7.5.05

Henri Laborit, um cientista libertário



Um cientista libertário entre a biologia e a psicologia

O encontro de Henri Laborit e os anarquistas foi um choque. O companheiro que realizou com ele cinco emissões na Rádio Libertaire fala de uma descoberta reciproca como se aquelas emissões tivessem revelado ( no sentido fotográfico) tudo o que impregnava a sua vida. Tanto mais que Laborit descobriu na obra de Kropotkine “Ajuda Mútua” muitas ideias que contrariavam o neo-darwinismo, também rejeitado por ele: ideias essas que tinham sido expostas num livro seu: “L’inhibition de l’action”. Dizia que “era mais anarquista que os anarquistas” na medida em que o conhecimento que tinha do funcionamento humano (conhecimento tanto dos limites como dos preconceitos, e dos juízos de valor que tecem a vida psíquica) tornavam-no até de certo modo mais «livre». Uma tal lucidez levava-o, por exemplo, a recusar a competitividade e a preferir a autogestão para lutar contra as dominações presentes no jogo social.
O estilo de homem que ele foi, mas também a sua maneira de trabalhar, de investigar ( e descobrir) ilustram bem as ideias que desenvolve, por exemplo, em “La nouvelles grille”, e que constituíram uma das suas maiores preocupações: permitir o desabrochamento da inventividade em oposição aos dogmas, contestando os sistemas fechados, e suscitar a criatividade de cada um( uma clara ideia anarquista). Na verdade, em vez de se acantonar e isolar-se na sua técnica de cirurgião da marinha, ele também se debruça sobre os acidentes ligados aos choques operatórios assim como sobre o sofrimento dos homens.
Descobriu o importante efeito de certas moléculas ( a cloropromazina). Com isto permitiu um passo em frente à medicina ( nos estudos sobre o stress e a inibição, sobre a hibernação artificial, sobre os fundamentos agressologia,etc) e ainda de uma revolução da psiquiatria ( em matéria dos neurolépticos). Pode-se, no entanto, lamentar que tenha ficado preso a uma noção demasiadamente restrita da linguagem, o que o fez rejeitar a psicanálise, levando a que os “psys” negligenciem o seu trabalho sobre a inibição. Há aí todo um vasto campo para explorar relativo aos fenómenos psicossomáticos e em apurar melhor a função da linguagem.
O filme de Resnais “Mon oncle d’Amérique”, retoma as suas ideias, para defender que é preciso “desibinir a inibição do acto” para prevenir o stress e as reacções que podem pôr a vida em perigo. Claro está que os ratos não são homens pois não falam nem sequer a noção de acto tem neles o mesmo sentido.
Os seus pares não lhe perdoaram a sua reiterada marginalidade nem de ter saído dos circuitos oficiais do pensamento ( um cirurgião opera, não faz biologia nem psiquiatria; um biólogo não pratica a reflexão sobre a sociedade, o poder, a liberdade, a autogestão). Eles nem sequer se deslocaram a Estocolmo, diz-se, para que não lhe fosse atribuído o prémio Nobel... Como se vê a interdição de pensar é uma das coisas melhor distribuídas neste mundo. Porque será que tão facilmente lhe obedecemos?
Mais que traçar as grandes etapas da sua vida gostaria de referir a duas questões do seu pensamento que interpelam o anarquismo.
Qualquer ideia – defende ele – que não seja universal, válida para toda a humanidade, seria uma ideia nula, que se mostraria incapaz de fazer progredir as coisas. Ideias deste género mais não fazem que gerar hierarquias, dominações , guerras. Ora uma ideia destas não poderia ser melhor para retratar a nossa época.
Uma outra ideia, que precisa de ser discutida ( e que ele aborda em “L’Eloge de la fuite, um dos seus livros preferidos), é a que defende que não serve para nada bater-se contra o poder e as suas engrenagens, contra esta sociedade do dinheiro, contra as pessoas manipuladas...Melhor valerá, integrarmo-nos, pelo menos na aparência, privilegiando a criação, a invenção, que não podem surgir senão das margens, e cuidando do vínculo social.
Este último ponto mereceria sem dúvida uma discussão: uma sociedade anarquista não deveria ser organizada na precariedade, nos rebordos de uma fecunda vacilação capaz de levar cada um a inventar a vida em todos os seus aspectos? É que a criatividade, ao contrário do funcionamento, implica um sujeito ( oposto ao funcionário), um desejo singular. E este é, penso, profundamente revolucionário, profundamente anarquista. Inclui necessariamente o outro na sua diferença. Um mundo unificado seria um mundo morto.
Henri Laborit era um homem alegre, um sonhador lúcido, suficientemente descentrado para poder rir-se dele próprio, tanto quanto lhe permitia o amor próprio...Não conseguia compreender como o mundo era um imenso terreiro de predação e destruição em que se vive da morte dos outros ( e isto desde os vírus até aos homens). Ora nada mais »natural» que a liberdade, a justiça que nunca serão definitivas, mas sempre em reconstrução, qualquer que seja a sociedade. Nesse sentido pode-se perguntar se a anarquia não seria uma criação humana por excelência na medida em que ela requer um ética do sujeito?
Apaixonado pelo seu trabalho, mostrava-se infatigável, gostando de passar dias e noites inteiras no seu barco, entre o céu e o abismo, naquela margem entre sono e acordado propícia à criatividade. No fundo, era um poeta da sua vida...
Nascido em Novembro de 1914 em Hanói, Vietname, cirurgião da marinha, depois investigador no Hospital Boucicaut em Paris ( recorde-se que o seu laboratório funcionava graças aos rendimentos resultantes das descobertas da sua equipa sobre moléculas). Entre as suas descobertas contam-se: a Cloropromazina (Largactyl), o principal dos neurolépticos; a Minaprina ( Cantor); antidepressivo; o GammaOH, anestesiante com aplicações várias...

Philipe Garnier

(Tradução de um texto publicado no Le Monde Libertaire de 1/6/1995)

Alguns dos livros de Henri Laborit:
-“L’homme et la ville” (1971)
-“La nouvelle grille, Eloge de la fuite” (1974)
-“L’inhibition de l’action” (1979)
-“La Colombe assassiné” (1983)
-“Dieu ne joue pas aux dés” (1987)
-“La vie antérieure (1989)
-“L’esprit du grenier (1992)