O filósofo francês Michel Onfray acabou de publicar um novo livro - «Traité d’Athéologie», ed. Grasset, 2005- de onde retiramos algumas citações:
«porque Deus não morreu nem é perecível – contrariamente ao que dizem Nietzsche e Hine. Nem morto nem perecível ele é, porque não é mortal. Um ficção não morre, nem uma ilusão se trespassa, nem muito menos se vai refutar um conto infantil»
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«Deus releva do bestiário mitológico, como milhares de outras criaturas repertoriadas nos dicionários com inúmeras entradas, desde Démeter até Dionísios»
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«O silêncio de Deus convida à conversa da treta dos seus ministros que usam e abusam do epíteto: quem quer que não creia em Deus, torna-se logo um ateu. No pior dos homens, no imoralista, no detestado, no imundo e na incarnação do mal.
Difícil por isso dizer-se ateu…Quando se diz tal, é sempre na perspectiva insultuosa de uma autoridade preocupada em banir, e em marginalizar e condenar»
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«(o primeiro verdadeiro ateu:) Agrada-se que esta genealogia filosófica proceda de um padre: Meslier, santo, herói e mártir da causa ateia…»
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«o ensino da religião reintroduz o coelho na cartola: o que os padres não podem fazer abertamente, podem agora fazê-lo docemente, ao ensinar as fábulas do Antigo e Novo Testamento, as do Corão e dos Hadiths, sob pretexto de permitir os alunos aceder mais facilmente a Marc Chagall, à Divina Comédia e à Capela Sistina ou à música de Ziryab…»
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«ensinar o ateísmo supõe uma arqueologia do sentimento religioso: o medo, a incapacidade de olhar a morte, a impossível consciência da incompletude e da finitude nos homens, a função e o motor que é a angústia existencial. A religião, esta criação ficcional, exige uma desmontagem em boa forma dos placebos ontológicos – como em filosofia se fala da bruxaria e da loucura para produzir uma definição da razão»
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« A época parece ateia, mas somente aos olhos dos cristãos e dos crentes. De facto, ela é niilista.
Os padroeiros de ontem e da véspera têm todo o interesse em fazer passar o pior e a negatividade contemporânea por um produto do ateísmo»
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«Três milénios testemunham dos primeiros textos até hoje: a afirmação de um Deus único, violento, invejoso, quezilento, intolerante, belicoso, que gerou mais ódio, sangue, mortos, brutalidade do que paz…»
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«Que eu saiba nem os Papas, s Princípes, os Reis, os Califas, os Emires brilharam tanto na virtude como Moisés, Paulo, Mahomé brilharam na mortícinio, na venda de tabaco ou nas razzias»
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«os teístas realizam inimagináveis contorções para justificar o mal à superfície do planeta, não deixando nunca de afirmar a existência de Deus a quem nada escapa. Os deístas são um pouco menos cegos, já os ateus parecem já bem mais lúcidos»
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«A missa dominical nunca primou como momento de reflexão, de análise, de cultura e de saber difundido e trocado, e quanto ao catecismo, muito menos. O mesmo se passa nas outras religiões monoteístas. Quer nas orações junto do Muro das lamentações ou nas Cinco Ocasiões diárias dos muçulmanos ora-se, pratica-se as invocações, exerce-se a memória, mas nunca a inteligência»
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«trata-se daqui para diante de conseguir aquilo que Deleuze chama de ateísmo tranquilo, a saber, um cuidado não tanto na negação estática ou de combate a Deus, mas num método dinâmico que desemboque numa proposição positiva destinada a construir após o combate»
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« a superação deste ateísmo cristão – não muito ateu e ainda bastante cristão para meu gosto –permite encarar sem redundância de assim o nomear, um autêntico ateísmo ateu…Este quase que pleonasmo serve para significar uma negação de Deus em conjunto a uma negação de uma parte dos valores que daí resultam, mas ainda(…) para colocar a moral e a política noutras bases que não sejam niilistas, mas pós-cristãs»
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«desconstruir os monoteísmos, desmistificar o judaico-cristianismo – mas também o Islão – para depois desmontar a teocracia , eis as três tarefas inaugurais da ateologia.
Trabalhar em seguida para uma nova ética e criar as condições de uma verdadeira moral pós-cristã, onde o corpo deixe de ser uma punição, a terra um vale de lágrimas, a vida uma catástrofe, o prazer um pecado, as mulheres uma maldição, a inteligência uma presunção, e a vontade uma danação»
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«não se mata um sonho, nem se assassina um subterfúgio. Serão antes estes que nos matam, pois Deus empurra para a morte tudo o que lhe resiste. Em primeiro lugar a razão, depois a inteligência e o espírito crítico»
Citações retiradas do livro de Michel Onfray, «Traité d'athéologie, physique de la métaphysique» (Grasset)