7.5.05

A profanação do sagrado como arte de viver



Giorgio Agamben acabou de publicar um novo livro, Profanazioni, que já se encontra traduzido para inglês e francês.
Reproduz-se alguns excertos de um breve texto publicado no Liberation de 16 de Abril de autoria de Jean-Baptiste Marongiu:


Acerca do terrível poder desumanizante do sagrado, Agamben escreveu uma trilogia - Homo Sacer –, mas é toda a sua filosofia que parece visar a profanação do sagrado.

Sacer, sagrado, significa em latim aquilo que está separado, reservado, subtraído ao uso comum, por oposição, profano é alguém que tenha saído dessa reserva, e regressado à comunidade humana. Não se trata apenas de uma operação mental, é ainda necessário um gesto. Profanar significa tocar no sagrado para o libertar. Libertações desejáveis e necessárias nestes tempos de sacralização de tudo e mais alguma coisa, Agamben não elabora propriamente um catálogo, mas aponta antes alguns exemplos.

O volume recolhe alguns textos posteriores e outros que precederam a redacção dos seus últimos livros. O trabalho filosófico realiza-se na sua intimidade na medida em que nos apercebemos de suturas e desligações conceptuais, o que permite ao autor expor o seu método, procedendo sempre por uma abordagem simultaneamente estética e política da vida e do pensamento, reunificados por um estilo em que a ética e a escrita se alimentam uma à outra.

O que é mais sagrado que o «eu» de Descartes? Ora nestas Profanações Aganbem lança-se justamente sobre este sujeito individual que se quer soberano, que passa grande parte do tempo a compor em si algo bem mais forte: o impessoal, o obscuro, o pré-individual.

O último Foucault já tinha previsto que simultaneamente se pode re-ligar o cuidado de si e a exigência de nos separarmos.

Foucault serve de resto como pano de fundo de toda a pesquisa sobre biopolítica, que ele iniciou e que Agamben retoma e desenvolve. Mas nos textos está também presente Elsa Morante ( de quem o filósofo esteve próximo durante a sua juventude, vivida em Roma, por ser esta a cidade onde nasceu em 1942) e da sua concepção da literatura como paródia de vida. Força de dessacralização, logo de profanação, a paródia está na obra quanto menos se espera…

(…) a consagração do fetiche da mercadoria interdita todo o uso que não esteja já nela
incorporado, o que a torna «improfanável».
Por isso mesmo é que «a profanação do improfanável» é a tarefa política da geração que vem…