Tenho uma dívida imensa para com o Padre Mário. Foi ele que, por intermédio da leitura dos seus livros proibidos e censurados, e que o meu pai trazia para casa, me ajudou a crescer e a identificar-me com os mais fracos. Nos anos de adolescência, e no ambiente opressivo em que se vivia então, ele foi o referencial a que me arreguei para compreender o mundo em que vivia, a ditadura instalada, e a vontade de emancipação dos pobres...
Por isso já tardava este tributo a esse homem que ajudou muitos a entenderem quem são e para onde queremos ir. Mesmo depois do 25 de Abril ele continuou, ainda que de forma mitigada, por actos e palavras, a ajudar a desbravar certas trilhas ideológicas. Nunca lhe falei pessoalmente mas acho que é chegada a altura de lhe prestar esta simples homenagem pessoal.
Outra falta minha é de ainda não ter visitado e ajudado de qualquer forma o Barracão de Cultura que é, segundo sei, o seu projecto mais acarinhado. Faço questão de o visitar na primeira oportunidade que me apareça.
Entretanto, refira-se o notável Boletim Fraternizar que circula por aí, de que o Pe Mário de Oliveira é responsável, e cuja leitura e distribuição se aconselha a todos os que se batem por um mundo mais justo e livre.
Outra falta minha é de ainda não ter visitado e ajudado de qualquer forma o Barracão de Cultura que é, segundo sei, o seu projecto mais acarinhado. Faço questão de o visitar na primeira oportunidade que me apareça.
Entretanto, refira-se o notável Boletim Fraternizar que circula por aí, de que o Pe Mário de Oliveira é responsável, e cuja leitura e distribuição se aconselha a todos os que se batem por um mundo mais justo e livre.
Reproduzimos o editorial e um dos artigos publicados no seu último número (Jan-Mar de 2007). Para que não restem dúvidas, acrescentemos apenas que na última edição o lema do jornal é «Esta é a hora dos Povos».
Consultar e ler:
http://padremariodalixa.planetaclix.pt/index.html
Ninguém se descuide nem atrase
ESTA É A HORA DOS POVOS!
A edição n.º 164, referente ao trimestre de Janeiro/Março de 2007, do Jornal Fraternizar apresenta-se com uma boa notícia em manchete: O Império e o Templo estão a cair, para darem lugar aos Povos de toda a Terra. Esta é, pois, a hora dos Povos! Como boa notícia ou Evangelho que é, é preciso mudarmos de campo, despojarmo-nos da ideologia da Ordem Mundial dominante, e erguermos a nossa tenda entre as vítimas do Templo e do Império para podermos acreditar nela. Os que fabricam as vítimas, embora sintam que o chão do Poder e dos Privilégios já está a fugir-lhes de debaixo dos pés – aos olhos delas, não passam hoje de histriónicos cortesãos e de fantoches manipulados pelas grandes transnacionais do mundo, sem uma única ideia que se aproveite nas suas cabeças – não só não acreditam nesta boa notícia, como até esboçam sorrisos amarelos com tudo de estupidez e de cegueira, como se o seu Poder e os seus Privilégios fossem eternos. Não são. O 11 de Setembro de 2001 revelou para todo o sempre que não são. E se duraram todos estes séculos, foi porque a Humanidade foi habilmente mantida por eles na opressão e no medo e num estado de subdesenvolvimento e de infantilismo de bradar aos céus. Felizmente, o século XXI e o terceiro milénio não serão mais do mesmo. Esta é, por isso, a hora dos Povos. Mas a sua chegada anuncia, também, o fim da dupla histórica, intrinsecamente perversa e assassina, formada pelo Império e o Templo juntos. Até ao fim do século XX e do segundo milénio, as populações (mais populações do que Povos, que só agora emergem na História) foram brutalmente ensinadas e catequizadas para verem no Templo e no Império manifestações de Deus na terra, cujas leis e decisões tinham que acatar e realizar religiosamente, sob pena de maldição e de condenação eternas, o que perfaz um crime de lesa-Humanidade sem perdão!
Sabemos hoje que bem poderia não ter sido assim, pelo menos desde há dois mil anos para cá. Na verdade, pelo ano 30 da nossa era, houve um homem que revelou ao seu povo e, nele, a todos os povos da Terra – e revelou-o com o seu próprio sangue derramado – que o Templo e o Império eram, são o Perverso, o Mentiroso e o Homicida que jamais deveremos adorar, pelo contrário, sempre deveremos enfrentar, combater, derrubar e destruir. Logo um e outro como um só condenaram-no à morte e executaram-no na Cruz, para que o seu nome nunca mais fosse pronunciado sobre a Terra e ninguém mais se atrevesse a reconhecer na sua prática e na sua palavra e, sobretudo, na sua PÁSCOA ou Passagem pela História, a presença efectiva e definitiva da libertação e da salvação da Humanidade e do Universo. Mas quando semelhante propósito se revelou de todo impossível de conseguir, logo o Império e o Templo decidiram ir ainda mais longe na sua perversão e converteram esse Homem feito maldito pela crucifixão, num mítico deus, o seu deus maior, absolutamente inofensivo, enquanto eles próprios passaram de seus carrascos ou verdugos a seus máximos representantes sobre a terra!... As multidões, ainda medonhamente oprimidas e tolhidas pelo medo, acataram ingenuamente esta Mentira oficial e até aos nossos dias continuaram dispostas a ser carne para os canhões do Império e carne para as múltiplas religiões do Templo. Mas a verdade é que Jesus, o de Nazaré – é este o Homem de quem nem o Templo nem o Império podem sequer ouvir falar, tamanho é ódio que nutrem contra ele – está hoje à beira de ser resgatado do controlo de todas as religiões do Templo e de todos os ideólogos do Império. A Humanidade deste século XXI, felizmente cada vez mais ateia de todos os deuses que se alimentam de gente, está prestes a reconhecê-lo como património seu, vivo e actuante. E hão-de ser todos os Povos da Terra, finalmente unidos e organizados à escala global, que irão realizar com alegria e entusiasmo o seu Projecto de libertação para a liberdade/responsabilidade e para a sororidade/solidariedade universal.
Acreditemos nesta Boa Notícia. Procuremos ser dignos dela. Organizemo-nos desde já em pequenas comunidades ou núcleos de afectos e de mesas partilhadas, sem exclusão de ninguém. Ao mesmo tempo, comecemos a recusar executar as leis e as ordens dos mandantes das religiões do Templo e dos ideólogos do Império. Deixemos uns e outros a falarem sozinhos. Habitemos com simplicidade entre os Povos da Terra e com eles como humildes intelectuais orgânicos e como “parteiras”. Até que os Povos da Terra se assumam como um exército em linha de batalha sororal/fraternal, derrubem o Templo e o Império com a violência da Ternura e da Cultura e façam nascer um novo jeito de ser Homem/Mulher e de viver humanamente sobre a Terra: – o jeito jesuânico, feito de misericórdia e de perdão, de responsabilidade política e de partilha/comunhão económica e financeira entre todos eles. É hora, irmãs, irmãos! Ninguém se descuide nem atrase!
O pesadelo dos medicamentos
Entre 2000 e 2003, a quase totalidade das grandes empresas farmacêuticas passou pelos tribunais dos EUA, acusadas de práticas fraudulentas. Oito dessas empresas foram condenadas a pagar mais de 2,2 mil milhões de dólares de multa. Em 4 destes casos, as empresas farmacêuticas implicadas – Tap Pharmaceuticals, Abbot, AstraZenaca e Bayer – reconheceram a sua responsabilidade por actuações criminosas que puseram em perigo a saúde e a vida de milhares de pessoas. Se quiserem saber mais pormenores sobre as actuações criminosas das empresas farmacêuticas, leiam o texto que se segue, elaborado pelo Jornal Fraternizar a partir do n.º 141 de Cuadernos CJ (Cristianisme i Justícia), integralmente escrito por Teresa Forcades i Vila, monja beneditina, doutora em medicina e, neste momento, a preparar também um doutoramento em teologia. Verão que a realidade é um verdadeiro pesadelo, a que urge pôr cobro. Como? Eis a questão. Mas o primeiro passo consiste em tomar consciência dele. O monstro tem múltiplas cabeças e é multinacional. Mas não há nenhum “Golias” que não possa ser derrubado pela “pedra” duma “funda” lançada pelo mundo do Pobre, como no-lo revela o relato bíblico do jovem David. Vamos à luta! Esta é a hora, tanto mais quanto as grandes empresas farmacêuticas estão hoje mergulhadas num grande impasse, sem mais imaginação para criar novos medicamentos que respondam às reais necessidades das populações. A febre dos lucros subiu-lhes de tal modo à cabeça, que elas perderam a capacidade de criar e de inovar. Limitam-se a produzir e a vender mais do mesmo, sob rótulos diferentes. E se há causa que possa mobilizar as populações do mundo, do Norte e do Sul, é a causa da saúde e da qualidade de vida. Eis.
As grandes companhias farmacêuticas utilizam hoje a sua riqueza e o seu poder para defenderem os seus próprios interesses à custa do bem-estar, da saúde e da vida de outras pessoas.
De acordo com o Relatório elaborado no ano passado (2005) pela Comissão de peritos do Parlamento inglês, os interesses da indústria farmacêutica e os do conjunto da população não coincidem.
São quatro as principais estratégias utilizadas hoje pela indústria farmacêutica para obter os seus lucros multimilionários:
1) Comercializar e efectuar uma extraordinária pressão propagandística dos medicamentos que ela própria fabrica, mesmo que estes não sejam úteis às pessoas e até possam ser nocivos e inclusive mortais; 2) explorar ao máximo os medicamentos (incluídos os essenciais) sob a forma de monopólio e em condições abusivas que não têm em conta nem as necessidades objectivas dos doentes nem a sua capacidade aquisitiva; 3) reduzir ao mínimo ou eliminar totalmente em alguns casos a investigação das doenças que afectam principalmente os pobres, porque não são rentáveis, e concentrar-se nos problemas das populações com alto poder aquisitivo, mesmo quando não se trate de doenças propriamente ditas, como é o caso da proliferação de “medicamentos” contra o envelhecimento; 4) forçar as legislações nacionais e internacionais para que favoreçam os seus interesses, embora à custa da vida de milhões de pessoas.
Eis alguns factos concretos que comprovam a verdade de cada uma destas quatro principais estratégias:
1) Dados da agência reguladora dos medicamentos dos EUA mostram que entre 1998 e 2002 registaram-se oito suicídios naquele país entre doentes de epilepsia que tomavam gabapentina da casa Pfizer (o seu nome comercial é Neurontin). No primeiro semestre de 2003, o número de suicídios registado foi de 17. Depois que um núcleo de advogados estadoniense tornou públicos estes dados e abriu um registo para divulgação de outros incidentes do género, foram documentadas, entre os meses de Setembro de 2003 e Agosto de 2004, 2.700 tentativas de suicídio entre os doentes que tomavam gabapentina, dos quais 200 terminaram com a morte do doente. Portanto, em apenas 12 meses, 2500 tentativas de suicídio falhadas, e 200 suicídios consumados!
Os dados foram tornados públicos e, mesmo assim, em 2004 a revista British Medical Journal informava que nem a agência reguladora dos medicamentos do país, nem a empresa Pfizer tomaram qualquer medida, nem sequer a de passar a indicar no prospecto que acompanha o medicamento o alerta para o risco de suicídio. Actualmente, a página na net da Pfizer já alerta para o risco de suicídio do Neurontin, mas para se chegar a essa informação têm que ler-se primeiro 26 páginas de explicações farmacológicas e de possíveis efeitos secundários…
Quanto ao antidepressivo sertralina (Zoloft), também da Pfizer, a referida revista informava que a companhia havia ocultado a informação sobre os possíveis efeitos secundários de tentativa de suicídio e de agressividade. E só depois do chocante caso de Christopher Pittman (um menino de 12 anos que começou a mostrar um comportamento altamente agressivo, poucas semanas depois de iniciar um tratamento com sertralina e que, dois dias depois que lhe dobraram a doze, assassinou os avós e incendiou a casa), é que a agência europeia de regulação dos medicamentos finalmente desaconselhou o seu uso em menores…
Segundo a rede de centros regionais de farmocovigilância de França, todos os anos, um milhão e 300.000 franceses são hospitalizados no sector público devido a efeitos indesejáveis de um medicamento. Este número representa 10% do total das hospitalizações. Ora, de todas estas pessoas, um terço apresenta-se no hospital em estado grave; e pelo menos 18.000 morrem cada ano (o dobro do número de mortos na estrada no país).
2) Desde que entrou em vigor em 2005 a nova legislação sobre patentes dos medicamentos essenciais, é brutal o seu impacto no acesso a esses medicamentos essenciais, especialmente nos países pobres. Trata-se de optar pelo prolongamento e pela qualidade de vida das povoações do Norte, à custa de encurtar de forma imediata, em dezenas de anos, a esperança de vida nas populações dos países do Sul. O que equivale a condenar 90% dos que precisam de medicamentos para continuarem a viver, para que os preços se mantenham elevados para apenas 10% de privilegiados. O que perfaz uma obscenidade e inaugura o que poderemos chamar “um reinado de terror”.
Mas o abuso do actual sistema de exploração de patentes não afecta apenas os países do Terceiro Mundo. Nos países ricos do Primeiro Mundo, há cada vez mais pessoas com dificuldade para pagar o preço dos tratamentos prescritos pelos médicos. Para reduzir despesas, há já quem tome os medicamentos dia sim, dia não e quem os partilhe com outras pessoas da sua família. Nos EUA, tomar um medicamento durante um ano pode custar actualmente 1.500 dólares. As pessoas com mais de 65 anos chegam a tomar em média 6 medicamentos por dia, o que perfaz uma despesa anual por pessoa de 9.000 dólares!
3) Em 2001, o grupo de Médicos Sem Fronteiras publicou um Relatório intitulado Desequilíbrio fatal que teve enorme impacto na opinião pública na altura, mas depressa foi esquecido. Segundo este Relatório, as doenças que afectam principalmente as populações empobrecidas são pouco investigadas e as doenças que afectam exclusivamente as populações empobrecidas não são de todo investigadas. Algumas dessas doenças, como por exemplo a fase crónica da doença de Chagas (uma infecção que afecta milhões de pessoas na América Latina) não têm qualquer opção terapêutica! Do referido Relatório, conclui-se que 90% dos recursos sanitários do mundo são dedicados a investigar as doenças que afectam 10% dos doentes do mundo (precisamente, os do Primeiro Mundo). O que quer dizer que apenas 10% daqueles mesmos recursos são gastos a investigar as doenças que afectam os outros 90% de doentes do mundo. Este dado é conhecido como “desequilíbrio 10/90”.
As doenças tropicais, por exemplo, são doenças esquecidas. Do total de 1.397 medicamentos comercializados entre 1975 e 1999, apenas 13 (1%) destinavam-se ao tratamento duma doença tropical. As doenças esquecidas incluem, entre outras: a malária, a tuberculose, a doença de Chagas, a úlcera de Buruli, e a lepra, a maior parte delas doenças dos pobres!
Alguém poderá objectar que as empresas privadas têm direito a investir o seu dinheiro onde melhor lhes pareça. Porém, a verdade é que o dinheiro que financia as investigações não é só privado, mas provém também de acordos com a saúde pública. O que quer dizer que nós, público em geral, pagamos duas vezes pelo mesmo produto e, além disso, não temos qualquer controlo democrático sobre as prioridades em que se gasta o referido dinheiro. Pagamos, primeiro, para financiar as investigações e depois para adquirir os medicamentos. Assim não é de estranhar os lucros multimilionários das empresas farmacêuticas. Por exemplo: dos 17 ensaios clínicos que validaram os 5 medicamentos mais vendidos durante o ano de 1995 (Zantac, Zovirax, Capoten, Vasotec e Prosac), apenas 1 foi financiado pela indústria farmacêutica. Do conjunto dos estudos considerados decisivos para chegar a desenvolver estes 5 medicamentos, concluiu-se que apenas 15% foram financiados pela indústria farmacêutica.
Os investigadores do grupo Médicos Sem Fronteiras advertem também que não são só os laboratórios os responsáveis pelo desequilíbrio fatal, mas todas as instituições públicas e privadas que colaboram para que a produção de medicamentos se oriente de forma exclusiva ao lucro económico e menospreze o sofrimento dos doentes. Se as doenças mais estudadas não são as que mais afectam a humanidade, então quais são elas? Vejam só: Segundo o referido Relatório, a maior parte dos esforços financeiros e intelectuais da investigação sanitária de todo o mundo em 2001 foram destinados a investigar a impotência sexual, a obesidade e a insónia!!!
Além de não serem tidos em conta, quando se trata de decidir as prioridades da investigação de novos medicamentos, os doentes dos países pobres – especialmente, os africanos – são utilizados como cobaias para se obterem informações sanitárias diversas que depois nunca os beneficiam a eles. No Quénia, por exemplo, e sob a responsabilidade da Universidade de Washington, realizaram-se, em finais da década de noventa, estudos clínicos para observar a evolução natural da doença da SIDA. O que significa que, com a desculpa de que eles sempre acabariam por morrer, centenas de africanos foram sujeitos a provas complementares para analisar como se iam deteriorando até morrerem, à medida que avançava a infecção, sem nunca lhes ter sido oferecido o respectivo tratamento que poderia tê-la detido!!!
4) A indústria farmacêutica dispõe nos EUA (sede das empresas que dominam o mercado global) de um número de lobbys profissionais superior ao número de congressistas. O que significa na prática que cada parlamentar tem à perna um ou mais destes profissionais que estudam o seu perfil psicológico, a sua história pessoal e laboral e detectam os pontos fracos através dos quais podem pressioná-lo para que vote, ou proponha no Parlamento leis favoráveis aos interesses da indústria farmacêutica (por isso, contrários aos do bem comum) e para que vote sempre contra as propostas contrárias a esses mesmos interesses. No ano de 2002, por exemplo, 26 destes 675 lobbys eram ex-parlamentares, 342 eram ex-trabalhadores do Parlamento, e 20 tinham exercido cargos directivos.
Ao mesmo tempo, as empresas farmacêuticas foram ao ponto de criar organizações que se apresentam na sociedade como iniciativas espontâneas de cidadãos, quando mais não são do que organizações financiadas por elas para defenderem os interesses delas. Quando se trata, por exemplo, de fazer substituir um medicamento por um outro novo que vai entrar no mercado, esses cidadãos multiplicam-se em declarações aos media a testemunhar que o novo é que é bom e que já o experimentaram com resultados espectaculares… Tudo em troca de dinheiro ou outras compensações em que são hábeis as grandes empresas farmacêuticas. Mercado livre, isto? Mercado selvagem, é o que é.