50 anos da fuga de Caxias ( 4 de Dezembro de 1961), e o início da queda do regime salazarista
Debate/visualização de uma curta-metragem sobre a fuga de Caxias que aconteceu a 4 de Dezembro de 1961, com a participação de um dos fugitivos, Domingos Abrantes.
Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 9 de Dezembro, às 21h.
A 4 de Dezembro de 1961, em pleno dia – 10 da manhã –, oito destacados militantes comunistas, rompendo a forte segurança policial, fogem com êxito do Forte de Caxias num velho «Mercedes» à prova de bala, oferecido por Hitler ao ditador Salazar.
A fuga de Caxias representou um enxovalho público do regime fascista de Salazar, e o início da sua queda, porque poucos dias depois começa a operação Vijay na índia portuguesa, e com ela o fim do império colonial português.
Recordamos os oito fugitivos: José Magro, Francisco Miguel, Domingos Abrantes, António Gervásio, Guilherme de Carvalho, Ilídio Esteves, Rolando Verdial (todos funcionários do Partido) e António Tereso.
Foi grande o impacto nacional desta fuga. As pessoas ficaram impressionadas: como foi possível, em pleno dia, num pátio interior do forte rodeado de taludes, GNR’s, carcereiros armados e sempre com os olhos postos nos movimentos de cada preso, chegar um automóvel e, num abrir e fechar de olhos, oitos presos desaparecerem sem os guardas terem tempo para compreender o que se estava a passar? É natural que surjam tais interrogações. Sem dúvida que jogou muito o factor surpresa e a rapidez – agir tão rápido que os guardas não tivessem tempo de pensar que se tratava de uma fuga!
Cada fuga tem a sua história. A fuga de Caxias não foi uma realização ao acaso, nem uma aventura. Ela envolve um longo trabalho colectivo (cerca de um ano), paciente, minucioso, um conhecimento profundo de variadíssimos detalhes.
Preparação da fuga
Um certo dia os prisioneiros políticos, militantes comunistas, souberam que se encontrava na garagem da cadeia um «Mercedes» à prova de bala. Esta informação teve uma enorme importância para se perspectivar a fuga. Todos os esforços se viraram para o «Mercedes». Era necessário conhecer o estado do carro, repará-lo, arranjar combustível, fazer ensaios. Colocava-se a questão: como chegar ao «Mercedes» sem levantar o mínimo de suspeita? A organização do Partido na cadeia pôs a imaginação a trabalhar.
A história do «rachado»
No Forte de Caxias existiam alguns presos com comportamentos fracos que, a troco de visitas em comum com familiares, apanhar sol, receber comida da família, se dispunham a fazer alguns serviços da cadeia, como limpezas e outros. A esses presos, os outros chamavam-lhes «rachados» (uma coisa que não presta). Estudando esta realidade dos «rachados», a organização do Partido Comunista na cadeia avançou com a ideia de arranjar um «rachado» fingido, um quadro sério, corajoso, capaz de assumir tarefas difíceis e arriscadas.
Essa escolha foi cair no camarada Tereso, motorista da Carris, com conhecimentos mecânicos e outras capacidades. Não vamos explicar um conjunto de situações diversas. Dizer só que levou tempo a ganhá-lo para a tarefa, pois ele não aceitava a ideia de ser «rachado» mesmo a fingir. Contudo, sendo uma tarefa do Partido, acabou por aceitá-la. A Pide, desconfiada, demorou tempo a ser convencida.
Uma das tarefas do novo «rachado» era ganhar a confiança dos carcereiros. Começou por arranjar os carros da cadeia, depois os carros do director do Forte e de alguns Pides. A sua credibilidade foi crescendo e passado tempos chegou ao célebre «Mercedes». Estudou-o, foi-o reparando e sacando combustível da cadeia. Com o andar dos tempos começou a fazer experiências, pequenas manobras no pátio do forte, ensaios que foram aumentando.
Os passos finais
Passaram-se vários meses. Os dados estavam lançados. As andanças do «Mercedes» eram vistas como normais pela GNR. Os batentes de cimento do portão do exterior estavam devidamente estudados: não iriam resistir ao embate do «Mercedes».
A fuga tinha de realizar-se antes das 10 horas da manhã, porque depois dessa hora chegavam ao portão familiares dos presos para as visitas. Estavam asseguradas medidas para não haver pessoas atrás do portão e era rigorosamente necessário que no dia da fuga os carros da cadeia e da Pide, dentro do forte, estivessem, antes das 9 horas, todos imobilizados, avariados, para não poderem perseguir os fugitivos – medida que também foi assegurada.
Estava definido quais os oito camaradas que iriam participar na fuga. A casa da guarda (GNR) ficava no meio do túnel que dava acesso ao pátio do recreio dos funcionários presos e ao portão do exterior. Junto à casa da guarda havia um gradão de ferro. Havia comandantes que tinham o túnel fechado com o gradão durante o dia, outros tinham-no aberto. No dia da fuga o túnel estava fechado.
Algumas semanas antes da fuga a Pide inventou um estratagema na escala dos recreios no sentido dos funcionários presos nunca saberem o dia e a hora certa do recreio, tudo isto com receio de fuga! Mas, passados alguns dias, o segredo pidesco foi descoberto.
Finalmente chegou o dia decisivo. A 4 de Dezembro de 1961, às nove e pouco da manhã, a Pide abre a porta para o recreio. Estavam todos um pouco tensos. Alguns pensavam: vamos sair e já não voltaremos!
No recreio inicia-se o jogo tradicional de voleibol que fazia parte de outra jogada... A GNR, nos taludes, observava. No meio dos presos circulavam carcereiros armados..
Poucos minutos depois vê-se o «Mercedes» conduzido por Tereso subindo em marcha atrás o túnel por onde se daria a fuga. O «Mercedes» chegou até junto dos presos. Estes começaram a «protestar», os guardas estavam muito atentos. Entretanto, o fugitivos aproximam-se do carro cujas portas só estavam encostadas – tudo aparentemente sereno mas muito rápido. Ouve-se o grito da senha: GOLO! E num gesto super rápido os oito fugitivos estavam no interior do «Mercedes» que, em grande velocidade, avança pelo túnel em direcção à liberdade. A sentinela não teve sequer tempo de fechar o gradão. O «Mercedes» vai direito ao portão exterior, arranca em primeira, dá uma pancada no portão que salta em pedaços! Ouvem-se tiros de metralhadora. O «Mercedes» arranca encostado ao talude do forte. Chovem tiros e ouvem-se as balas a fazerem ricochete no carro.
Os carcereiros correm em busca dos carros da cadeia, mas, para seu azar, nenhum deles quis mexer-se, estavam todos avariados! Não podiam perseguir os fugitivos...
Cerca de 10 minutos depois, os oito fugitivos estavam em Lisboa. O «Mercedes» ficou a descansar na rua Arco do Carvalhão até a Pide o ir buscar...