Os edukadores (título original: Die Fetten Jahre sind vorbei) é o título de um filme do realizador Hans Weingartner que já está em exibição em Lisboa e que merece ser visto.
O argumento refere-se à actual luta contra a dominação capitalista e os seus personagens são três jovens berlinenses: Jan ( que defende que os mais ricos devem ser "edukados"), o seu companheiro de casa, Peter, que partilha os mesmo ideais, mas é mais descontraído, e Jule, a namorada de Peter, que se muda lá para casa porque já não consegue sobreviver com o seu salário de empregada.
Peter e Jan decidem invadir as mansões dos ricos, mexer nas suas coisas e deixar mensagens como «Os vossos dias de abundância estão contados» a fim de criar neles um sentimento de insegurança sobre o seu estatuto social privilegiado.
O enredo permite também o confronto entre duas gerações contestatárias: a de 1968 que, entretanto, se integrou socialmente, e a actual geração de contestação ao neo-liberalismo capitalista.
Com uma realização heterodoxa ( tipo câmara na mão), repleto de humor sarcástico e frequentes denúncias sociais, o filme serve sobretudo para reflectir nas melhores formas de criticar e contestar o sistema de domínio e exploração como é a economia de acumulação do capital.
Jedes Hertz ist Eine Revolutionäre Zelle!” (Todo coração é uma célula revolucionária!) é um exemplo de frases que marcam o filme.
Quando Jule descobre que Peter e Jan são os Edukadores, ela pergunta a Jan porque invadem as mansões deixando mensagens como “Você tem dinheiro a mais” ou “os seus dias de fartura estão contados”:
Jan: - Para eles se sentirem inseguros mesmo com toda a segurança. É sinistro ter a casa invadida. Ter alguém que te vigia e vai continuar a vigiar
Jule: - Por que não pegam tudo e doam para os pobres?
Jan: - Eles contam com ladrões. Mas nós queremos que fiquem apavorados. Na fila do banco, vão ouvir sussurros: “Você tem dinheiro a mais”. Vão sentir-se completamente sozinhos. Nada poderá ajudá-los. Nem a fortuna, nem a mulher, nem a polícia.
Noutro passo Jan, Jule e Peter conversam com Hardenberg, milionário sequestrado pelos 3, num verdadeiro debate filosófico:
Jule: - Quantas horas por dia trabalha?
Hardenberg: - 13, 14 horas tranquilamente.
Jule: - O que faz com tanto dinheiro? Você acumula coisas. Coisas grandes, carros, mansões, um iate. Um monte de coisas para dizer: “Sou um macho poderoso”. Não vejo outra razão. Não tem tempo para curtir o seu iate. Então, por que é que quer sempre mais?
Hardenerg: – Vivemos numa democracia. Não devo explicações sobre os meus bens. Paguei por eles.
Jan: - Errado. Vivemos sim numa ditadura do capital. Você roubou tudo o que possui.
Hardenberg: - Posso possuir mais coisas porque trabalho mais. Tive as ideias certas na hora certa. E, além disso, não sou o único. Todos tem chances iguais.
Jule: – No sudeste da Ásia, muitos trabalham até 14 horas por dia e não têm mansões. Ganham 30 euros por mês. Também podem ter boas ideias mas não conseguem pagar uma viagem de autocarro à cidade vizinha.
Hardenberg: - Desculpe por eu não ter nascido na Ásia.
Jule: - Mas ainda assim pode tornar suportável a vida lá. O Primeiro Mundo devia perdoar a dívida do Terceiro Mundo. É só 0,01% do nosso PIB! Por que não fazem isso?
Hardenberg: - Seria o colapso do sistema financeiro mundial
Jule: - Vocês querem-nos pobres, para poder controlá-los... forçá-los a vender os seus produtos a preços ridículos.
(...)
Jan: - É a regra básica do sistema: exaurir todos até o limite para que não possam reagir.
Hardenberg: - Não é verdade. Claro, precisamos melhorar as coisas. Protecção ambiental, aumentar os preços do produtor... mas o sistema não vai mudar.
Jan: - Por que não?
Hardenberg: - É da natureza humana querer ser melhor que os demais. Todo grupo logo elege um líder. E a maioria só fica feliz quando compra algo novo.
Jan: - “Feliz”? Acha que as pessoas são felizes, Hardenber? Ei, abra os olhos. Saia do seu carro e ande pelas rua! Elas parecem felizes ou animais assustados? Veja suas salas de estar. Todas com a TV ouvindo zumbis chiques falarem sobre uma felicidade perdida. Passeie pela cidade. Verá a imundice, a superpopulação, as massas feito robôs nas escadas rolantes das lojas de departamento. Ninguém conhece ninguém. Acham que a felicidade está ao alcance mas ela é inalcançável porque você a roubou. É a vida. Você sabe muito bem. Mas tenho uma notícia para você: a máquina superaqueceu. Somos só os precursores. A sua época está a acabar. Enquanto você surfa na tecnologia, outros sentem ódio. Como as crianças das favelas vendo filmes de acção americanos. É só o começo. Haverá mais. Mais casos de insanidade, serial killers, almas destruídas, violência g
ratuita. Não pode neutralizar todo mundo com game shows e shoppings e os antidepressivos não vão funcionar para sempre. O povo está cansado da merda do seu sistema.
Hardenberg: - Admito que há alguma verdade no que falou, mas sou o bode expiatório errado. Eu jogo o jogo, mas não fiz as regras.
Peter: - Não importa quem inventou a arma, e sim quem puxa o gatilho.
Noutro momento estão Jan e Hardenberg a conversar , enquanto este lava suas roupas. Jan questiona-o como um ex-revolucionário que participou do Maio de 68 e agora se transformou num magnata insensível.
Jan: - Aposto que há muito tempo que não lava as sua s próprias roupas. Como é que alguém com o seu passado vive como você? Você teve ideais.
Hardenberg: -O meu pai dizia: “com menos de 30, se não és de esquerda és um desalmado. Acima dos 30 se continuares de esquerda és burro”.
Jan: - Eu sei, mas não acredito nesses baboseiras. É sempre a mesma desculpa.
Hardenberg: - Acontece devagar, aos poucos. A gente nem nota. Um dia, vendemos o carro velho. Queremos um mais seguro, com ar condicionado. Você casa-se, constitui família, compra uma casa. Educar os filhos custa caro. Segurança. Contrais dívidas, e começas a trabalhar para pagá-las e age como os demais. Até que numas eleições , para sua surpresa, o teu voto vira conservador.