31.5.05

Ecocrítica literária



A ecocrítica é o estudo das relações entre a literatura e o meio ambiente, segundo Cheryll Glotfelty na introdução do livro « The Ecocriticism Reader», que é, até ao momento, a obra mais completa sobre a matéria.
E não faltam críticos que têm explorado esta grelha de análise interdisciplinar, baseados no pressuposto ecológico de que tudo está interligado e, consequentemente, separar a qualidade de uma obra do seu contexto (sócio-económico, político, etc) será cair no simplismo redutor.
Segundo o próprio Glotfelty a evolução da ecocrítica processou-se ( e continuará a fazer-se) segundo o mesmo esquema evolutivo do feminismo: no início recorre-se às imagens da natureza na literatura canónica, tentando-se identificar determinados estereótipos ( Éden, Arcádia, etc) e ausências significativas; depois, num segundo momento, recupera-se alguma tradição marginalizada de textos escritos a partir da natureza; e, por último, evolui-se para uma fase teórica, preocupada por construções literárias do ser humano em relação com o seu meio natural, e daí o interesse por poéticas ligadas a movimentos como a ecologia profunda ou o ecofeminismo.
Como sempre acontece com os movimentos embrionários, logo apareceram uma praga de leituras fáceis que reivindicavam esta leitura analítica, sem com isso querer negar o aparecimento de uma série de perspectivas novas e interessantes desenvolvidas por um grupos de lúcidos ecocríticos.
No seu livro «The Environmental Imaginaions» , Lawrence Buell interessa-se pelos caminhos que levam do antropocentrismo e do egocentrismo para um ecocentrismo, procurando as obras, cujo meio natural deixou de ser um simples referencial e se tornou no verdadeiro protagonista. Estuda o «place-sense», ou seja, a consciência dos seres humanos – quer sejam narradores, personagens ou simples falantes poéticos – quanto à sua pertença a um lugar específico e que influencia, em grande medida, a sua forma de ser de agir. Existem muitos textos «ecológicos» que insistem na importância de um olhar atento, desfamiliarizador, sobre o espaço local; por outro lado, uma escrita acerca da morada ou oikos ( raiz etimológica latente na palavra ecologia) responderia à alienação que anda associada ao nosso modo de vida. Como diz Jonathan Bate, « a casa e a morada são importante para os seres humanos porque é sabido por todos o que é o desenraizamento ( o estar-sem.casa) e a alienação», enquanto outras espécies se encontram permanentemente dentro do seu ecossistema. O ser separado procura sempre efeitos catárticos na arte: « a arte é o lugar do exílio onde lamentamos a perda do nosso lugar na terra».
Ao reformular as relações entre o eu e o seu meio natural, Buell propões uma aesthtics of relinquishment, uma «estética de renúncia» que consiste fundamentalmente numa «literatura de simplicidade voluntária», em que o narrador ou o falante – personagens da obra – renunciam aos bens materiais. Mas também, de uma maneira mais radical, pode levar à renúncia do eu e a deixar-se permealizar pelo outro, ou a um cruzamento entre outros eus; outras vezes, é-se levado a uma personalização de seres não-humanos que eliminaria o abismo hierárquico entre o homo sapiens e as demais espécies; pode ainda ser-se levado a uma representação dos interesses e dos desejos das plantas e dos animais e a um retorno a formas míticas e animistas do passado.
Vários ecocríticos dedicaram-se a investigar formas pastoris. Terry Gifford, por exemplo, fala no seu livro «Green Voices» de uma poesia «post-pastoril» -a de Ted Hughes e Seamus Heaney, entre outros – em que o mundo estático da tradição virgiliana foi substituída por uma natureza dinâmica sujeita a processos cíclicos. A crítica marxista – nomeadamente Raymond Williams - refere-se às injustiças sociais que a poesia pastoril secularmente ocultou, mas Jonathan Bate defende que a representação de mundos ideais, ainda que aparentemente falseadora da realidade, é como que uma resposta a uma necessidade inerente ao ser humano, e como uma mecanismo admonitório e de sobrevivência para termos consciência das perdas provocadas pela degradação ecológica: «A idealização das comunidades orgânicas do passado, tal como a idolatria dos povos aborígenes que teriam supostamente evitado alguns males da modernidade, poderiam servir para uma máscara para as opressões do presente. Mas o mito de uma vida perdida não é menos importante pelo facto de ser mito e não história. Os mitos são imagens necessárias, relatos exemplares que ajudam a nossa espécie a dar sentido ao seu papel no mundo.»

Outros críticos investigaram as relações entre literatura e ciência: Fala-se muito, por exemplo, das ideias de Gary Snyder sobre a tradição poética como um processo análogo aos ciclos naturais de decomposição e de novo crescimento, em que o poeta seria emergia do detritus simbólico da biomassa morta, ou seja, dos escritores mortos. Fala-se também das reelaborações contemporâneas do mito do apocalipse, quer como holocausto nuclear, quer como destruição ecológica do nosso mundo em que os símbolos poéticos intemporais voltam a ser problemáticos: o ar transparente, hoje contaminado; o céu infinito, danificado pelo buraco do ozono; a chuva purificadora, convertida em chuva ácida; a terra-mãe, hoje desértica; os mares agonizantes; os rios e lagos mortos.

Também a teologia, especialmente a teologia da libertação, mostrou-se também sensível ao pensamento ecologista – e existem tanto na prosa de Boff como na poesia de Cardenal, por exemplo – um incisivo questionamento do cristianismo, a «religião mais antropocêntrica de todas a que o mundo conheceu.»
Por sua vez, o ecofeminismo ligou o activismo feminista com a causa ecologista e dedica-se ao estudo de como o androcentrismo moderno explorou quer as mulheres quer a natureza, ou como as metáforas e as imagens literárias reflectem a analogia mulher-natureza, e ainda como o actual interesse pela Deusa resulta de uma longa tradição mítica e literária que procede da tradição greco-latina, de Gaia dos hinos homéricos.
Por outro lado, os ecocríticos, enquanto se dedicam a recuperar a visão animista e harmónica das literaturas indígenas, também se viram para os discursos urbanos contemporâneos trespassados pelo lixo e despejos tóxicos.
Enfim, mil e um caminhos que o crítico e o leitor podem explorar, e que funcionam não só a nível social para despertar as nossas consciências adormecias em matéria ecológica, como também para enriquecer as nossas leituras.
Como quer que seja os notáveis estudos levados a cabo por Buell e Bate são a melhor garantia para o futuro da ecocrítica, pelo menos para os falantes de inglês. No mundo hispano é todo um imenso campo de investigação que se abre, e que se mantém virgem até agora.

Tradução de:
http://www.babab.com/no07/ecocritica.htm

Mais info em:
http://www.iyume.com/nonature/ecolinks.htm



Science and Ecocriticism
By Ursula K. Heise
The American Book Review 18.5 (July-August 1997): 4+.

Ecocriticism, or "green" criticism, is one of the most recent interdisciplinary fields to have emerged in literary and cultural studies. Ecocriticism analyzes the role that the natural environment plays in the imagination of a cultural community at a specific historical moment, examining how the concept of "nature" is defined, what values are assigned to it or denied it and why, and the way in which the relationship between humans and nature is envisioned. More specifically, it investigates how nature is used literally or metaphorically in certain literary or aesthetic genres and tropes, and what assumptions about nature underlie genres that may not address this topic directly. This analysis in turn allows ecocriticism to assess how certain historically conditioned concepts of nature and the natural, and particularly literary and artistic constructions of it, have come to shape current perceptions of the environment. In addition, some ecocritics understand their intellectual work as a direct intervention in current social, political, and economic debates surrounding environmental pollution and preservation.
Excerto de:
Science and Ecocriticism
By Ursula K. Heise
The American Book Review 18.5 (July-August 1997): 4+.