21.8.05

Na senda da poesia


( notas de leitura retiradas a partir do livro de Ruy Belo, «Na Senda da Poesia»)

A poesia já procurou produzir os efeitos da pintura, da música e da escultura. A fórmula horaciana «ut pictura poesis» teve imensos seguidores. Verlaine ( em França) e Pessanha ( em Portugal) ambicionavam produzir efeitos musicais através das palavras. A poesia concreta pretende também converter a poesia numa arte do espaço.


A poesia sempre foi uma aventura da linguagem

A poesia é, por natureza, revolucionária, na medida em que introduz a renovação na sensibilidade e na linguagem.

A interpretação é importante. Quando não é possível a interpretação de uma obra, desaparece um momento capital, tão importante quanto o da criação.

Pode-se simular a poesia de 3 maneiras: encobrindo a ausência de problemas humanos sob as vestes veneráveis do esteticismo; adoptando os preceitos de uma corrente literária sem, por incapacidade, pulsar ao ritmo do princípio vital que a anima ou animou; finalmente, recorrendo a uma musa alheia que tutelarmente cubra a obra de um criador.

A violência, o carácter revolucionário da verdadeira poesia – como se a poesia pudesse, sem se negar, não o ser… - são dadas não tanto pelo domínio exclusivo de uma linguagem nova como pela irresistibilidade de uma experiência própria. A experiência é sempre imprescindível ao poeta, mesmo que só seja para dela se evadir através da arte…

Um poeta não é o mesmo que um literato (este é, simplesmente, um imitador)

Num poeta, a admiração por outrem é uma forma de experiência própria

A crítica de poesia não é coisa diferente da poesia na medida em que realiza o imprescindível reconhecimento da palavra poética. Poeta e crítico convergem no signo poético, partindo o primeiro do significado para o significante e o segundo do significante para o significado.

O maior crítico será aquele que no acto de juízo mais fielmente reconstituir, a partir das simples palavras e das relações entre elas, o ambiente em que decorre a grande criação.

Designamos por poesia nova, não a chamada poesia moderna, mas a poesia sem mais, a poesia de sempre, incluindo naturalmente aquela que, nos nossos dias, se apresenta como a única capaz de se projectar no futuro, por ter plasmado, ou pressuposto, o nosso tempo. Moderna, teve em qualquer idade de o ser, a poesia para viver e sobreviver.

A novidade pertence à própria essência da poesia. Toda a palavra nova é, constitutivamente, uma palavra poética.

É próprio da arte, fingir. Horácio falou de fingere carmina, Suetónio de fingere poemata. A arte é fingimento. Cria uma realidade própria. Dá uma nova efígie às coisas da natureza e da vida.

A obra de arte, uma vez conseguida, tem uma existência objectiva. Vale por si mesma. Terminado o acto poético que lhe deu origem e a veio inserir na história, rompe-se a relação umbilical com o seu autor. Doravante, este encontrar-se-á perante a sua obra na situação de um crítico. Depois de esgotado o acto poético, só é possível o acto crítico.

A poesia é, como a música, susceptível de uma interpretação. Em certo sentido, a interpretação é uma segunda criação. É uma adesão imediata ao espírito da arte.


Em relação à história universal ou nacional, tais autores ( os que realizam uma autêntica actividade criadora de vida espiritual, maxime os poetas) procuram antecipar certas ideias, símbolos e crenças. O leitor fica lá atrás. O poeta vai à frente, pelos caminhos da arte.


O fenómeno da corrupção da palavra poética é quando a palavra que, da boca do poeta, nasce para um círculo de música, ingressa depois nas relações diárias e é submetida ao comércio de todos os homens. Antes que muitas das palavras anichassem na boca do povo, foram mastigados por um poeta originário. É, sem mais, o destino das frases feitas. Alguém as fez e esse alguém, quem quer que fosse, era um poeta. Basta que nos lembremos de expressões tais como «o cair da tarde», «olhar para ontem»,…

A palavra poética é o inverso da palavra prática

A palavra prática, útil, deixa de ser uma fonte de conhecimento, e até se esquece que o foi. Converteu-se num vaso que contém um significado. Na escola, o professor falará de sinónimos, orações e gramática. Nessa altura, a palavra foi deslocada da sua missão original. Resta-lhe a possibilidade de ser purificada através de parábola ou da metáfora ou da imagem ou do símbolo.

Depois da palavra usada e devassada, depois de ela ter servido nas relações habituais entre os homens ou haver funcionado como termo de um conceito, o poeta pode voltar a intervir para a elevar à sua primitiva origem poética. A palavra poética é, portanto, aquela em que não se perde a memória da primeira imagem e da metáfora que a gerou. Se essa memória se perde, só um poeta descobrirá nela aquela vitalidade originária capaz de a restituir ao seu primeiro latejo ou inventando-a radicalmente no sentimento e na fantasia

Ao proceder assim o poeta passa por cima do significado e abdica das relações com a lógica, e das relações com a imagem. A gramática dá um nome àquilo que o homem vê, mas é a lógica que depois aponta para ele. A poesia, porém, abre mão quer de uma ( oratio) quer da outra ( enunciato)

A palavra prática é o termo de um conceito

Diferentemente, a palavra poética é o termo de si própria, é matéria e forma, voz e sinal

Em Vitorino Nemésio encontramos uma distinção paralela, correspondente aos dois reinos atrás referidos, que se encontram na psique humana: a phantasia (onde reside a palavra poética) e a cogitatio ( onde está a palavra prática)


A palavra que a poesia utiliza é surpreendida, num momento dinâmico, por um acto de criação ou de purificação. No princípio, toda a palavra seria poética. Manter-se-ia o drama que lhe deu origem. Não haveria nela rigidez alguma. É esse, hoje e sempre, o encanto da poesia. A sua palavra situa-se entre a natureza e o espírito. É arte. É uma palavra que continuamente se faz, que é devir. Está ali, mas está para um sentimento sobre a qual ela se levanta. Vive, porque em cada momento a recriam. Sempre que um poeta, ao criar hoje um verso, purifica uma palavra, rompe as relações de vizinhança, que ela mantinha especialmente com um conceito…Toda ela é emoção criadora. Está-lo sendo continuamente. Sobre ela não pode conceito algum poisar a cabeça. É uma palavra sem história, sem património, sem árvore genealógica. Quando for útil terá uma situação estável, mas haver-se-á comprometida. Terá perdido a sua liberdade.

Característica essencial da poesia: a novidade. A novidade seria tão conatural, tão própria da palavra poética, que toda a palavra nova recentemente nascida, despertaria em nós emoção idêntica à que só a poesia tem a virtude de desencadear.

Todos os filósofos consideram fingida toda e qualquer palavra; poucas são aqueles que defendem a existência de relações naturais entre as palavras e as coisas por elas designadas. Mas se toda a palavra é fingida, então é no modo e no grau particular de fingir que radicará a distinção entre palavra poética e palavra prática.

A palavra poética é uma palavra universal (1ª) Porque é significativa. Com efeito, a palavra poética não pode ser meramente expressiva ( a palavra expressiva é essencialmente transitória, é filha de uma situação e morre com ela), pois a palavra poética apresenta uma particular independência em relação à coisa. (2ª) A palavra poética tem de vigorar para além da conjuntura que se verificou com o nascimento. Tem de subsistir, muito embora as coisas sejam transitórias. Tem de vencer o tempo. A sua vida tem de dar testemunho das circunstâncias que a viram nascer. (3ª) A palavra poética é abstracta, pois embora haja um facto concreto na sua origem, não está vinculada a esse facto, existe como mensagem de uma experiência.

Mas, apesar de tudo, a palavra poética é a mais expressiva, a mais transitória, a mais concreta de todas as palavras universais. É uma palavra de encruzilhada. É significativa porque é livre, com uma liberdade que a torna fim de si própria. Não está amarrada a conceito nenhum. Recusa-se a ser útil, a servir. É independente de tudo o que arrasta consigo o compromisso de apontar para alguma coisa, muito embora essa coisa já se disfarce sob as vestes de um conceito. E, no entanto, é expressiva. É memória de um caso humano. É ela própria um conteúdo vivo. Luta contra o tempo, vence-o; e, não obstante, a cada passo morre. Não há quem a reconheça, quem a identifique na sua antiga estirpe. Tem de ser purificada. É abstracta, dita depois de muita experiência, e existe singularmente, com o vigor de uma única vez.

A palavra de arte evoca uma situação. Por isso, não pode ser arbitrária, não pode renunciar à virtude de comunicar, embora tenha de se rodear de um certo mistério. Aí reside o seu eclectismo. Ela é tomada materialmente e não no seu aspecto formal, na função que desempenha.

A palavra poética não é uma imitação da realidade. É uma nova realidade.

A palavra poética é mais rica do que a própria coisa individual. É surpreendida como relação. É um pequeno mundo cheio de amor. É o pretexto para uma emoção que é ela própria e que o poeta transmite como a viveu.

Apetece perguntar: então a poesia estará toda ela nas palavras?

Quem leva a sério as crianças ou os loucos, que falam por falar? Não se compreende que a pessoa sensata tenha conversas sem nexo. Ora o poeta tem precisamente essa ousadia: emite palavras sem cobertura, isto é, vê-as em si mesmas, sem conceitos por trás. Quando se diz, por exemplo, que «é preciso reaprender o Outono», essas palavras e a ligação entre elas começam e acabam em si mesmas, não há nenhum resultado prático a atingir. Nem ele mesmo acredita que, quando em Outubro abrirem de novo as aulas, os pais mandem as crianças à escola para aprenderem o Outono. Elas vão mas é aprender a ler.

Em poesia, as palavras aparecem sempre deslocadas de um fim imediato. Entre os homens que falam, o poeta é aquele que depura as palavras.

Quando o poeta, no seio de um poema, profere a palavra árvore, o que faz não é utilizar um conceito a que houvesse sacrificado todas as opulentas árvores de pássaros que diariamente encontra no seu caminho. Em vez de se sujeitar à abstracção que o conhecimento pelos meios lógicos impõe, é como se utilizasse uma verdadeira árvore, com os seus pássaros, as suas folhas, a sua sombra, a sua tristeza ou alegria. Apenas se limita a dar a essa árvore uma nova vizinhança: ou Deus, ou a infância, ou, talvez, o pressentimento da morte. Como é que ele conseguirá criar assim uma árvore tão viva? Pegando na palavra em si, rompendo talvez as suas relações habituais com outras palavras, dando-lhe outras novas, que, através do choque, da surpresa, do inaudito, a cerquem e a iluminem de determinada maneira e a rodeiem de silêncio.

O poeta serve-se das palavras – melhor seria dizer: serve as palavras – como o pintor mistura as sãs tintas. Escolhe-as pelo que elas têm de som, de ritmo, pela sua condição social, pela sua árvore genealógica. Dá-lhes novas ligações e é como se as fizesse esquecer a casa dos pais. Aí temos uma palavra novinha em folha, livre, isenta ainda de qualquer servidão, próxima da fonte, com o seu peso, a sua densidade, o seu volume, a inaugurar um espaço que só pode ser poético. Como é isto possível? É que cada palavra é um infinito e exerce sobre nós o sortilégio que o seu poder mágico lhe permite. Não há bem mais humano do que a palavra, de tal maneira que ela até compromete na inteligência do homem toda ou quase toda a sua existência. Ela ajuda a criar, e participa da história do homem. Daí que pô-la em jogo seja movimentar um universo.

A palavra é humana até na sua natureza social. Ela própria diz relações com outras. Tem também a sua família, parentesco ou afinidades, repulsas e simpatias.

Basear a poesia na palavra poética não significa portanto uma pobreza de vistas, nem se pode acusar de qualquer forma de atomismo quem isola esta para caracterizar aquela. Concebendo a palavra por natureza relativa a outras, vendo-a em movimento no verso e no poema, nunca há o perigo de que o corte imposto pela análise a mutile. Ao passearmos de palavra em palavra, pelo poema fora, não deixamos a poesia escorrer por entre elas. Concluímos que o poema não é mais do que o lugar onde as palavras convivem umas com as outras.

Platão fazia realçar a inspiração. Depois, vieram Aristóteles e os poetas clássicos, que chamaram a atenção para a arte: para a técnica, para o poema. Depois, os românticos debruçaram-se sobre o processo psicológico que se verificava na alma do poeta. Depois, o resultado voltou a atrair para si todas as atenções. Hoje, a crítica contempla o resultado transcendente da actividade psíquica do poeta. É nesse sentido que Saint-Exupéry diz: «Eu não conheço a beleza, mas coisas belas» ( isto é, «eu não conheço a poesia, mas poemas).

O poema é um acto de renúncia: renúncia a todos os outros poemas possíveis. A liberdade do poeta só é grande fora do acto de criação. Quando as primeiras palavras lhe começam a cantar nos olhos ou nos ouvidos e a emoção que experimenta se vai definindo, mais do que acumular palavras, o poeta vai sucessivamente renunciando a elas, àquela palavra, sem contemplações, inexoravelmente.

O poema só é possível por uma grande falta de objectividade. Para que o poeta, cidadão necessariamente comprometido na vida prática, ceda à tentação das palavras, tem a emoção de fazer esquecer a terra que pisa e de lhe acenar com essas palavras, aparentemente tão insignificantes.

O poeta ao exclamar «passaram as coisas velhas, eis que tudo se faz novo», pode estar a concretizar a verdadeira essência da poesia.

No poema, a tensão lírica é assegurada menos pelo recurso a palavras novas ( característica da prosa) do que pela exploração da novidade das palavras (utilizadas na poesia). Como exemplo disto temos o caso de Aquilino Ribeiro e Miguel Torga. O primeiro, essencialmente prosador, obtém a temperatura do texto pela abundância e variedade das palavras empregadas. Miguel Torga, pelo contrário, dedica-se a lapidar as palavras e as relações entre elas: quando lhe saem das mãos, após esse trabalho de artista, como que têm volume.

Mallarmé, ao utilizar pela primeira vez na história da poesia, o espaço, veio realmente levantar um problema importante.

Na poesia gostamos de parar em cada verso de um poema; na prosa, a sua leitura impele-nos para a frente, sempre para a frente.

É certo que um poema deve ter unidade, designadamente unidade de ritmo. Hoje mesmo, que a poesia se tornou mais poética devido à exigência daquela «tensão lírica» de que fala Garcia Lorca, essa unidade tem de existir, graças possivelmente aos vários processos de que o poeta dispõe, como a anáfora, a enumeração caótica ou o inventário, as estruturas fonéticas, a arbitrariedade procurada entre as palavras e a imagem, etc. Mas já não é preciso que ao poema corresponda uma unidade de emoção, pois o poeta pode escrever muitos poemas num curto espaço de tempo.

O poema é um objecto, uma coisa do mundo exterior, uma vez terminado. Passa a ter existência própria, e só o nome do autor lembra a quem o ler aquele que lhe deu as palavras para subsistir. É um corpo vivo, e são as exigências de autonomia, de emancipação, que asseguram e delimitam a sua fundamental unidade.

Perguntar-se-á agora: poderá a poesia ser imoral?

Viu-se que a palavra comum, embora fictícia, não cria, ao ser empregada, isto é, ao ser posta em movimento, uma nova realidade. A palavra poética, essa sim, porque não só é fictícia, como também actua na medida em que o é. Aliás é duas vezes fictícia: no seu nascimento e na sua vida. Por isso, quando um artista recorre à sua disponibilidade e a põe em exercício, essa palavra cria uma realidade diferente da realidade. A arte transfigura a vida. O artista começa onde acaba o homem.

A moral incide sobre a vida, julga os actos do homem.

A obra de arte, uma vez realizada, tem existência objectiva, independente de quem a criou. Se os gestos do artista, enquanto actos humanos, revestem incidência moral, a obra ultrapassa a responsabilidade do homem


Sócrates tinha medo da poesia, embora esta lhe merecesse todo o respeito. Com efeito, Sócrates não podia ter mais consideração por ela do que pela verdade. Dizia ele: «é preciso travar uma grande luta. Nada deverá distrair os cidadãos da nova república; nem sequer a poesia.»

Platão leva Sócrates a defender que é preciso expulsar os poetas da cidade. As palavras dos poetas são um perigo para os ouvidos de homens que querem ser livres. Só que o que fazem é criar fantasmas, que afastam os homens da contemplação da verdade. Comprazem-se em jogos de palavras, são charlatães de ilusões, criam uma arte que é mentira. Se querem continuar na cidade devem demonstrar que a poesia, além de agradável, é útil ao Estado e à vida.

A poesia não é nem pode ser aquela «imitação das acções humanas levada a cabo para servir de norma de conduta na vida» como Torquato Tasso queria. Não significa isso que o poeta não venha a escrever para se tornar melhor a ele próprio ou para tornar melhores os outros. Mas a pretensão de fornecer ao poeta cânones ou preceitos acabaria por fazer com que a sua palavra deixasse de formar por via das formas e passasse a ser moral ou retórica..
Impor à arte um fim contingente, por muito nobre que ele seja,significa comprometer a sua autonomia.

A melhor maneira de assegurar a justa medida nas relações entre a moral e a arte é começar por defender a autonomia que esta efectivamente possui. A palavra artística e a acção humanitária integram-se em duas ordens distintas. A conclusão impõe-se, pois: a obra e o artista, na medida em que o são, não podem deixar de ser absolutamente amorais.

A arte não pode ser imoral sem se renegar, sem comprometer a sua inocência. Quando a palavra chegou a ser verdadeiramente depurada pelo seu ingresso na arte, ela não pode ser imoral. Ninguém negará que Dante, no episódio de Paolo e Francesca, narre um facto torpe; no entanto, a elaboração artística liberta-o da imoralidade de que enfermava como facto da vida real.

É esta a suprema autonomia da arte: a palavra poética, quando o é verdadeiramente, nunca pode deixar de ser pura.

A arte, em princípio, não pode ir contra a moral, porque se integra numa outra ordem e porque, além disso, essas contradição repugnaria à sua própria natureza.

A poesia que se ensina, será a melhor poesia? E será possível ensinar poesia? Muitos de nós fomos educados no estudo de uma poesia onde não a menor invenção de linguagem, o menor achado artístico. Parece assim que não nos deram a ler os verdadeiros poetas e, se num caso ou noutro o fizeram, talvez não nos tenham seleccionado as respectivas composições segundo o critério que melhor serve a poesia, isto é, segundo a função poética da linguagem.

Não será que poesia e educação são duas coisas diferentes, dificilmente conciliáveis, e as mais das vezes opostas?

Pode-se entender a poesia como o exercício da sabedoria da linguagem. Por outro lado, linguisticamente falando, a poesia configura-se como a violação, o afastamento em elação a uma norma que é a linguagem usada nas relações habituais entre os homens. Há um certo carácter revolucionário inerente a toda a boa poesia, e a revolta nos temas ou motivos pode facilitar um certo vigor que nunca deve deixar de existir ao nível da expressão.

É claro que a poesia poderá e deverá ser útil, desde que não atraiçoa sua natureza. Assim, o ideal seria o poeta ter em consideração os interesses permanentes da comunidade, desde que não atraiçoa a natureza da poesia para os servir.

A espontaneidade da poesia: a poesia, como tudo o que é humano, custa. Não é um escolho arranjar uma rima? Não é difícil escrever um soneto? Mas o que é mais valioso é o poema em verso livre, o poema realmente moderno, sem rima ou com a rima levada a um tal excesso que se faça explodir, o poema cuja única norma é a beleza que, se é de um tempo determinado, vence o tempo, por se consubstanciar numa linguagem que, em vez de morrer, vive, viceja.

Poema simples não é o poema acessível, directo, chato, incapaz da menor invenção, mas sim o poema dotado da capacidade de surpreender num ápice, de provocar esse delicioso traumatismo que é a emoção estética. Se há uma poesia moderna é a poesia da surpresa, da aventura, do rigor. Pois não é lícita a aventura que não conduza ao rigor.