do passado, mas as próprias farras têm estreitos paralelos com aquelas das sociedades anteriores e detectar as trajectórias destes exemplos passados é um dos poucos recursos de orientação utilizáveis se quisermos saber para onde nos levam as versões actuais.

A metástase do dinheiro em todos os aspectos da vida no mundo industrial moderno é um bom exemplo. Se bem que nenhuma sociedade do passado, tanto quanto sabemos, tenha levado este processo tão longe, a substituição de riqueza pelas suas próprias representações abstractas não é uma coisa nova. Como já no século XVIII destacou Giambattista Vico , as sociedades complexas movem-se do concreto para o abstracto ao longo dos seus ciclos de vida e isto influencia a vida económica mais do que qualquer outra coisa. Assim como o poder político principia com violência bruta e evolui progressivamente rumo a meios mais subtis de persuasão, a actividade económica principia com a troca directa de riqueza real e evolui através de um processo semelhante de abstracção: primeiro, uma mercadoria apreciada torna-se a medida padrão para todas as outras espécies de riqueza; a seguir, recibos que podem ser trocados por alguma quantia fixa daquela mercadorias tornam-se uma unidade de troca; finalmente, promessas de pagar alguma quantia destes recibos quando solicitados, ou num ponto fixado no futuro, entram em circulação e estas podem em grande medida acabar por substituir os próprios recibos.

Este movimento rumo à abstracção tem vantagens importantes para sociedades complexas, pois abstracções podem ser posicionadas com um investimento de recursos muito menor do que com a mobilização das realidades concretas que lhes estão subjacentes. Poderíamos ter resolvido o debate do ano passado acerca de quem deveria governar os Estados Unidos através do método ultrapassado, fazendo com que McCain e Obama chamassem às armas e os seus apoiantes, marchassem para a guerra e resolvessem a questão em meio a uma saraivada de balas e tiros de canhão numa belo dia de Setembro numa pradaria do Iowa. Contudo, o custo em vidas, dinheiro e danos colaterais teria sido excessivo em relação a eleições. Da mesma forma, as complexidades envolvidas em pagar trabalhadores de escritório em espécie, ou mesmo em cash, fazem uma economia de abstracções muito menos incómoda para todos os afectados.

A ARMADILHA

Ao mesmo tempo, há uma armadilha oculta no conforto das abstracções: quanto mais distante você fica das realidades concretas, maior se torna a probabilidade de que as realidades concretas possam não estar ali quando necessárias. A história está pejada de cadáveres de regimes que deixaram o seu poder tornar-se tão abstracto que já não podiam conter um desafio no nível fundamental da violência bruta; diz-se da história chinesa, e poderia ser dito de qualquer outra civilização, que o seu ritmo básico é a andadura de botas cardadas a subirem degraus, seguida pelos sussurros de chinelos de seda a descerem. Da mesma forma, as abstracções económicas mantêm-se a funcionar só na medida em que existem bens e serviços reais para serem comprados e vendidos e é apenas nas fantasias de economistas que as abstracções garantem a presença dos bens e serviços. Vico argumentou que esta armadilha é uma força condutora central por trás do declínio e queda de civilizações; o movimento rumo à abstracção vai tão longe que as realidades concretas são ignoradas. No fim as realidades escorrem para longe sem serem percebidas, até que um choque de alguma espécie sacode a torre das abstracções construídas em cima de realidades ocas e toda a estrutura desmorona-se.

Estamos desconfortavelmente próximos de tal possibilidade exactamente agora, especialmente nos nossos assuntos económicos. Ao longo do último século, com a assistência da hipercomplexidade económica tornada possível pelos combustíveis fósseis, os países industriais do mundo levaram o processo de abstracção económica mais longe do que qualquer civilização anterior. No topo dos níveis habituais de abstracção – uma mercadoria utilizada para medir valor (ouro), recibos que podiam ser trocados por aquela mercadoria (papel moeda) e promessas de pagar os recibos (cheques e outros papeis financeiros) – as sociedades contemporâneas construíram uma pirâmide extraordinária de abstracções adicionais. Ao contrário das pirâmides do Egipto, além disso, estas assentam no terreno sobre uma base estreita, no seu cerne de bens e serviços reais, e expande-se à medida que sobe.

A consequência de toda esta construção de pirâmides é que não há bastantes bens e serviços sobre a Terra para igualar, aos preços actuais, mais do que uma pequena percentagem do valor facial das acções, títulos, derivativos e outros exotismos financeiros agora em circulação. A vasta maioria da actividade económica no mundo de hoje consiste puramente de permutas entre estas representações de representações de representações de riqueza. Esta é a razão porque a economia real de bens e serviços pode cair numa queda livre como aquela agora em curso, sem ter até então mais do que um modesto impacto sobre uma economia cada vez mais alucinatória de abstracções financeiras.

Mas um impacto haverá, se a queda livre prosseguir suficientemente longe. Este é o ponto de Vico e é uma possibilidade que tem sido considerada de modo demasiado ligeiro tanto pelas classes políticas das sociedades industriais de hoje como pelos seus críticos em ambos os extremos do espectro político. Uma economia de riqueza alucinada depende absolutamente da concordância de todos os participantes em aceitar que as alucinações têm valor real. Quando esta concordância afrouxa, a pretensão pode evaporar-se em tempo recorde. É assim que bolhas financeiras transformam-se em pânicos financeiros: a fantasia colectiva de valor que cercava bolbos de tulipas, ou acções, ou lotes de habitação suburbana, ou qualquer outro veículo especulativo, dissolve-se numa louca corrida para a saída. Esta corrida tem sido pacífica até à data; mas pode não ser sempre assim.

Argumentei em posts anteriores que a era industrial é num certo sentido a bolha especulativa final, uma festa de três séculos de duração conduzida pela fantasia do crescimento económico infinito sobre um planeta finito com ainda mais finitos abastecimentos de energia barata abundante. Mas, chego a pensar que esta mega-bolha gerou uma segunda bolha aproximadamente da mesma escala. O veiculo para esta bolha secundária é o dinheiro – o que significa aqui os conteúdos totais da riqueza que domina a nossa vida económica e quase sufocou a economia real de bens e serviços, para nada dizer da economia primária de sistemas naturais que nos mantém vivos a todos.

CARACTERÍSTICAS DAS BOLHAS

Bolhas especulativas são definidas de vários modos, mas exemplos clássicos – a farra das acções de 1929, digamos, ou a última bolha habitacional – têm certos padrões característicos em comum. Primeiro, o valor de qualquer ítem que esteja no centro da bolha mostra uma ascensão de preço sustentada não justificada por mudanças na economia em geral, ou em qualquer valor concreto que o ítem possa ter. Uma bolha especulativa em dinheiro funciona de um modo um pouco diferente das outras bolhas, porque o veículo especulativo é também a medida do valor; ao invés de um dólar aumentar de valor até que valha dois, um dólar torna-se dois. Quando acções ou lotes habitacionais vão aumentando rapidamente de preço à medida que uma bolha neles se concentra, então, o que ascende numa bolha monetária é o montante total de riqueza de papel em circulação. Foi isto certamente o que aconteceu nas últimas décadas.

Uma segunda característica das bolhas especulativas é que elas absorvem a maior parte do valor fictício que criam, ao invés de espalharem-no outra vez pelo resto da economia. Numa bolha de acções, por exemplo, a maioria do dinheiro que vem de vendas de acções vai directamente outra vez para dentro do mercado; sem este loop de retroalimentação, uma bolha não pode suster-se por muito tempo. Numa bolha monetária, esta mesma regra mantém-se válida; a maior parte dos rendimentos de papel gerados pela bolha acabam por ser reinvestidos em alguma outra forma de riqueza de papel. Aqui, mais uma vez, isto certamente aconteceu; a única razão porque não vimos inflação de milhares por cento em resultado da vasta fabricação de riqueza de papel nas últimas décadas é que a maior parte dele foi utilizada unicamente para comprar ainda mais riqueza de papel recém-fabricada.

Uma terceira característica das bolhas especulativas é que o número de pessoas nelas envolvida aumenta firmemente quando a bolha avança. Em 1929, o mercado de acções foi inundado por investidores amadores que nunca antes haviam comprado uma acção de qualquer coisa; em 2006, centenas de milhares, talvez milhões, de pessoas que anteriormente pensavam de casas apenas como algo para viver chegaram a pensar delas como um bilhete para a riqueza da noite para o dia, e afundaram o seu valor líquido no imobiliário em consequência. A metástase da economia do dinheiro discutida em posts anteriores é outro exemplo do mesmo processo a funcionar.

Finalmente, é claro, as bolhas sempre explodem. Quando isso acontece, o veículo especulativo do dia vem abaixo com estardalhaço, perdendo a maior parte do seu valor assumido, e a massa de investidores amadores, tendo perdido qualquer coisa que tenham ganho e habitualmente um bocado mais, foge do mercado. Isto ainda não aconteceu à actual bolha monetária. Pode ser uma boa ideia começar a pensar acerca do que pode suceder se assim for.

Os efeitos de um pânico monetário estariam centrados desconfortavelmente próximos de casa, suspeito, porque o grosso da hiper-expansão monetária nas últimas décadas centrou-se numa única divisa, o dólar dos EUA. Aquela bomba podia ter sido desarmada se o colapso do ano passado da bolha habitacional tivesse sido permitido seguir o seu curso, porque isto teria eliminado um não pequeno montante de abstracções denominadas em dólar geradas pelos excessos dos últimos anos. Infelizmente, o governo estado-unidense optou ao contrário por tentar re-inflar a bolha da economia gastando dinheiro que ele não tem através de uma orgia de concessões de empréstimos e alguns muito dúbios truques fiscais. Muitos governos estrangeiros estão consequentemente a ficar relutantes em emprestar mais dinheiro aos EUA e pelo menos uma potência em ascensão – a China – tem estado silenciosamente a substituir as suas reservas de dólares por commodities e outras formas de riqueza muito menos abstractas.

Até agora, tem sido do melhor interesse de outros países industriais apoiar os Estados Unidos com um fluxo firme de crédito, de modo a que possa entrar em bancarrota ao cumprir o seu auto-imposto papel de polícia global. Tem sido um arranjo muito confortável, uma vez que outros países não têm de arcar com mais do que uma pequena fracção dos custos de tratar com estados perigosos (rogue), mantendo o Médio Oriente dividido contra si próprio, ou mantendo a hegemonia económica sobre um Terceiro Mundo cada vez mais inquieto, enquanto recebem os benefícios de todas estas políticas. O fim da era do combustível fóssil barato, contudo, lançou uma carta devastadora no jogo. Quando a produção mundial de petróleo vacila, deve ter ocorrido aos líderes dos outros países que se os Estados Unidos deixassem de consumir cerca de um quarto da oferta mundial de combustíveis fósseis haveria um bocado mais para partilhar por todos. A possibilidade de que outros países possam decidir que este ganho potencial pesa mais do que as vantagens de manter os Estados Unidos solventes pode tornar interessante a próxima década, ou pouco mais ou menos, no sentido da famosa maldição chinesa.

No longo prazo, por outro lado, é seguro assumir que a vasta maioria dos activos de papel agora em circulação, qualquer que seja a divisa na qual estão denominados, perderá essencialmente todo o seu valor. Isto pode acontecer rapidamente, ou pode desdobrar-se ao longo de décadas, mas a oferta mundial de representações abstractas de riqueza é tão mais vasta do que a sua oferta de riqueza concreta que alguma coisa tem de acontecer mais cedo ou mais tarde. O crescimento económico futuro não fará diferença; o fim da era do combustível fóssil barato torna o crescimento da economia real de bens e serviços uma coisa do passado, excepto em situações raras e auto-limitantes. Quando os limites do crescimento endurecem e se tornam primeiro barreiras ao crescimento e a seguir condutores da contracção, o encolhimento na economia real torna-se a regra, intensificando o descompasso entre dinheiro e riqueza e aumentando a pressão para depreciar o valor real de activos em papel.

Mais uma vez, seja como for, tudo isto aconteceu antes. Exactamente quando a crescente abstracção económica é uma característica comum da história de sociedades complexas, o descarrilamento daquela abstracção é uma característica comum do seu declínio e queda. Os expedientes desesperados agora a serem perseguidos para expandir a oferta monetária americana numa economia em rápida contracção tem equivalentes exactos, digamos, nas medidas igualmente desesperadas tomadas pelo Império Romano nos seus últimos anos para expandir a sua própria oferta monetária através da degradação da cunhagem. A economia romana atingira níveis muito altos de complexidade e o alcance internacional; os seus prestamistas – poderíamos chamá-los hoje de financeiros – era uma grande força económica, o crédito desempenhava um papel apreciável na vida económica de todos os dias. No declínio e queda do império, tudo isto acabou. Os agricultores que pastoreavam o seu rebanho nas ruínas do fórum de Roma durante a Baixa Idade Média viviam numa economia de permuta e de corte feudal, na qual moedas eram elementos raros e mais frequentemente utilizadas como jóias do que como um meio de troca.

Uma trajectória semelhante quase certamente aguarda-nos no futuro do nosso próprio sistema económico, embora não seja claro que utilização os pastores darão aos vastos maços de Títulos do Tesouro quando levarem as suas manadas a um centro comercial nas futuras ruínas da Washington DC. Como se desenrolará a trajectória é algo que ninguém adivinhou, mas a possibilidade de que possamos muito em breve ver declínios agudos no valor do dólar, e dos activos de papel denominados em dólar, provavelmente não deveria ser ignorada. Converter representações abstractas de riqueza por coisas de valor mais duradouro pode estar no alto da lista de preparações básicas para o futuro.
14/Outubro/2009

Outros trabalhos do autor em resistir.info:
• Pico petrolífero: Fausto e a armadilha do macaco , 27/Mar/07
• As tecnologias de retaguarda , 06/Ago/08
• A economia termodinâmica , 07/Jul/09
• O desrespeito pela entropia , 01/Set/09

O original encontra-se em
http://thearchdruidreport.blogspot.com/ .
Tradução de JF.

Este artigo foi retirado de
http://resistir.info/ .

Pela Justiça climática


Justiça climática: um imperativo civilizacional

texto de Ricardo Coelho retirado do
Ecoblogue

A luta pela justiça ambiental baseia-se na noção de que os problemas sociais e os problemas ambientais estão interligados, reforçando-se mutuamente. Esta luta une indígenas de todo o mundo, comunidades de negros e hispânicos nos EUA, movimentos de agricultores, de sem-terra, de desempregados e precários, em suma, todos os explorados do mundo, no ataque às fundações da degradação ambiental. Superando o discurso politicamente correcto e vazio de conteúdo presente em muitas campanhas promovidas por ONG's fortemente ligadas à indústria, o movimento pela justiça ambiental encontra no capitalismo global a raiz das desigualdades sociais e da destruição do planeta.


A variante mais famosa deste movimento actualmente é a justiça climática. Movimentos agrupados em torno da rede Acção pela Justiça Climática1 estão a mobilizar-se para denunciar a forma como o Protocolo de Quioto nada fez para resolver o problema do aquecimento global, dado que se baseia em mecanismos de mercado. O mercado de carbono permitiu que os maiores poluidores lucrassem com a especulação bolsista, agravou a exploração neo-colonial dos países mais pobres, legitimou a expansão do uso de combustíveis fósseis e está a abrir a porta para a privatização dos recursos naturais em todo o mundo2. Qualquer acordo pós-Quioto baseado num mercado de emissões irá conduzir-nos para um mundo devastado pelas alterações climáticas e agravar as desigualdades sociais.


O movimento pela justiça climática nasce, antes do mais, da necessidade de contrariar a ideia de que as alterações climáticas afectam toda a humanidade da mesma forma. Na realidade, os mais pobres serão mais prejudicados pelos problemas ambientais, exactamente por serem pobres. À medida que a água escasseia, os mais ricos do planeta terão sempre acesso a água potável mas os mais pobres terão de percorrer distâncias cada vez maiores para recolher água num poço poluído. À medida que a erosão dos solos avança, os mais ricos encontrarão novas terras para cultivar, enquanto os mais pobres morrem à fome. À medida que o mar ganha terreno sobre a costa, os mais ricos erguem paredões e ganham tempo, enquanto os mais pobres são forçados a mudar de casa.


Tudo isto parece ser consensual. Afinal, o Protocolo de Quioto reconhece o princípio de responsabilidades comuns mas diferenciadas, impondo metas de redução de emissões apenas aos países industrializados. Os líderes globais, como Barack Obama, Gordon Brown, Angela Merkel e Nicholas Sarkozy, reconhecem a necessidade de alcançar um acordo na cimeira de Copenhaga, em Dezembro, que reduza as emissões de gases com efeito de estufa sem prejudicar os mais pobres do planeta. Mas do discurso à prática vai uma grande distância.


Resolver o problema das alterações climáticas implica descarbonizar a sociedade, afrontando os interesses das empresas de combustíveis fósseis. Implica, nomeadamente, investir em transportes públicos, reduzir a utilização do transporte aéreo e marítimo, fechar centrais eléctricas alimentadas com carvão ou gás natural e acabar com a utilização de fertilizantes químicos na agricultura. Implica afrontar o consumismo e o desperdício que reinam nas sociedades ocidentais. Mas nada disto está em cima da mesa nas negociações internacionais.
O que está em cima da mesa então? Está a privatização das florestas mundiais, através da sua inclusão no mercado de carbono3. Está a promoção de desastres ambientais, como os agro-combustíveis, a energia nuclear ou a captura e armazenamento de carbono. Está a exigência de que países em industrialização, como a China e a Índia, empreendam políticas ambientais que os países industrializados nunca aplicaram.


Neste contexto, a luta pela justiça climática assume uma cada vez maior importância. Apenas com movimentos fortes podemos colocar em cima da mesa de negociações o que realmente interessa discutir: deixar os combustíveis fósseis no subsolo, anular a dívida externa dos países mais pobres, reconhecer o papel das comunidades na gestão sustentável da natureza, respeitar os direitos dos indígenas e dos povos das florestas e colocar os sectores energético e de transporte ao serviço das populações. Daí que o Klima Forum4, onde se juntarão milhares de activistas de todo o mundo para coordenar acções pela justiça climática, seja tão importante.
Muitas ONG's ainda não incorporaram os princípios da justiça climática no seu discurso e nas suas acções, ou fizeram-no de forma pouco satisfatória. A campanha “Tck Tck Tck”4, por exemplo, promovida por ONG's como a Greenpeace ou a WWF, lançou uma música pela justiça climática5, onde participam artistas conhecidos. Mas o site da campanha não só não menciona nenhuma das questões levantadas pelos movimentos pela justiça climática como entra em clara contradição com a causa quando diz que todos serão afectados pelas alterações climáticas6. Embora reconheçam o falhanço de Quioto, estas ONG's não se demarcam da origem desse falhanço – o facto de se basear em mecanismos de mercado. Caem assim num discurso vazio de conteúdo, que em nada se distingue da hipócrita campanha promovida pelo governo britânico7, que se pretende posicionar como líder em questões ambientais enquanto promove a expansão do uso de carvão, das auto-estradas e dos aeroportos.


Ao separar o dilema ambiental dos problemas sociais, muitos ambientalistas acabam por alinhar em campanhas que falham o alvo e podem acabar por legitimar falsas soluções para as alterações climáticas. A focalização no discurso científico promovida pelo movimento 3508 é um bom exemplo de como uma campanha realizada com a melhor das intenções corre o risco de servir os interesses dos grandes poluidores, na medida em que desvia as atenções do que é realmente relevante. Ao não discutir as origens sociais das alterações climáticas ou as consequências das políticas propostas para as combater, este movimento corre o risco de se tornar tão ineficaz quanto o “Pobreza zero”.


Foi por isso que movimentos de justiça climática responderam ao apelo do movimento 350 criando uma campanha contra o mercado de carbono que contou com a participação de várias ONG's de todo o mundo9. Esta é uma entre muitas tentativas de politizar a discussão em torno das alterações climáticas, enquadrando a degradação ambiental na globalização capitalista. Toda a nossa solidariedade política deve ir para este tipo de esforços.

1 –
http://www.climate-justice-action.org/
2 – Mais sobre o mercado de carbono no site da Carbon Trade Watch (
http://www.carbontradewatch.org )
3 – A proposta REDD. Ver

www.ecoblogue.net/index.php?option=com_content&task=view&id=1655&Itemid=41
4 –
http://tcktcktck.org /
5 –
http://www.youtube.com/watch?v=aBTZOg6l6cA
6 – Ver “What is climate justice?” em
http://www.timeforclimatejustice.org/home/whatisclimatejustice
7 – Petição em
http://www.actoncopenhagen.decc.gov.uk/en/
8 – Este movimento foi criado em torno do estudo de cientistas da NASA que conclui que a concentração máxima de CO2 suportável pela atmosfera é de 350 partes por milhão (actualmente já ultrapassamos as 385 partes por milhão). Mais detalhes em
http://www.350.org
9 – Em
http://www.350reasons.org/