A palavra «cosmopolitismo» vem dos termos gregos kosmos («mundo») e polis («cidade»). Em sentido amplo, também designa o interesse de alguém sobre as populações e os países estrangeiros. É tido por cosmopolita aquele indivíduo que se revela poliglota, viajante e revelando enorme curiosidade sobre diferentes culturas. Também se dizem cidades cosmopolitas aquelas urbes onde se dá uma grande mistura de culturas e nacionalidades de todo o mundo. Já num sentido mais restrito, o cosmopolitismo designa uma certa concepção política que afirma a unidade da comunidade humana e insiste no carácter convencional dos Estados nacionais. É cosmopolita, no sentido etimológico do termo, aquele que se proclama cidadão do mundo e prefere o género humano à sua pátria. O cosmopolitismo defende ainda três ideias cuja importância varia conforme os teóricos e as épocas históricas: a universalidade, a paz e a liberdade. Com efeito, o cosmopolitismo toma o mundo à escala da sua totalidade; afirma a liberdade dos cidadãos do mundo preconizando sempre a livre circulação das pessoas; e encara como um imperativo a paz, uma vez que critica os nacionalismos como responsáveis pelas guerras.
O norte-americano Garry Davis poderá incarnar esta ideia de cosmopolitismo: antigo piloto da US Air Force, e profundamente marcado pelos horrores da guerra, ele decide romper com o seu país de origem em 1948, entregando o seu passaporte americano na embaixada dos Estados Unidos em Paris, antes de acampar frente ao palácio de Chaillot, na capital francesa, onde se iria desenrolar a primeira sessão da Assembleia Nacional das Nações Unidas, e reivindicar a criação de um governo mundial.
Apesar das suas semelhanças, costuma-se distinguir em geral o cosmopolitismo e o internacionalismo de inspiração marxista. Ambos perseguem um sonho comum: uma humanidade unida vivendo em paz. Mas. Diferentemente do cosmopolitismo, o internacionalismo baseia este sonho na mobilização do proletariado que segundo a sua concepção teria um papel motor para a realização daquele objectivo. Também é verdade que o cosmopolitismo é habitualmente associado às classes burguesas. A isso não é alheio o facto do cosmopolitismo estar ligado à liberdade comercial que é encarada como favorecendo um estado internacional de paz.
O cosmopolitismo é tomado em sentido pejorativo por alguns autores nacionalistas e conservadores, que o denunciam como um perigoso produto apátrida e desenraizado que não faz senão trair a nação. “ Quem esteja por todo o lado como se estivesse em sua própria casa, ou aquele que não se satisfaz com a sua própria casa, ou que não tem sequer um país seu, torna-se cosmopolita – mal dele que se aproxime da minha pátria», escreve o poeta nacionalista alemão Ernst Moritz Arndt (1769.1869). O político nacionalista francês Joseph de Maistre não é menos meigo nas suas críticas ao cosmopolitismo. Na verdade, vilipendiado pela extrema-direita a palavra cosmopolitismo é não poucas vezes olhada com desconfiança pelas elites.
O termo cosmopolitismo tem origem na Grécia e Diógenes, o Cínico (413 a.C. – 327 a.C.) é normalmente apontado como o primeiro autor que o utilizou, quando questionado acerca de qual seria a sua pátria, ter respondido ser «cidadão do mundo». Mas deve-se principalmente aos sofistas ( professores que ensinavam a retórica no séc. XVI e XV a. C.) a ideia de cosmopolitismo. Num mundo grego dividido em numerosas cidades-estado, o seu modo de vida itinerante permita-lhes estar menos dependente dos convencionalistas próprios de cada cidade-estado. A ideia do cosmopolitismo será posteriormente desenvolvida e tematizada pelos estóicos para os quais o indivíduo se deve desenvolver enquanto pessoa singular escapando assim aos condicionalismos pré-estabelecidos, existentes em cada cidade-estado, sem prejuízo dos seus deveres de cidadão. Todos os homens participariam na razão universal, o logos, e a este título, todos seriam irmãos iguais. Mas o cosmopolitismo dos estóicos é demasiado abstracto e conduziria a um Estado mundial que pudesse permitir de facto a reunião de todos os homens e a supressão das fronteiras. O seu contributo para o cosmopolitismo reside sobretudo naquela ideia universal do homem que não está limitado pelo nascimento nem pela sua condição.
O universalismo cristão de S.Paulo e de S.Agostinho retomará esta ideia num certo sentido ao dizer que todos nós somos iguais, não tanto por sermos cidadãos do mundo, mas antes por sermos «cidadãos do céu».
Durante séculos a teoria cosmopolita desaparece para renascer, inspirada na Antiguidade Clássica, com o Renascimento e num contexto político em que numerosos principados e cidades-Estados rivais se envolvem num guerra sem quartel, ao mesmo tempo que assistimos à formação e consolidação dos modernos Estados soberanos. O filósofo holandês Erasmo (1469-1536) foi a principal e mais conhecida figura do cosmopolitismo humanista e defensor de uma monarquia universal que garantiria a paz e a tolerância.
Após um novo eclipse o cosmopolitismo é retomado por vários pensadores iluministas no século XVIII, com David Hume, Voltaire, Diderot. Mas é, sem dúvida, com Kant e a sua obra «Projecto de Paz perpétua» (1795)que se opera a melhor conceptualização de cosmopolitismo. Kant considerava que os Estados encontravam-se num estado natural que mais não é o do conflito permanente e o do direito do mais forte a prevalecer. Ora a única maneira de remediar uma tal situação seria instaurar um direito cosmopolita que regesse as relações entre Estados. Para isso Kant não preconiza um Estado supranacional, que arriscaria a tornar-se despótico, mas antes uma federação de Estados que selasse uma aliança entre os diversos povos. Os Estados preservariam a sua soberania no que aos assuntos internos dizia respeito, mas tinham respeitar o direito internacional. O direito cosmopolita regeria pois as relações entre os cidadãos de um Estado com o resto do mundo e definiria estatuto jurídico do estrangeiro consagrando nomeadamente o direito de quem quer que seja a desenvolver o comércio e a visitar todas as regiões da Terra sem que com isso pudessem ser acusados de serem inimigos.
De uma certa maneira o projecto kantiano marca o apogeu do cosmopolitismo, mas ao mesmo tempo o início do seu declínio. E se a Revolução Francesa de 1789, ao afirmar valores universais, releva de um entusiasmo cosmopolita, ela também reforça de uma forma muito forte as tendências nacionalistas e patrióticas que se acentuam a partir de então, fazendo do século XIX, não um século cosmopolita, mas antes uma época de nacionalismo, em que se regista a criação e a multiplicação de novos Estados independentes, como a polónia, a Bélgica, a Grécia,… E não é senão no século XX que o cosmopolitismo regressa em força depois dos conflitos bélicos que o sacudiram, provocando milhões de vítimas. Na realidade, foi depois do fracasso da Sociedade das nações, criada no pós-Primeira Grande Guerra, que se constituiu logo a seguir à II Grande Guerra, a Organização das Nações Unidas que assumirá para si o ideal cosmopolita ao tentar defender os direitos humanos e evitar as guerras.
A globalização alterou profundamente o papel dos Estados-nações ao evidenciar a porosidade das fronteiras inter-estatais. Cada vez se torna mais nítida a necessidade de superar os estreitos limites das perspectivas nacionais de cada Estado. Não poucos autores começam assim a tematizar e desenvolver de novo a noção de cosmopolitismo. Desde logo, o filósofo alemão Jurgen Habermas que, na linha de Kant, reformulou o modelo cosmopolita, ao registar a crise contemporânea do Estado-nação e que, no seu entender, longe de ser negativa, pode abrir possibilidades de progresso. Segundo ele só a comunicação e a intersubjectividade podem fundar uma comunidade cosmopolita, que se concretizará através da criação de um espaço público mundial.
As questões ecológicas, o respeito pelos direitos humanos, assim como os problemas económicos e sociais devem ser perspectivados à escala mundial. Habermas considera que os direitos humanos, na medida em que se referem aos próprios indivíduos em concreto, estabelecem uma comunidade cosmopolita que supera o quadro dos Estados-nações.
Outro exemplo da tematização actual do cosmopolitismo é a reflexão levada a cabo pelo sociólogo alemão Ulrich Beck na sua recente obra «Poder e contrapoder na era da globalização», em que ele preconiza o chamado « cosmopolitismo metodológico», assim chamado por ter como objectivo apreender os problemas à escala blobal e já não nos moldes desactualizados dos ultrapassados Estados-nações. Mas este cosmopolitismo metodológico não significa necessariamente a transição para um Estado mundial cosmopolita. Trata-se fundamentalmente de uma nova atitude científica, que se intensifica e se alarga a todos os níveis e em todas as interdependências, quer eleas sejam de carácter político, militar, económico ou social. Com efeito, as comunicações de massas e os riscos ambientais não conhecem fronteiras. O papel crescente de certas instituições internacionais, a criação de tribunais internacionais, bem como a própria ideia dos direitos do homem, os fluxos migratórios, as ONGs e a emergência de poderosas elites transnacionais só confirmam esta tendência cosmopolita.
E já não é novidade os movimentos sociais ganharem uma cada vez maior dimensão mundial de que é bem o exemplo a evolução do movimento anti-globalização para a defesa de que um outro mundo é possível, ao constatar que o planeta é um bem comum cujos valores não são compatíveis com a actual ordem económica.
Tradução do texto «Le cosmopolitisme” de Catherine Halpern in Sciences Humaines, nº 158, Mars 2005