3.4.05

William Morris

Em "News from Nowhere, or an Epoch of Rest" (1891), William Morris narra o seu sonho de uma sociedade melhor, transposta para o séc. XXI, e do papel da arte na edificação da mesma. Assim, nessa sua utopia, os habitantes de Londres recuperaram o gosto pela arte e pela beleza, as pessoas são bonitas, saudáveis, alegremente vestidas, e o simples facto de viver na beleza fez redescobrir o prazer e a alegria da criação; a recompensa do trabalho reside, precisamente, na possibilidade de criar. Os mecanismos disciplinares são inexistentes. A abolição da propriedade privada, da escravidão das mulheres e da tirania familiar instaurou uma sociedade de iguais. Portanto, sem código civil nem criminal. E também sem política. A diferença de opiniões já faz parte, como fazia antes, do «jogo dos mestres da política». A maioria procura convencer as minorias. A Inglaterra é agora um jardim. Desapareceram os «distritos industriais», a maquinaria e a grande indústria já não estragam as paisagens. As aldeias, outrora anexos de distritos industriais, foram reabilitadas, e porque os citadinos foram para lá viver, da supressão da diferença entre a cidade e o campo nasceu uma cultura vivificada pelo intercâmbio entre o espírito urbano e a tradição camponesa. As rivalidades entre nações desapareceram. Nem por isso as raças e os países deixaram de conservar as suas características próprias, porque todos estão «empenhados na mesma empresa». Leitor assíduo de Fourier, subscreveu a crítica deste à civilização e ao feudalismo comercial, enquanto que os textos de Marx lhe inspiraram uma análise do feiticismo da mercadoria, uma crítica da alienação e da divisão do trabalho, e uma pintura da sociedade comunista prometida, em que o indivíduo gozará de uma autêntica alegria de viver e reencontrará não uma natureza selvagem, mas uma natureza que ele transformará em jardim. Morris tem atrás de si um combate de artista contra os malefícios da industrialização e os «empecilhos da civilização». Para ele, a vida civilizada não passa de um ersatz, um sucedâneo em comparação com o que devia ser a vida na terra. O seu desejo de produzir coisas belas levou-o a denunciar a pobreza da cultura na sociedade vitoriana, traduzida, sobretudo, nas «pretensas distracções públicas», que tornam os «momentos de descontracção dos citadinos vazios de sentido». Morris é o herdeiro de uma tradição de crítica social que estigmatizou a fé na máquina, uma tradição inaugurada por Thomas Carlyle e que prosseguiu com John Ruskin e Mathew Arnold. Morris foi o primeiro a praticar esta contestação da degenerescência industrial, como arquitecto do grupo pré-rafaelita e fundador de uma empresa de decoração cujos trabalhos anunciam o "modern style", e, posteriormente, a partir das artes tipográficas, lançando uma casa editora; torna-se, ainda, militante activo na Socialist League, a ala esquerda do socialismo inglês. Não se cansa de dizer que «a causa da arte é a causa do povo». O seu percurso estético e político torna a sua obra duplamente premonitória: por um lado, associa o humanismo romântico à causa da classe operária e anula o fosso entre visão poética e prática política, sendo um dos primeiros críticos de um materialismo restritivo que levou ao empobrecimento da sensibilidade e à anulação do imaginário; por outro lado, pela forma como problematiza os efeitos do capitalismo industrial sobre a civilização e a cultura modernas, Morris anuncia debates que, três décadas depois, irão abrir-se em torno da crise da universalidade que se confunde com a crise dos valores universais de que a alta cultura se orgulha. Com ele esboçam-se os contornos de um imaginário contestatário da produção cultural de massa, antes de esta receber tal nome e se desenvolver. E, principalmente, antes de se vislumbrar a pretensão desta cultura mediada pelo mercado e pela técnica, de reger com mão de ferro o relacionamento social universal.