30.12.05

A cidade-jardim de Ebenezer Howard


Com nascimento em meio popular, Ebenezer Howard foi empregado de escritório dos 15 aos 21 anos em Londres, a sua cidade natal. Um tio, agricultor e emigrante nos Estados Unidos, chamou-o, entretanto, para junto de si. Vemo-lo assim em pleno Nebraska, onde compra 160 hectares e, juntamente, com dois amigos associados, se lança na cultura do milho, de melancias e pepinos. Não é fácil ser agricultor, pelo que não demorará a conhecer a falência. Por ocasião de uma viagem ao Missouri, cruza-se com o coronel William Cody, mais conhecido por Buffalo Bill, como compensação para o seu fracasso.
Ao fim de um ano instala-se em Chicago – que tinha sofrido um terrível incêndio em 1871 e que se encontrava em reconstrução – desenvolvendo a actividade de jornalismo como estenógrafo. Em 1876 regressa ao seu país para ocupar o posto de estenógrafo durante os debate parlamentares, ao mesmo tempo que consagrava muito do seu tempo no aperfeiçoamento das máquinas que utilizava, uma vez que possuía um invejável talento de inventor. Aliás, ele introduz na Inglaterra a máquina de escrever Remington que trouxe num das suas travessias do Atlântico. Traz também consigo o livro de Edward Bellamy, «Looking Backward», de que se tornou grande apreciador, e que procurou divulgar na Grã-Bretanha. Diz-se mesmo que financiou a edição inglesa… Casa-se, entretanto, em 1879 com Elizabeth Ann Bills e torna-se pai de 3 raparigas e um rapaz. A esposa morre em 1904, um pouco antes da sua mudança para Letchworth, a primeira cidade-jardim. Casa-se de novo em 1907 e muda-se então para Welwyn, a segunda cidade-jardim de que também foi um instigador. Morre em 1928. Tinha publicado o livro «To-morrow: a peaceful path to real reform”, que é reeditado em 1902 com algumas alterações sob o título, que se tornou célebre, «Garden Cities of To-morrow», onde expõe a sua concepção social e descreve com detalhe o que é a «cidade-jardim».

A «cidade-jardim», é um modelo de sociedade?

Ebenezer Howard não adere ao liberalismo económico, prefere antes a cooperação, especialmente, a que se refere à propriedade dos solos. Sem ser um teórico, ele é um fervente leitor de um conjunto de autores que constituem a sua biblioteca e que nunca deixou de consultar. As suas ideias, apresentadas com certa simplicidade, sem grande recursos de linguagem nem teorizações excessivas, alimentam-se dessas leituras. Encontramos aí o economista Alfred Marshall ( 1842-1924), a quem vai buscar a ideia da propriedade colectiva das terras e de uma fiscalidade judiciosa; o geógrafo Piotr Kropotkine (1842-1921), autor do livro «Fields, Factories and Workshops» (1898), que luta por um habitat desconcentrado e uma outra repartição territorial das actividades económicas; Benjamin Ward Richardson (1828-1896), autor de «Hygeia» (1876), iniciador do movimento artístico Arts and Crafts e autor da obra « Notícias de parte alguma» (1891) onde é descrita uma sociedade pacificada e socialista; o romancista e publicista norte-americano Edward Bellamy (1850-1898), autor de «Looking Backward». Neste romance ucrónico de 1888, Bellamy imagina a sociedade de Boston no ano de 2000: aí o Estado possuiria os meios de produção, todos os indivíduos entre os 25 e 45 anos serviriam no Exército do trabalho, o dinheiro já não existiria, cada um possuiria um cartão de crédito que lhe permitia comprar o que desejasse; os inválidos, doentes e indigentes beneficiariam da solidariedade colectiva; os progressos técnicos e o conforto estavam generalizados, e a igualdade assegurada. A estas leituras convém acrescentar outras influências: aquando da estadia nos Estados Unidos, Ebenezer Howard conheceu os projectos agrícolas de Frederick Law Olmsted (1822-1903); visitou a «cidade-parque» de Adelaide, na Austrália, assim como o Port Sunlight e Bournville, na Grã-Bretanha. Pensou mesmo dar o nome de «unionville» ou «rurisville» ao seu projecto de cidade, antes de optar pela designação de «garden-city», sem saber que Christchurch, fundada em 1859, era conhecida por ser a «cidade-jardim» da Nova Zelândia, ou que Alexandre T. Stewart tinha colocado a primeira pedra em 1869 num loteamento cognominado de «Garden City», em Long Island… O nome de «garden city» tinha o mérito de ser fácil de traduzir nas principais línguas europeias ( Gardenstadt, cite-jardin, ciudad-jardin, turnstad,…), o que contribui para o seu êxito.

O objectivo do autor não era simplesmente de carácter urbanístico, mas também de natureza política. Com efeito, no momento em que se registava um enorme êxodo rural e um crescimento exponencial das populações – em condições inqualificáveis, que a imprensa não se cansava de denunciar – tornava-se imperioso a pergunta: o que fazer? A sua resposta pretendia escapar à velha dualidade entre cidade e aldeia, preconizando a sua fusão, uma vez « que a sociedade humana, e as belezas da natureza são feitas em conjunto para o homem». Para depois explicitar melhor as suas intenções: «esforço-me por mostrar como, na combinação cidade-campo, se pode usufruir de possibilidades de vida sociais iguais – melhor dizendo, superiores – às que são oferecidas por uma cidade populosa , ao mesmo tempo que as belezas da natureza ambiental estarão ao alcance de todos os seus habitantes. Mostro como os salários mais elevados são compatíveis com as rendas e os impostos mais reduzidos, como as múltiplas possibilidades de emprego e perspectivas brilhantes de futuro podem, por todos, ser procuradas; como as melhores condições sanitárias poderão ser asseguradas; como existirão bonitos jardins; como os limites da liberdade poderão ser alargados, ao mesmo tempo que os melhores resultados da coordenação e cooperação serão desfrutados por uma população feliz».

É de notar que a cidade-jardim apresenta-se como uma cidade inteira, «total» e «autónoma» ( não como uma periferia-dormitório, dependente da grande cidade que a domina), com as suas actividades económicas e numerosos equipamentos colectivos. O livro é um verdadeiro guia prático tentando responder à questão de como edificar uma cidade-jardim. Diagramas explicativos – que facilmente imaginamos na superfície de painéis que servem para acompanhar as exposições ou as conferências públicas – recapitulam os principais componentes da cidade-jardim. Numa superfície de 2.400 ha, por exemplo, a cidade não ocupa senão um sexto, podendo ser circular tendo como centro um jardim, para o qual convergem as seis principais avenidas que delimitam os bairros. Várias e sucessivas coroas envolvem este coração vegetal: um Palácio de Cristal ( inspirado naquele que foi construído por Joseph Paxton para a exposição de Londres de 1851) alberga as lojas comerciais e permite uma deambulação ao abrigo das intempéries; um outro arco acolhe os serviços administrativos; outro ( a grande avenida) com uma. largura de 70 m separa as habitações das actividades industriais e, enfim, um novo parque envolve a cidade, e no seu limite, encontramos o caminho de ferro e as explorações agrícolas.
Ebenezer Howard indica o número de 32.000 habitantes, dos quais 2.000 seriam agricultores, para a cidade-jardim ideal, sabendo-se que ele previa núcleos de seis cidades-jardins ligadas entre elas e à cidade central de 58.000 habitantes. O conjunto formaria a «Cidade Social». O solo pertenceria à propriedade colectiva, que é fonte de rendimentos ( os campos para os agricultores e as parcelas para os industriais e comerciantes…), o mesmo se passando com as despesas ( para a manutenção dos parques, dos jardins, da limpeza, reembolso de empréstimos, investimentos imobiliários, construção de escolas e creches, hospitais, salas de concerto, cinema e salas para reformados…). Para que o solo disponível, diferentemente do das grandes cidades que é raro e caro, encontre locatários, seria obrigatório que a cidade-jardim estivesse ligada às outras cidades e regiões por via férrea que assumiria assim uma função estratégica no desenvolvimento do projecto. O sistema social e económico seria baseado na cooperação – encontramos aqui a influência tanto de Bellamy como do Kropotkine do «apoio mútuo»- e nas associações de bairro. O socialismo não seria estatal, mas antes descentralizado e local.. Ebenezer interessa-se pelas técnicas, não deseja um regresso à terra que ignore a electricidade. Bem pelo contrário, encara o progresso como libertação dos homens e mulheres no que respeita, por exemplo, às tarefas e trabalhos penosos e repetitivos. Concebe a sua «Cidade Social» como um local de produção de riquezas, tecnicamente avançado, oferecendo trabalho a todos e permitindo a realização de todos. Procura responder antecipadamente às objecções e críticas sobre a praticabilidade do seu projecto ao torná-lo didáctico, prático, argumentado e persuasivo.

Em 1899 com um conjunto de amigos ele funda a Garden City Association, à qual aderem pessoas como Ralph Neville e Thomas Adam. Em 1903 surge uma «companhia de pioneiros», que adquire 3.818 acres de terras no Hertfordshire, a 35 milhas (50 Km) da capital, a fim de aí ser edificado a Letchworth. É então que se começa a construir a primeira cidade-jardim, segundo o plano de Raymond Unwin (1863-1940) e Barry Parker (1867-1947).
Vários patrões filantrópicos tinham já saído da cidade a fim de instalar em pleno campo as suas cidades industriais «limpas» - como actualmente se diria – com uma arquitectura segundo o estilo Arts and Crafts: Bournville próximo de Birmingham e Port Sunlight no sul de Birkenhead. A primeira abrigava a chocolataria de George Cadbury e as casas dos trabalhadores e foi erguida ao longo dos anos 1890. A segunda resultou da iniciativa do fabricante de sabão William Heskett Lever e data do fim dos anos 1880.

Ao mesmo tempo, a Staveley Coal and Iron Company lança uma política de construção de «cottages» para os seus trabalhadores sob a forma de urbanizações residenciais, segundo o princípio do custo mínimo, mas para um máximo conforto. Raymond Unwin faz daí as suas primeiras armas, o que o leva a reflectir sobre o alojamento social. Publica em 1902 uma brochura intitulada «Cottage Plan and Common Sense» e em 1903 »Cottages Near a Town», depois de ter escrito com o seu associado e cunhado Barry Parker, «The Art of Building a Home», em 1901. Foi numa reunião da Garden City Association em 1901 que ele simpatiza com Seebohm Rowntree, o filho do empresário Joseph Rowntree. Este pensa em construir uma «cidade modelo» no norte de York, New Earswick, e confia os seus projectos a Parker e Unwin. As primeiras casas ficam prontas em 1904, outras se seguirão como o Folk Hall, inaugurado em 1907, e uma escola ao ar livre desenhada por Raymond Unwin em 1912…Quando vencem o concurso para Letchworth ainda não passam de iniciantes. Se o pensamento de William Morris lhes alimenta o seu ideal político, as suas competências profissionais derivam de variadas experiências. Ebenezer Howard escreveu por baixo dos seus esquemas a seguinte nota: « isto não é mais que um diagrama. O plano só pode ser desenhado depois de escolhido o local.» Este sábio conselho é seguido por Raymond Unwin que se desloca ao local, realiza um esboço, delimita o local e projecta uma plano bem diferente do plano circular. Os planos são evidentemente privilegiados e Unwin generaliza o uso becos e ruas sem saída. As arquitecturas não são homogéneas e revelam inspirações distintas, desde sólidas «cottages» com telhados de tela encarnada e pequenas janelas quadradas ao lado de uma casa com um tecto plano, painéis de betão, feitos em fábrica e transportados por comboio de Liverpool a Letchworth…Em cada ano surge novas construções e equipamentos, sempre no respeito pelos princípios fundadores, e sessenta anos depois de chagada dos primeiros habitantes, Letchworth conta com mais de 32.000 residentes…
Em 1919, Howard compra um terreno a 30 km de Londres e ergue aí a sua segunda cidade-jardim – Welwyn – a partir dos planos de Louis de Soissons (1890-1962). Em seguida, ainda que distantes, Barry Parker entusiasma-se pelas ideias da «cidade-satélite» e de «cidade nova» ( new town), enquanto Raymond Unwin trabalha em «Urban Planning» tanto no ensino como no seio das administrações públicas. Na falta de um massivo sucesso massivo na Grã-Bretanha, a cidade-jardim conhece desenvolvimentos felizes em diversos países do mundo.


Um Modelo Universal de Urbanização


A obra de Ebenezer Howard é traduzida em várias línguas, os planos de Parker e Unwin são reproduzidos em numerosas revistas de arquitectura e de urbanismo e os seus autores são convidados para conferências; não é, por isso, de espantar o sucesso da cidade-jardim em países tão longínquos como o Japão, os Estados Unidos, a Espanha, a Itália, a França, a Bélgica, os Países Baixos…Em cada caso trata-se mais de uma adaptação de um modelo de urbanismo r não da adopção de um programa de reformas sociais com base numa cidade-tipo.
No Japão, por exemplo, a fórmula garden city traduziu-se no «de’en toshi» que o dicionário define assim: «cidade que apresenta o aspecto do campo, ou ainda cidade planeada e construída nos campos dos arredores de uma grande cidade». Augustin Berque, a que se refere a esta citação, apresenta a obra japonesa, aparecida em 1907. Analisando o conteúdo ao longo dos seus quinze capítulos, ele mostra a que ponto os autores estão distantes do pensamento «socialista» de Ebenezer Howard. Não hesita mesmo a qualificar esse texto de reaccionário, e que mostra todo uma atitude anti-ocidental que preconiza um regresso aos valões ancestrais, uma espécie de ruralismo misturado com nacionalismo que privilegia a aldeia e os campos relativamente com a cidade e os jardins. Contudo, um empresário japonês modernista e ocidentófilo, Eiichi Shibusawa ( 1840-1931) aceita em 1915 promover uma «den’en toshi». A sociedade é criada em 1918. Dotada com sólidos capitais, ela compra terrenos (Tamagawa-dai-aera), assegurando a abertura de uma linha de caminhos-de-ferro com ligação a Tóquio para descongestionar. A sociedade destina-se a alojar os quadros médios em Senzokur e universitários no campus de Ookayama; a cidade-jardim torna-se assim nos arrabaldes de Tóquio com os seus jardins e um enquadramento de vida campestre. Shun-Ichi J. Watanabe tem toda a razão ao dizer que, se a palavra conseguiu passar, o mesmo não aconteceu com o conceito. Com efeito, o Japão rural foi confrontado simultaneamente com uma modernidade local e uma modernidade importada, dispondo esta última de numerosos trunfos, espaço e sobretudo de horizontes para onde se pode alargar, renovar e reforçar-se.

Na Alemanha, a recepção, a palavra e o conceito foram outros. A Alemanha acabava de nascer enquanto Estado, a sua fecundidade era tão grande que a sua população emigrava das aldeias para as cidades, mas também para o Novo Mundo. Conheceu então várias décadas de industrialização activa, intensiva e inventiva. Uma parte do patronato preocupava-se em alojar os seus trabalhadores, para o que edificaram «cidades operárias», cujos modelos vinham da Inglaterra, via as Exposições Universais, com as adaptações francesas, em particular as da Alsácia ( Mulhouse). Mas o modelo sofre bastantes modificações a fim de se encaixar melhor na sociedade alemã, os seus gostos, as suas formas de urbanização e a força reivindicativa dos sindicatos e partidos de esquerda e de extrema-esquerda. È neste contexto que a «garden city» vai seduzir tanto os reformadores sociais como os conservadores, muitas vezes anti-semitas ( a grande cidade é olhada como o local por excelência de misturas e consequentemente de degenerescência da «raça»…), os revolucionários marxistas ( Marx e Engels denunciavam a grande cidade e consideravam que a revolução iria resolver a contradição entre a cidade e o campo), assim como muitos defensores e «amantes da natureza»…Mais uma vez, a mesma palavra esconde concepções totalmente inconciliáveis entre elas. A Gartenstadtgesellschaft é criada em 1902 e o elenco de posições que ela reúne é bem mais reduzido. É largamente dominado pelos partidários de uma estética urbana ( que irmãos encontrar na Werkbund em 1907) ligada a uma planificação urbana ( p primeiro número da revista Der Stadtebau, de Camillo Sitte e Theodor Goecke, aparece em 1904), tudo isso dentro de um quadro «natural». Um industrial, Karl Schmidt, fundador da Dresdner Werkstatten fur Handwerkskunst ( na linha de WilliamMorris e do seu movimento Arts and Crafts), decide mudar os seus ateliers e as instalações dos seus operários-artesãos para Hellerau. Richard Riemerschmid ( 1868-1957) realiza o plano-massa e desenha alojamentos individuais à margem da arquitectura «tradicional», o que não contraria certas inovações formais.

O caso francês corrobora o que acaba de ser evocado a propósito do Japão e da Alemanha. Georges Benoit-Lévy ( 1880-1971), advogado de formação, filho de um fabricante de brinquedos, aceita em 1903 uma missão de pesquisa sobre as cidades-jardins financiada pelo Museu social.O relato das suas viagens e leituras, «La Cité-jardin», sai em 1904 e é prefaciado por Charles Gide ( 1847-1932), tio do romancista André Gide, célebre economista «implicado» nas universidades populares, nos movimentos associativos, e sobretudo como teórico da economia social e do sistema cooperativo ( Escola de Nîmes). Depois de ter resumido a teoria dos «três amantes» de Ebenezer Howard, ele relata a sua descoberta de Port Sunlight e de Bournville, recenseando depois as principais experimentações das cidades-jardins no mundo, antes de concluir – uma vez que deseja assumir o papel de observador neutral - com a constatação de que esta «utopia» de papel se torno uma realidade humana… Alguns anos mais tarde, em 1911, em «Villages-jardin et Banlieues-jardins», ele debruça-se sobre a palavra e o conceito: « A marca da cidade-jardim ganhou uma tal reputação que já foi objecto de contrabando. Desde as urbanizações feitas por especuladores aos grupos mais sórdidos das casas operárias, a expressão cidade-jardim tem sido indiferentemente usada pelos flibusteiros que tenham interesse em criar confusão. Os projectos sérios, porque são mais duráveis, demoram mais tempo a chegar à maturidade.(…) Aproximando-se do tipo de garden city, pelo menos quanto à maneira de construir, assim como quanto à organização da vida social e do espírito de solidariedade que inspirou a sua fundação, as cidades-jardins e os arredores-jardins ( banlieues-jardins) diferenciam-se claramente das cidades operárias e das empresas especulativas.» Um pouco mais adiante, ele lamenta ter contribuído para os equívocos ao conservar a palavra inglesa para designar realidades francesas…

É certo que em França, apesar do alojamento social não ser talvez uma preocupação nacional, existem algumas experimentações inovadoras. As cidades ferroviárias, que se multiplicam depois de I Guerra Mundial, rejeitam o plano geométrico, misturando as casas individuais confortáveis e os jardins operários. Em Reims, na cidade-jardim de Chemin-Vert, o arquitecto Marcel Auburtin ( 1872-1926) propõe uma quinzena de tipologias de habitat que se podem combinar e dispersar-se na paisagem. Alojamento operários, alojamento social, talvez, mas não isento de beleza, de verdura e de cama. A cidade-jardim à francesa, tendo em conta a fraqueza do movimento cooperativo e as reticências dos partidos de esquerda para com a política de alojamento, apoia-se na pequena fracção de patrões favoráveis à melhoria das «condições físicas e morais» dos trabalhadores e das suas famílias, e na acção de um punhado de autarcas convencidos que mudar a cidade se traduz em mudar de vida…
Georges Benoit-Lévy monta em 1903 a Associação das cidades-jardins, que irá animar com sincera paixão, não muito esclarecida, até à sua reforma em 1908. Aparentemente a secção de higiene urbana e rural do Museu social toma conta da sua gestão e nomeia Georges Risler (1853-1941) o seu porta-voz. Doravante a cidade-jardim, sempre reivindicada, torna-se uma das formas urbanas, entre outras, do ordenamento territorial da região parisiense. O seu residente não é co-proprietário do seu alojamento mas antes o co-gestionário da sua cidade. Tais mudanças explicam-se para evitar prender o operário a um único sítio, no caso da fábrica fechar as portas… Henri Sellier, eleito socialista e saído da HEC, falando inglês, vai fazer das relações entre as comunas dos arredores e Paris um dos seus cavalos de batalha, sendo o outro o alojamento social ( ele esteve na origem da criação do gabinete de habitação social). Remodelar Paris e a sua região, tornar solidárias estas duas entidades, voltar a povoar as comunas mais pequenas e dotar o conjunto da região de uma rede de transportes colectivos. Ele imagina mesmo uma transferência fiscal das comunas mais ricas para as mais pobres…

Um mapa de 1933 localiza as cidades-jardim da região parisiense realizada por aquele gabinete: Suresnes, Gennevilliers, Stains, Drancy, Le Pré-Saint-Gervais, Les lilás, Charenton, Champigny, Maison-Alfort, Vitry, Malabry, Le Plessis-Robison, Vanves e Boulogne. Elas envelheceram e algumas acabaram por ser patrimonializadas e reabilitadas. As que estavam mais inseridas no urbanismo periférico acabaram por se fundir nele e, actualmente, um observador dificilmente reconhecerá a marca de presença de uma cidade-jardim. A diversidade das tipologias dos 13.000 alojamentos destas residências ( casas individuais, casas-gémeas, loteamentos em grupo, pequenos imóveis isolados, imóveis sobre a via de circulação…) a presença de um jardim diante e atrás da habitação, as ruas, as ruelas, os bcos, as pracetas, as alas, um mobiliários urbano específico, tudo isso confere às cidades-jardins uma real originalidade e um qualidade indiscutível, mesmo se as actuais normas de conforto não são completamente satisfeitas, e se a vida urbana dos primeiros militantes se mostra amputada da sua dimensão participativa.
Será necessário ainda evocar as outras cidades-jardins espalhadas pelo mundo, como em Espanha ( Sevilha, mais concretamente), em Itália ( Littoria, hoje Latina), em Israel ( Telavive), Finlândia ( Helsínquia), na Polónia ( Wroclaw), na Bélgica ( Le Logis-Floréal, perto de Bruxelas), mas sobretudo nos Estados Unidos, e compreender o que funcionou bem e aquilo que contribuiu para o esgotamento deste modelo de vida urbano.


A história da cidade-jardim segundo Ebenezer Howard demonstra que a opinião não chega para mudar a face das cidades, isto é, que uma ideia generosa, desinteressada, não chega para reformar pacificamente uma sociedade. Certamente que a intervenção de habitantes motivados e organizados, apoiados por uma associação dispondo de capitais e do contributo de competências de arquitectos e de urbanistas, pode levar à realização de uma cidade-jardim. Mas os bons exemplos não desencadeia por si a proliferação espontânea…A questão política mantém-se, ainda mais numa época de grande reagrupamentos territoriais ( União Europeia, por exemplo) e da globalização. Ora que democracia urbana promover? Que relações se estabelecem entre a cidade e a generalização dos territórios urbanos? Que relações entre a Natureza e a Técnica? Ebenezer Howard, na sua época, deu respostas. Mas a problemática mantém-se…

Autor do texto: Thierry Paquot
Publicado na revista Urbanisme nº 343, Juilet-Août de 2005