( excerto do livro de Eduardo Galeano, «Pernas para o ar, o mundo visto de pernas para o ar», existe tradução portuguesa na Editora Caminho)
Os especialistas do meio ambiente, que se reproduzem como coelhos, dedicam-se a embrulhar a ecologia em papel de celofane. A saúde do planeta está feita num asco, mas a linguagem oficial dominante é ocultar as responsabilidades ao proclamar: «Somos todos responsáveis»!!!
Toda a humanidade paga pelas consequências da ruína da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da delapidação dos bens que a natureza oferece. Mas as estatísticas revelam que são 25% da humanidade que comete os 75% dos crimes contra a natureza. E se compararmos o norte e o sul, cada habitante do norte consume 14 vezes mais papel e 13 vezes mais ferro e acero. Cada norte-americano lança para o ar, em média, 22 vezes mais carbono que um indiano e 13 vezes mais que um brasileiro.
Chama-se suicídio universal ao assassinato que quotidianamente os membros mais prósperos do género humano, que vivem nos países ricos, executam, ou aqueles que, nos países pobres, imitam o seu estilo de vida: são aqueles países e aquelas classes sociais que definem a sua identidade com base na ostentação e no desperdício.
A difusão massiva deste modelos de consumo, se tal fosse possível, exigiria 10 planetas como o nosso para que os países pobres pudessem consumir tanto como os países ricos.
As empresas com mais sucesso são também as mais eficazes contra o nosso planeta. Os gigantes do petróleo, os aprendizes de feiticeiro da energia nuclear, a biotecnologia e as grandes empresas que fabricam armas, acero, alumínio, automóveis, pesticidas, plásticos e mio outros produtos sabem bem derramar lágrimas de crocodilo pela natureza. Mas estas empresas são as que mais dinheiro ganham com a ruína do planeta. São também as que mais dinheiro gastam: na publicidade, que converte a contaminação em filantropia, e nas ajudas aos políticos que decidem sobre o futuro do mundo.
Cinco anos depois da Eco-92, cimeira mundial convocada pela ONU para tratar dos problemas ambientais, outra cimeira se realizou com os mesmos propósitos. Mas, entretanto, o planeta já tinha sido desfolhado da sua pele vegetal a um tal ritmo que as florestas tropicais destruídas equivaleriam a duas Itálias e meia, e as terras férteis que se tornaram áridas teriam a extensão da Alemanha. Além disso, durante esse quinquénio extinguiram-se 250 mil espécies de animais e plantas, a atmosfera estava mais que nunca intoxicada, mil trezentos milhões de pessoas não tinham casa nem comida, e 25 mil morriam em cada dia por beberem água que os venenos químicos ou os despejos industriais tinham contaminado.
Quem mais sofre com tudo isto são, como é costume, os pobres, quer as pobres gentes quer os mais países mais pobres do planeta, que são condenados a expiar os pecados alheios.
O economista Lawrence Summers, doutorado em Harvard e elevado às mais altas hierarquias do Banco Mundial, propunha, num documento para uso interno da instituição, que por descuido foi tornado público, a migração da indústrias sujas e dos desperdícios tóxicos para os países menos desenvolvidos por razões de lógica económica que tinha a ver com as vantagens comparativas desses países. Por palavras mais claras as tais vantagens seriam três: os salários raquíticos, os grandes espaços que significariam que havia ainda muito por contaminar e a escassa incidência do cancro sobre as populações pobres, que tinham o hábito de morrer precocemente por outras causas. A divulgação deste documento provocou algum alarido: estas coisas fazem-se, mas não se dizem. Mas Summers, afinal, tinha apenas cometido a imprudência de expressar no papel aquilo que o mundo já há muito tempo vinha fazendo: transformar o sul numa lixeira do norte.
Há 16 séculos que São Ambrósio, padre e doutro da Igreja, proibiu a usura entre os cristão mas autorizara a mesma contra os bárbaros. Nos nossos dias acontece o mesmo com a contaminação mais assassina. O que está mal no norte, está bem no sul; o que no norte está proibido, é bem-vindo no sul. Pelo sul estende-se o reino da impunidade.
Nos finais de 1984 na cidade indiana de Bhopal, a fábrica de pesticidas da empresa química Union Carbide sofreu um grave acidente no qual foram libertados 40 toneladas de gás mortal. O gás estendeu-se por toda a região e matou 6.600 pessoas e provocou doenças a mais de 70.000, muitas das quais morreram pouco depois. Acontece que a Union Carbide não seguia na índia as normas de segurança a que seria obrigada se estivesse nos Estados Unidos.
Union Carbide e Dow Chemical vendem, na América Latina, numerosos produtos proibidos no seu país de origem, e o mesmo ocorre nos outros gigantes da indústria química mundial. Na Guatemala,por exemplo, as avionetas fumigam as plantações de algodão com pesticidas cuja venda está proibida nos Estados Unidos, e esses venenos infiltram-se nos alimentos, desde o mel até aos peixes até chegar à boca dos bebés. De resto, já em 1974, uma investigação do Instituto de Nutrição da América Central tinha comprovado que, em muitos casos, o leite das mães guatemaltecas estava contaminado 200 vezes mais que o limite aceitável.
A impunidade da empresa Bayer vem dos tempos em formava parte do consórcio IG Farben e usava a mão de obra gratuita dos prisioneiros de Auschwitz. Muitos anos depois, nos princípios do ano de 1994, um militante ecologista do Uruguai tornou-se accionista da Bayer por um dia. Graças à solidariedade dos seus companheiros alemães, ele pôde fazer ouvir a sua voz na Assembleia de accionistas do segundo maior produtor mundial de pesticidas. Numa reunião pródiga em cervejas, salsichas com mostarda e aspirinas à discrição, Jorge Barreiro perguntou porque é que a empresa vendia no Uruguai 20 agrotóxicos que não estavam autorizados na Alemanha por terem sido considerados «extremamente perigosos» e outros cinco classificados como «altamente perigosos». Aconteceu, então, mais uma vez, o que era previsível. Com efeito, cada vez que alguém interpela os executivos da Bayer sobre a vendas aos países do Sul de venenos proibidos aos do Norte, a resposta é sempre a mesma: que a empresa não viola as leis dos países onde operam, o que é formalmente correcto, e que os produtos são inofensivos. O que fica sempre por explicar é o enigma de saber porque é que esses bálsamos químicos não podem ser desfrutados nos países do Norte…
Em Taiwan um terço do arroz não se pode comer, porque está envenenado mercúrio, arsénico ou cádmio; na Coreia do Sul só se pode beber água de alguns poucos rios; e na China não peixes em metade dos rios.
Em suma: o século XX terminou a pintar naturezas mortas