25.12.05

A Terra está doente do Homem


Durante muito tempo a Terra só conheceu mudanças de carácter natural. As variações da órbita terrestre, as erupções vulcânicas, as quedas de meteoritos gigantes e as modificações das correntes marítimas contribuíram no passado para variações climáticas e ambientais do nosso planeta. Quando tomaram certa amplitude, elas desencadearam mais do que uma vez extinções massivas de espécies já que os seus efeitos se mostram fatais. O planeta é mutável e todas as espécies, incluindo a nossa, sempre se encontram numa luta de subsistência. Coisa que o homem, com o seu espírito faustiano, tem tendência a esquecer.

Com a chegada do Homo Sapiens que, a partir do século XIX, começou a utilizar massivamente os combustíveis fósseis ( carvão, gás e petróleo) e injectar gazes com efeito de estufa na atmosfera, as coisas mudam. Inaugura-se então um período que, face à longa história da Terra, se pode considerar recente e breve e que o prémio Nobel da Química de 1995, Paul Crutzen, chamou de Antropoceno. Pela sua demografia galopante, e por obra da sua acção e domínio crescente sobre a natureza, a espécie humana está em vias de modificar o clima e o ambiente.

Desde há mais de 15 anos que os cientistas tocam o sinal de alarme sobre as consequências a logo prazo de tais mudanças. Os responsáveis políticos reunidos na Cineira da Terra do Rio de Janeiro em 1992 começaram a tomar em atenção o fenómeno. Redigiram por isso uma Convenção no quadro das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas que foi ratificada por mais de 180 países, inclusive os Estados Unidos, e que entrou em vigor em 1994.

A vontade foi explicitada mas faltam os meios para a aplicar. E aí é que bate o ponto. Como bem mostram as peripécias que envolveram a assinatura do protocolo de Quioto, nomeadamente as reticências e a recusa dos Estados Unidos, o país mais poderoso do mundo e o que mais polui. Porque a verdade é que agir com eficácia sobre o gás com efeito de serra significa pôr em causa um modelo económico baseado na utilização massiva dos combustíveis fósseis e a supor um crescimento perpétuo quer para os países industrializados quer para os outros.

Pelas demoras a agir corre-se o risco tornar difícil a vida para milhões de habitantes da Terra. «Subsiste ainda um grande desconhecimento a propósito da sensibilidade climática. Mas as incertezas não escondem as certezas», declarou Jean Jouzel director do Instituto Pierre-Simon-Laplace e membro do gabinete do GIEC, por ocasião dos Rencontres de Blois de Maio de 2004 sob o tem «Desafios para as ciências do clima».

Dan Schrag ( Universidade de Harvard), autor juntamente com o seu colega, Paul Hoffman, da hipótese da Terra «bola de nece», segunda a qual a Terra esteve inteiramente coberta de neve há 750 milhões de anos, vai no mesmo sentido: «Nós estamos lançados num comboio de alta velocidade, numa experiência muito perigosa que vai exigir talvez uma adaptação muito rápida às variações climáticas».

Uma tal adaptação arrisca-se a não ser nada fácil se observarmos os efeitos já produzidos num país como a França, rico e industrializado, pela canícula que em 2003 provocou inundações e tempestades fora do normal. A tudo isso há que acrescentar a inércia do sistema climático: o prazo de duração do metano na atmosfera é de 10 anos e o do gás carbónico é de 100 anos.

Por seu turno o oceano reage lentamente ao aquecimento através da sua dilatação. Por causa dos gazes que serão lançados na atmosfera ao longo da primeira metade do século XXI as nossas sociedades vão ter enfrentar um processo que se traduz na elevação do nível das águas do mar em mais de 2 metros.

Estudos recentes das Nações Unidas prevê o número de pessoas afectadas por inundações daqui até 2050 em cerca de dois mil milhões, sendo os país pobres, nomeadamente os do continente asiático, que vão sofrer mais com estas inundações. Como é de imaginar os desafios são enormes.

Texto publicado no jornal Le Monde de 21 de Junho de 2004